A cidade de Ribeirão Preto, conhecida como a capital nacional do agronegócio e embalada pela música sertaneja, também carrega a marca de outro gênero musical que tem origem no campo: o blues. O gênero mais tradicional da música americana, representada aqui em Ribeirão por Fred Sunwalk, ganhou fama, fãs e espaço na cidade a partir do Festival de Blues realizado em 1989.
Naquele ano, na contramão das cidades que faziam parte da rota de shows internacionais, como Rio de Janeiro e São Paulo, a Cava do Bosque, principal ginásio poliesportivo da região de Ribeirão Preto, recebeu artistas de peso como Buddy Guy, Albert Collins, Etta James e Magic Slim. Mas por que uma cidade de 450 mil habitantes, do interior de São Paulo, foi escolhida?
A decisão foi do produtor César Castanho. “É a primeira vez que se realiza um festival de grandes proporções fora dos grandes centros. Resolvemos arriscar o caminho da interiorização, desbravando um novo mercado”, disse Castanho em entrevista na época. O investimento foi de 350 mil dólares (nas cifras da época) e contemplava aparelhagem de iluminação e som computadorizada, com dez amplificadores, dez caixas de som com 20 mil watts de potência e 300 refletores. Um padrão que também aumentava o valor do ingresso e poderia correr o risco de ter pouco público.

Ribeirão Preto de 1989
O desenvolvimento de Ribeirão Preto seguia a todo vapor com a produção de cana-de-açúcar das usinas, incentivada pelo Proálcool – programa do governo que estimulou a produção de etanol e motores de carros movidos com o combustível de energia renovável. Além disso, a construção dos shoppings centers colocava a cidade como polo de comércio e serviços.
Eventos como a Feira Agropecuária da Alta Mogiana (Feapam) tinham destaque pelo universo sertanejo, com exposições de bois, leilão de gado e shows sertanejos. O outro gênero que circulava nas rádios era o rock nacional. Canções de bandas como Titãs, RPM e o cantor ribeirão-pretano Kiko Zambianchi, que fazia sucesso com a música Primeiros Erros (que ganharia mais destaque nos anos 2000 com a regravação pela banda Capital Inicial), estavam na boca da juventude.
“Estamos dando uma boa mãozinha para que conheçam outra alternativa de boa música, porque do contrário, continuarão conhecendo apenas o rock”, disse Castanho em entrevista ao Estadão.
A produtora cultural Gláucia Japur, que hoje promove festivais de blues em Ribeirão, confirma a dificuldade de acesso ao blues na cidade. “Uma coisa bem improvável de acontecer no Brasil, muito menos numa cidade do interior. Os discos de blues da época eram só importados. A gente não tinha internet. Então, o acesso a esse estilo musical era muito difícil”, diz.

O fotógrafo Jefferson Alves de Barcellos tinha 20 anos na época e participou do festival. “Pensa em um lugar que está totalmente escuro, e de repente, alguém vem, coloca um sol e clareia. Porque nós tínhamos pouquíssimas oportunidades de ouvir músicas com o peso daquele pessoal.”

Barcellos também é músico e foi um dos precursores da cena punk em Ribeirão. Para ele, o festival teve grande influência em sua carreira profissional e artística. “A gente lia sobre eles nas poucas revistas especializadas de música que existiam. Eles eram a origem de um monte de coisa, do rock, disco music, eles eram a origem. De repente você fica sabendo pela imprensa que esse povo todo vai vir, foi um grande norte que aconteceu na minha vida, foi muito impactante, assistir de perto várias pessoas que eu via na TV”, conta.
No primeiro dia, em uma Cava do Bosque lotada, a banda nacional Blues Etílicos abriu o show para o músico norte americano Buddy Guy. A aposta dos produtores deu certo. O festival realizado em Ribeirão Preto desencadeou o “boom” do gênero no país no final dos anos 1980 e início dos anos 1990.
A jornalista Mariângela Gumerato também estava lá, ao lado do marido, Flávio Gumerato. “A gente viveu momentos muito bons. O blues abriu espaço para outros músicos. Esse festival também foi para São Paulo, mas nunca mais fizeram um festival como esse. Eu me senti privilegiada de poder ter visto esses shows ao vivo”, fala.

Mais vivo do que nunca
Atualmente, o blues segue vivo em Ribeirão Preto com o Arena Blues Festival, realizado no Teatro de Arena e produzido por Gláucia Japur e Fred Sunwalk, da Bluebird Produções, responsável pelo evento desde 2014.
O festival busca reunir grandes nomes da cena nacional e também representantes internacionais do gênero. Embora não seja de grande porte, a proposta é valorizar artistas de referência, tanto do Brasil quanto de países onde o blues nasceu e se consolidou, especialmente os Estados Unidos.
Assim, já passaram pelo palco músicos norte-americanos que cresceram imersos nessa tradição, além de bandas brasileiras consagradas no estilo. Gláucia Japur, destaca que a diversidade de público é um dos pontos fortes do Arena Blues Festival. “O público do festival é um público bem diverso, temos desde jovens, pessoas na faixa dos 20 anos, até pessoas 60, muitos que vivenciaram os outros festivais que aconteceram”.
O festival também reserva espaço para artistas locais, fortalecendo a cena ribeirão-pretana. Entre eles está Fred Sunwalk, guitarrista e compositor da cidade, hoje reconhecido nacionalmente, mas que iniciou sua trajetória nos anos 1990 tocando blues em bares e festas universitárias. Sua presença e influência foram fundamentais para o surgimento de diversas bandas e movimentos ligados ao gênero em Ribeirão Preto.
Apaixonado pela música, Fred Sunwalk conta que o contato com diferentes estilos começou ainda na infância, em um lar repleto de influências sonoras. “Eu sempre tive muita influência musical dentro da minha casa. Meus pais sempre escutaram muita música, meus avós, por parte de pai, também. Apesar de ninguém ser músico profissional, eu cresci ouvindo muita música e isso sempre mexeu com o meu emocional e a partir dos 16, 17 anos eu comecei a me interessar por um instrumento musical, no caso, a guitarra”.
Fred conta que já tinha paixão pela guitarra desde criança. Seu pai, Ivo Rodarte, era fã de rock inglês, na época, tocado em vinil. “Eu escutava muito The Rolling Stones, Deep Purple, Led Zeppelin, enfim, bastante coisa de rock and roll. Mas, eu vi que na origem daquele estilo musical, que era o rock and roll, a origem era o blues.”
Ele e o irmão, Alexandre Rodarte, passaram a fazer pesquisas para conhecer a origem do rock e, com isso, começaram a ouvir B.B. King, Buddy Guy, Albert Collins, Magic Slim. Todos os grandes mestres do blues. “Foi paixão à primeira escutada. Então, o blues, é a raiz de tudo que eu faço. Mesmo que eu toque mais um groove ou um pouco de pop, uma balada, seja lá o que for, o blues está na raiz daquilo que eu faço.”

Para além da música, o blues tem se mostrado de grande importância para o desenvolvimento cultural e econômico. Em cidades que sediam os festivais do gênero, o impacto vai muito além dos palcos. Hotéis recebem alta ocupação, bares e restaurantes ampliam o movimento, prestadores de serviços locais encontram novas oportunidades e a cidade ganha uma alta visibilidade turística.
Produtor cultural e apaixonado pelo gênero, Freddy Batista acompanha de perto esse crescimento. Para ele, o blues vive um momento de expansão no Brasil, com eventos que atraem visitantes de diferentes regiões e estimulam as economias locais.

“O mercado do blues hoje em dia está cada vez mais forte. Com diversos festivais pelo país, principalmente no estado de Minas Gerais e Rio de Janeiro, onde as cidades históricas organizam festivais charmosos e com uma curadoria de bandas sensacionais. Destaco o Festival de Jazz e Blues de Rio das Ostras, um dos maiores da América Latina, com atrações internacionais e o melhor do blues nacional. Tudo de graça, também seguindo esse mesmo circuito, Paraty e Búzios. Em Minas tem o festival de blues de Poços de Caldas, Blues da Montanha, Carrancas, Ibitipoca, além do Arena Blues em Ribeirão Preto, que atrai um público fiel e entusiasmado.”
Assim, o blues mantém viva sua tradição musical enquanto impulsiona a economia criativa, provando que a herança cultural também é uma força concreta de desenvolvimento regional. Para os organizadores e para o público, o som que nasceu no Mississipi continua ressoando em novas rotas brasileiras e Ribeirão Preto já ocupa um lugar de destaque nesse mapa.
ACidade – 120 anos
O especial ACidade – 120 Anos é um projeto multimídia do acidade on Ribeirão, em parceria com o curso de Jornalismo da Unaerp e o Acervo EP/ ACidade.
Esta produção é dos alunos do curso de Jornalismo da Unaerp Arthur Vieira, Isadora Corrêa e Sofhia Camargo, sob supervisão dos professores Gil Santiago, Guilherme Nali, Jefferson Barcellos, Elivanete Z. Barbi, Flávia Martelli e apoio de captação e edição de Denis Henrique e Lucas Melso.

