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CotidianoAcervo de ativista e Baile do Carmo preservam memória do povo negro de Araraquara

Acervo de ativista e Baile do Carmo preservam memória do povo negro de Araraquara

Entre as quase quinhentas páginas, encontramos mais de 200 transações de compra e venda de seres-humanos

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Vanderlon conta com acervo de mais de 3.500 peças  
Vanderlon conta com acervo de mais de 3.500 peças  

Um dos períodos mais tristes da nossa história, imortalizado nas obras de arte, em livros, revistas e jornais e nos instrumentos de tortura.

O ativista negro Vanderlon da Costa tem um acervo com mais de 3.500 de peças, que contam um pouco dessa história, incluindo instrumentos de tortura que herdou do pai – homem negro que já se preocupava em recuperar o passado para que jamais fosse repetido.
 

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Entre os itens, está a gargalheira, instrumento de tortura que era utilizado de duas formas. “Ela era colocada em um negro ou negra, que já eram conhecidos como fujões, para que fosse retardada a fuga. Se eles fossem pegos, a gargalheira era usada de outro modo, onde ele mesmo se mataria, caso dormisse”, explica Vanderlon.

 

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Para ele, é importante mostra um outro lado, onde o negro é visto pelo negro. “A história sempre conta um negro malandro, um negro sem passado. Então importância de mostra que o negro contribuiu muito e ainda contribui bastante com a cultura brasileira”, disse.

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Toda essa história registrada nos jornais e revistas acaba de ser comprovada com a descoberta das escrituras de compra e venda de escravos no cartório de Araraquara.

Entre as quase quinhentas páginas, encontramos mais de 200 transações de compra e venda de seres-humanos entre outubro de 1870 e novembro 1887.

Nem crianças eram poupadas e, pelo menos, 53 meninos e meninas com idades entre dois e doze anos de idade foram negociados.

Além de 22 ingênuos, que eram as crianças nascidas depois da lei do ventre livre, mas que acompanhavam a mãe escravizada quando era vendida.
 

Seo Costa conta como começou a tradicional Festa do Carmo de Araraquara  
Seo Costa conta como começou a tradicional Festa do Carmo de Araraquara  

BAILE DO CARMO 

Um dos registros traz o nome de um negro chamado Damião, vendido aos 14 anos em março de 1873. Poderia ser apenas mais um escravo tratado como mercadoria, mas o nome Damião  faz parte de uma das mais ricas tradições do povo negro de Araraquara: o baile do Carmo.

Uma festa centenária, criada por escravos recém-libertados no fim do século XIX e que dura até hoje.

O seo Costa, atual organizador, conta que o baile foi fundado por um escravo chamado Damião. História passada de geração para geração ao longo das décadas.
 

“Os escravos andavam por ai, fizeram seus quilombos e aqui no Carmo tinha um quilombo. Os escravos morriam de tristeza e foi quando Damião teve uma visão com uma mulher branca bonita, que chegou para ele e falou para ele ‘Damião pega seu povo, dancem, cantem, batuquem e parem de sofrer’. Ele então chamou todos e contou o que tinha visto e eles começaram a dançar e cantar – em 16 de julho de 1988. Ela era Nossa Senhora do Carmo”, ressalta.

Outra versão para a origem do baile do Carmo tem como cenário a igreja que leva o nome do famoso bairro de Araraquara. No começo do século XX, os negros não podiam participar das missas e tinham que ficar do lado de fora. Foi aí que eles passaram a dançar em frente a igreja, em homenagem a Nossa Senhora do Carmo.

As forças policiais da época não gostaram disso e prenderam todo mundo. Revoltados, os negros repetiram a dança no ano seguinte e nos demais anos, por mais de um século.

“Festar, dançar, estar com os seus, falar das impossibilidades da vida, da descriminação que sofre e, naquele momento está feliz de estar com os seus, é um ato político.  Um ato de resistência”, ressalta Valquíria.

Steyce Chaves traz muitas lembranças de sofrimento  
Steyce Chaves traz muitas lembranças de sofrimento  

SOFRIMENTO

Assim como o famoso baile, quem resiste é Steyce Chaves, estudante de Ciências Sociais e militante, que traz muitas lembras de sofrimento.
 

“Quando eu era criança, várias amigas minha trocavam de roupa uma com a outra e eu pedi para uma colega de classe e ela disse que não me emprestaria pois não queria que a roupa ficasse com cheiro de macaca. Fiquei muito tempo sem entender e na época tinha um coordenador que era negro e ele me ajudou a entender o que era o racismo, o que era aquilo que eu estava sofrendo e dizendo que aquilo não poderia acontecer”, conta Steyce.

Hoje estuda pra ter um futuro diferente daquele que os antepassados dela tiveram.

A jovem negra da periferia também vai lutar pra que estas páginas com a história comprovada da escravidão nunca sejam apagadas.

 

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