Vamos fazer juntos um exercício de imaginação. Se você em algum momento quiser se tornar uma médica ou um psicólogo, uma engenheira ou um advogado, o primeiro passo que dará na jornada da construção dessa função social é um processo educativo. Para exercer qualquer um desses papéis profissionais, pressupomos que existe um conjunto de saberes dos quais precisamos nos apropriar de modo a fundamentar nossas escolhas e ações frente às demandas que irão fazer parte de nosso cotidiano na nova profissão.
Uma sensação parecida frequentemente aparece em quem se vê diante do desafio da paternidade/maternidade. Ao descobrir que serão pais e mães, as pessoas geralmente se perguntam “estou preparado pra isso?”, “o que é que eu preciso aprender para cuidar de um recém-nascido?” ou “o que é o puerpério? Quais são as primeiras vacinas? Como lidar com o choro?” e por aí vai. Exemplos não faltam quando pensamos em situações em que nos preparamos para qualquer tipo de papel profissional, social ou familiar. O primeiro passo é sempre o mesmo: buscarmos informações confiáveis que possam ser convertidas em conhecimento sobre o assunto.
Após este exercício simples, façamos outro muito importante. Ao olharmos para a sociedade na qual fazemos parte e a maneira como se organiza politicamente, uma das primeiras informações que sempre aparecem é a de que vivemos em uma democracia. Especificamente no Brasil, isso significa que a cada dois anos somos convocados às urnas para escolher representantes políticos de diferentes poderes em cada um dos níveis federativos. Isto também significa que parte de nossos recursos são administrados pelo Estado, que propõe, negocia e executa orçamentos públicos a partir de nossa contribuição. Também tem como consequência a existência de instrumentos de participação como audiências públicas, conselhos, tribuna popular, orçamento participativo etc., os quais permitem nosso diálogo com os representantes e a Administração Pública no que diz respeito aos temas e problemas coletivos que enfrentamos como sociedade. Ou seja, viver em uma democracia também implica em exercer um papel social: o de cidadão.
Apesar de enxergarmos como natural a preparação e processos de aprendizagem para exercer determinados papéis sociais de variados tipos, não consideramos a necessidade de nos preparar para o papel de cidadão. Como consequência, a educação política voltada ao desenvolvimento da cidadania é muitas vezes deixada de lado. Pior: está ausente, na ampla maioria dos casos, tanto dentro quanto fora da escola. Dessa maneira é muito comum não compreendemos o funcionamento do nosso sistema político, a começar pelo sistema eleitoral sob o qual escolhemos os representantes políticos que nos governam, as funções dos Poderes da República, os limites legais das autoridades eletivas, a organização básica políticas públicas e por aí vai. Tal cenário quase sempre nos desestimula a acompanhar as notícias, gerando em nós a sensação de que nada funciona e a política é um mundo estranho em que só ocorrem acordos ilícitos e corrupção. Sabemos que há problemas em nossa democracia, é claro, mas a compreensão dos princípios, estruturas e valores que sustentam essa mesma democracia pode servir como uma ferramenta a ser manuseada pelos próprios cidadãos enquanto construtores e influenciadores das comunidades políticas às quais estão submetidos, contribuindo para agir em relação aos problemas que enxergamos.
Esse conjunto de saberes políticos nos permite, além da possibilidade de influenciar positivamente a política, compreender a complexidade da democracia e desviar de soluções simplistas, como a fantasia ingênua de que algum ator político possa sozinho resolver todas as demandas da sociedade com ações autoritárias. A resposta para nossos problemas não é única e também não está em algum tipo de salvador milagroso. Caminhar para uma sociedade justa e menos desigual compreende o envolvimento de diversos atores, grupos e cidadãos que possam desenvolver a capacidade de diálogo e defesa dos seus interesses de modo agregativo, não destrutivo como infelizmente temos acompanhado no dia a dia.
Para que nosso chamado à necessidade da Educação Política não fique apenas neste texto solitário, fazemos um convite. A partir de hoje esta coluna inicia o projeto Pílulas de Educação Política, feito em parceria com alunos da graduação em Ciências Sociais da UNESP Araraquara. Serão publicados textos sobre os diversos aspectos do funcionamento e estrutura de nossa democracia, sem trazer respostas prontas ou posicionamentos engessados. Queremos provocar dúvidas ao mesmo tempo em que conhecemos mais nosso sistema político, assumindo nosso papel de cidadão. Vamos?
*Bruno Silva é Doutorando em Ciência Política (UNICAMP), Mestre e Graduado em Ciências Sociais (UNESP/Araraquara). Pesquisador do Laboratório de Política e Governo (UNESP). Apresentador da rádio CBN/Araraquara, colunista e comentarista do portal A CidadeOn. Palestrante e coordenador de projetos de Educação Política e protagonismo cidadão junto a empresas.
**Danilo Basile é Doutorando e Mestre em Educação Escolar e Licenciado em Ciências Sociais (UNESP). Trabalha com projetos de Educação Política.