Muito além das quatro linhas, o clássico Come-Fogo já mexeu durante décadas com a estrutura de Ribeirão Preto e transformou a rotina da cidade. Quase esquecido das grandes manchetes, o duelo entre Botafogo e Comercial ainda resiste como símbolo de tradição e identidade cultural ribeirão-pretana.
Durante os anos de 1960 e 1970, Ribeirão viveu seu auge no futebol. O Comercial, o Leão do Norte, brilhou com campanhas expressivas no Paulistão e inaugurou em 1964 o Estádio Palma Travassos, a “Jóia de Concreto”. O time conquistou o título do interior em 1966 e enfrentava gigantes como Santos, Corinthians, Palmeiras e São Paulo.
Já o Botafogo, o Pantera, inaugurou o Estádio Santa Cruz em 1968 e viveu seu melhor momento em 1977, conquistando o primeiro turno do Campeonato Paulista e revelando craques como Sócrates.
O equilíbrio sempre foi a marca da rivalidade. Desde 1920, foram 175 partidas, sendo 64 vitórias do Botafogo, 51 do Comercial e 60 empates, com 439 gols. Mais do que números, os clássicos eram eventos que paravam a cidade, lotavam estádios com mais de 25 mil pessoas, enfeitavam ruas e provocavam discussões intermináveis em bares, escolas e famílias.

Para os torcedores mais antigos, cada Come-Fogo guarda uma lembrança especial. O botafoguense Wesley Osório, 72 anos, nunca esquece o clássico de 1994. “O gol do Vagner Mancini no último minuto, dentro do Palma Travassos, foi a maior emoção da minha vida. A cidade inteira parou”, recorda.
Do lado comercialino, Fabrício Pontes, 46 anos, lembra com emoção do clássico na volta à elite em 2012. “Virar o jogo com meu filho ao lado foi indescritível. A cidade só falava disso. Era muito mais do que futebol”, afirma.
Essas histórias mostram como o clássico ultrapassava o campo. A cidade respirava rivalidade. Semanas de expectativa, provocações entre amigos e estádios lotados, onde a vitória era questão de orgulho.

Dentro de campo, a atmosfera também era única. O centroavante, hoje aposentado, Marcelo Macedo, autor do gol da vitória botafoguense em 2014, lembra do clima no Santa Cruz. “O torcedor lotou o estádio e empurrou o time o tempo inteiro. Foi um dos jogos mais marcantes da minha carreira”.
Para o ex-goleiro Marcelo Henrique, que defendeu o Comercial, não havia nada igual. “Era clima de guerra dentro de campo, estádio lotado com duas torcidas empurrando. O Come-Fogo mexia com a cidade inteira”.
“O clássico quando é na elite Paulista tem importância e visibilidade muito maior. O torcedor tem papel fundamental nos clássicos, nesse último da elite por exemplo, lotou o estádio e incentivou o time do início ao fim, sendo coroado com uma bela vitória”
, Marcelo Macedo, ex-atacante do Botafogo

A importância do clássico vai além dos resultados. O jornalista esportivo Luiz Carlos Briza afirma que o duelo é parte da identidade da cidade. “O Come-Fogo é patrimônio cultural de Ribeirão Preto. Teve momentos de grande visibilidade e hoje vive mais na memória, mas simboliza a paixão e a identidade da cidade”.
“No auge, o Come-Fogo movimentava a cidade em todos os segmentos. No comércio, na imprensa. Mobilizava a cidade uma semana antes e outra depois. Eram calorosas discussões e apostas. A rivalidade era fantástica, mas havia respeito. As duas torcidas frequentavam os dois estádios, sempre lotados e não havia violência”, Luiz Carlos Briza, jornalista esportivo

Mesmo com menos destaque nos últimos anos, as novas gerações mantêm viva essa memória herdada. O botafoguense Eduardo Rodrigues, de 24 anos, resume: “O clássico já não tem a fama de antigamente, mas a história não se apaga. É parte do que faz Ribeirão ser conhecida”.

O comercialino Gustavo Arcêncio, 21 anos, reforça o peso da tradição: “Come-Fogo é rivalidade centenária. Mesmo com estádios vazios, a emoção continua. É diferente de qualquer jogo comum”.

Bombinha no Come-Fogo
O dia 28 de janeiro de 2012 entrou para a história do futebol de Ribeirão Preto. Depois de 26 anos sem disputar um Come-Fogo na elite do Campeonato Paulista, o Comercial retornou e venceu o rival Botafogo pelo placar de 2 a 1, no estádio Santa Cruz, em um jogo marcado pela atuação impressionante de Elionar Bombinha.
O atacante foi o assunto da partida, marcou os dois gols da virada alvinegra, explodindo as arquibancadas e levando a torcida ao delírio. A vitória teve um toque especial, já que marcou o retorno do clube à primeira divisão estadual com vitória sobre o maior rival.
Mais do que três pontos, o jogo ficou registrado como um dos capítulos mais emocionantes da rivalidade. O clássico, que há décadas movimenta Ribeirão Preto, mostrou que ainda tinha força para paralisar a cidade e fazer história.

A Cidade – 120 Anos
O especial A Cidade – 120 Anos é um projeto multimídia do acidade on Ribeirão, em parceria com o curso de Jornalismo da Unaerp e o Acervo EP/ A Cidade.
Esta produção é dos alunos do curso de Jornalismo da Unaerp Eduardo Vergani Barbosa, Gabriel Soares Santana, Leonardo De Oliveira Mendes e Igor Penha Sobottka, sob supervisão dos professores Gil Santiago, Guilherme Nali, Jefferson Barcellos, Elivanete Z. Barbi e Flávia Martelli.

