A pesquisadora Larissa Alves de Mello Modesto lamentou a falta de interesse pela tecnologia desenvolvida no Instituto de Química da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Araraquara, capaz de detectar a presença de metanol em bebidas alcoólicas em apenas 15 minutos. (Veja abaixo como o teste funciona na prática)
O assunto voltou a ser discutido após os casos recentes de intoxicação. De acordo com a secretaria de Estado da Saúde, até a última segunda-feira (6), 15 casos foram confirmados no estado, incluindo duas mortes. Outras 164 notificações e seis óbitos estão sendo investigados.
“Fico com o sentimento de que todas essas mortes poderiam ter sido evitadas. Houve empresas interessadas a priori, mas nenhuma quis, de fato, fazer o licenciamento da patente e transformar o método em um produto […] As empresas não quiseram seguir o caminho, ficou só na negociação prévia mesmo, nenhuma deu andamento. Precisou acontecer essa catástrofe em nível nacional, um monte de gente morrer, um monte de gente se intoxicar, para o mercado finalmente querer olhar para isso”, lamentou a pesquisadora.
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Larissa começou a desenvolver a pesquisa como tese de mestrado em 2018, com foco nos combustíveis adulterados com metanol, a partir de uma demanda apresentada pela ANP (Agência Nacional do Petróleo) ao CEMPEQC (Centro de Monitoramento e Pesquisa da Qualidade de Combustíveis, Biocombustíveis, Petróleo e Derivados) da Unesp Araraquara. Por conta da pandemia de covid-19, o trabalho só foi apresentado em 2022.
“O objetivo ao começar essa pesquisa foi desenvolver um método capaz de determinar se o etanol combustível estava contaminado com metanol e, em caso afirmativo, se essa contaminação estava acima ou abaixo do limite permitido de 0,5%, segundo a ANP. O limite de metanol em etanol combustível ou gasolina é de até 0,5%, mas a adição de metanol é proibida. Esse 0,5% é um limite que existe porque, durante o processo fermentativo da cana, pode ocorrer uma degradação da pectina e a formação de uma pequena quantidade de metanol, mas qualquer adição é proibida”, afirmou a pesquisadora.
De acordo com ela, ao longo dos testes, um de seus orientadores sugeriu aplicar o método também em bebidas alcoólicas. “Comecei a testar nas bebidas e vi que ele funciona para bebidas destiladas, desde que não contenham açúcar, porque o açúcar interfere na cor formada na reação. Então, ele funciona para uísque, vodca e cachaça não adoçada”, lembrou.

O método desenvolvido resultou em um kit capaz de detectar a adulteração por metanol de maneira simples, barata e em apenas 15 minutos, no caso das bebidas e do etanol, e em 25 minutos no caso da gasolina. Enquanto análises laboratoriais tradicionais, como a cromatografia gasosa, custam cerca de R$ 500 por amostra, o método da Unesp teria um preço final de venda estimado em R$ 10.
“Atualmente, temos um método pré-validado, e seria necessário que alguma empresa fizesse o licenciamento dessa patente perante a Unesp, que é sócia majoritária, e o transformasse em produto, em um kit rápido que pudesse ser aplicado tanto na fiscalização por parte dos órgãos competentes quanto por donos de bares e adegas”, explicou.
Segundo a pesquisadora, o método seguiu a norma RDC 166 da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que estabelece critérios para a validação do uso, sendo capaz de indicar se o teor está acima ou abaixo do limite permitido. “Como o limite permitido de metanol em bebidas é muito baixo — somente 20 miligramas a cada 100 ml — podemos assumir que qualquer coloração roxa que se observe ao aplicar esse teste indica que a bebida está contaminada com metanol e é imprópria para o consumo“, afirmou.
A substância tem sido utilizada criminosamente para aumentar o volume de bebidas e combustíveis. O composto, no entanto, é altamente tóxico, podendo causar cegueira e morte. Para o Ministério da Justiça e Segurança Pública, as ocorrências recentes estão relacionadas ao consumo de bebidas alcoólicas adulteradas. A Polícia Federal foi acionada, devido à suspeita de envolvimento de uma organização criminosa, e investiga.
“Se esse método se transformar em um kit rápido de análise, poderá ser operado tanto por órgãos fiscalizadores durante ações de fiscalização — já que agora o governo terá de criar um programa de fiscalização de bares, adegas e afins — quanto por donos de eventos, resorts, adegas e bares. Se a pessoa for minimamente treinada para operar esse kit e seguir as instruções, conseguirá utilizá-lo para saber se deve ou não aceitar determinado carregamento de bebida, podendo oferecer o melhor produto para seus clientes, pois o dono do bar é responsável pelo que serve”, concluiu a pesquisadora.

COMO O TESTE FUNCIONA
O processo ocorre em duas etapas simples. Primeiro, é adiciona sal a uma amostra. Se houver metanol, ele é convertido em outra substância (formol). Em seguida, a adição de um ácido provoca uma mudança de cor na solução, indicando a presença e a concentração do contaminante. As cores podem variar conforme o nível de adulteração:
- Verde: Sem contaminação significativa;
- Tom verde amarronzado: Presença de 0,1% a 0,4%;
- Marrom: Presença de 0,5% a 0,9%;
- Roxo: Presença de 1% a 20%;
- Azul marinho: Presença de 50% a 100%.

