As engrenagens de ferro projetadas em 1955 marcam o tempo, como se os anos não tivessem passado. Quase sete décadas de história preservadas, resistindo ao avanço da tecnologia e à modernidade dos dias atuais.
Do alto de uma torre de 45 metros de altura, o relógio de quatro faces do shopping Lupo, no Centro de Araraquara, um dos símbolos da cidade, ainda marca as horas como outrora.
“Tem relógio de igrejas que nem funciona mais. Agora, este aqui sempre funcionou”, lembrou a aposentada Rose Vital.
O cuidado para mantê-lo como sempre foi é diário, uma atribuição que o mantenedor, Sérgio Luiz da Silva de Souza, de 34 anos, desempenha há sete anos. “Para mim, é gratificante, é como cuidar de uma criança. Todo dia, a primeira coisa ao chegar é arrumar o relógio, porque muitas pessoas na cidade se orientam por ele“, disse.
Diariamente, Sérgio sobe oito andares de elevador e mais quatro de escadas até o patamar em que fica o relógio. Lá, ele ajusta os minutos que atrasam ou adiatam, coloca óleo, graxa e faz outras manutenções necessárias.
“A gente solta os parafusos daquela engrenagem e gira os quatro lados dele de uma vez só. É tudo manual. A gente tenta mantê-lo 100% original e fazer a manutenção para não acontecer acidentes graves com ele”, contou.
O mantenedor explicou que quando está calor, como nos dias atuais, o relógio costuma atrasar de dois a três minutos. Já no frio, adianta na mesma velocidade.
Para permanecer funcionando, um pêndulo desce e dá corda no relógio a cada 45 minutos.
Outra engrenagem com 30 pinos conta o tempo a cada dois segundos. Certa vez, uma manutenção nesta peça paralisou o relógio por 10 dias, e reclamação de seus admiradores foi inevitável.
“A tecnologia, hoje, é para os mais jovens e quem cobra mais a gente são as pessoas mais velhas. Elas vêem e mandam mensagem para falar que o relógio está atrasado”, contou.
Na opinião do motorista de ambulância, Fernando Rodrigo, é raro encontrar alguém nos dias de hoje que tenha o mesmo cuidado. “É interessante ter antiguidade nos dias de hoje, é difícil ver, chama atenção“, comentou.
Sérgio começou como terceirizado na fábrica Lupo, foi contratado pela empresa e aproveitou todas as oportunidades até assumir a responsabilidade pelo relógio. Hoje, toda a manutenção do shopping passa por ele.
Para ele, o maior desafio de seu trabalho é a reposição de peças, que são produzidas sob medida. “Então, a parte mais crítica é quando quebra. Agora, diariamente, a gente tenta não mexer muito, apenas manter o óleo e a graxa para não ter desgaste de peças. A gente sempre optou por mantê-lo original. [Se fosse automatizado] não ia ter o mesmo prazer de mexer, melar a mão de gracha, não ia ser gratificante“, opinou.
O mantenedor disse se sentir grato pelo trabalho que desenvolve, mesmo que muitas pessoas desconheçam. “Para mim, é gratificante. Às vezes de final de semana, quando eu preciso acertar a hora, eu trago meu filho e ele olha, acha legal e fala: será que um dia eu vou poder fazer também?. Graças a Deus, eu fui premiado com este trabalho aqui. Não é fácil, todo dia tem um desafio, mas eu adoro trabalhar aqui. Eu quero que continua porque isto aqui é uma obra raríssima e a gente tenta zelar“, concluiu.