ARARAQUARA 205 ANOS – Ao longo desta semana, o acidade on irá publicar uma série de reportagens, que destacam pontos históricos de Araraquara e celebram seu aniversário.
Rua Voluntários da Pátria. Para muitos, Rua 5, em outros tempos, Rua Alegre. Assim se chamava essa importante via da cidade, até o ano de 1914, quando foi rebatizada em homenagem a 30 jovens enviados, pela então Vila de Araraquara, para a guerra do Paraguai, iniciada em 1864.
De lá pra cá muita coisa mudou. A rua se estendeu, prédios foram erguidos e o comércio se fortaleceu; lojas, restaurantes, clínicas, museus, escolas e universidades passaram a fazer parte do cenário; contudo, em um privilegiado trecho de aproximadamente um quilômetro, um verdadeiro cartão postal resiste ao tempo e alegra quem passa por lá.
São dez quarteirões, entre as avenidas Djalma Dutra e José Bonifácio. Conhecido como Boulevard dos Oitis, o túnel verde que corta o centro da cidade reúne histórias e encanta gerações.
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Preservadas pelo patrimônio histórico do município, as árvores começaram a ser plantadas pouco antes da rua mudar de nome, em 1911, pelo prefeito Major Dario Alves de Carvalho, que mandou vir do Rio de Janeiro, 400 mudas.
Segundo a historiadora e secretária de cultura de Araraquara, Teresa Telarolli, o plantio dos oitis fazia parte de uma política de embelezamento que surgiu no inicio do século XX com o objetivo de minimizar dois grandes traumas sofridos pela cidade: uma grave epidemia de febre amarela – que teve seu último grande surto registrado entre 1896 e 1897 – e o conhecido episódio do linchamento dos Britos, que até hoje lembrado na cidade
“Essa foi uma frente, vamos dizer, sanitária. Na época não sabiam qual era o vetor da Febre Amarela. Eles achavam que era pelo ar e, então, eles passaram a acreditar que se purificassem o ar, eles diminuiriam os impactos da transmissão. Alguns anos antes eles plantaram eucaliptos na região da Santa Cruz e depois plantaram os oitis. Metade das mudas trazidas do Rio de Janeiro foram plantadas na Rua 5 e a outra metade na Rua 3 [Rua São Bento]. E no mesmo ano de 1897, tivemos o linchamento dos Britos, um episódio que maculou e traumatizou a cidade por décadas”, ressalta.
Diferente do que aconteceu com os oitis plantados na Rua São Bento, que não resistiram ao avanço do espaço urbano, os da rua cinco seguem preservados até os dias de hoje.
O gerente de arborização urbana de Araraquara, Fernando de João Braga, explica que a poda daquelas árvores não acontece na copa, o que permite a manutenção do corredor verde.
“A gente não faz a poda no topo, a gente não abaixa a copa, só limpa embaixo para ficar mais claro. A parte de cima é a parte que fecha o corredor. Ali nos oitis, especificamente, a gente faz a poda de limpeza. A gente tira os galhos debaixo e favorece o crescimento dele. O ar fica melhor, se você passar por ali você irá perceber que a temperatura é mais baixa do que no Centro. Além disso, a copa recoberta, uma tocando a outra, dá a impressão de um cinturão e isso favorece a migração de pássaros. Fora a beleza do local”, afirma.
Clima ameno e beleza que encantam quem passa por ali. É o caso do autônomo Arnaldo D’avoglio que, passeando com seu cachorro – o Ernesto – pela praça da independência, definiu bem o que o espaço representa.
“É uma das ruas mais bonitas da cidade, a temperatura dela é sempre menor que a de outros pontos da cidade e é um ponto turístico. As pessoas tiram foto por aqui, fazem foto de casamento”, conta.
Mas a natureza do espaço atrai não só aqueles que buscam por uma foto, ou mesmo por uma caminhada protegida do sol.
A corretora de imóveis Ana Flora Pereira Barreto é natural de São Paulo e veio para Araraquara há seis anos e há três escolheu a Rua cinco para viver e fala sobre a experiência.
“Eu moro no quinto andar, bem no topo das árvores. Para mim é um privilégio incrível poder ver esse verde de perto, já que não posso morar no meio do mato. Esse verde é demais, os passarinhos cantando. Eu não me canso de olhar e é por isso que escolhi morar aqui”, afirma.
A poucos metros do apartamento da Ana, é possível conhecer histórias de quem veio de ainda mais longe e, de alguma forma, acabou se instalando no Boulevard.
Há 19 anos, o argentino Horácio de La Rosa escolheu a morada do sol para viver. Artista plástico, ele e o sócio, José Gambelli, são proprietários de um ateliê instalado há 13 anos sob as árvores, entre as avenidas Espanha e Feijó; para ele, as características do local favorecem o surgimento de novos clientes e o desenvolvimento do negócio.
“Primeiro a rua é maravilhosa. É uma rua muito bonita e também pela casa, que é mais antiga e nós preservamos a arquitetura da casa, que é muito bonita, e isso eu acho que faz a diferença. É a rua que muita gente caminha, muito estrangeiro passar por aqui e constantemente entra gente nova. Nós temos um número considerável de clientes e o tempo inteiro vem entrando gente nova”, ressalta.
Horácio resume a sensação de estar todos os dias trabalhando no local.
“É delicioso. No verão, é muito fresco, o ateliê é ventilado. É delicioso estar aqui”, diz.
E se a idéia é aproveitar a sombra das árvores para fugir do calor, nada melhor do que incluir um bom sorvete no roteiro. É com essa combinação perfeita, que a família do Lucas Kenzo Dakuzaku contribui há muitos anos.
Lucas conta que os negócios começaram quando o avô dele, Saburo Sinabucro, veio com o pai, imigrante japonês, do campo para a cidade e, em 1947, comprou o ponto, na esquina da rua cinco com a Avenida XV de novembro, instalando ali um bar e sorveteria. Anos depois, em 1987, o sucesso do sorvete fez com que a família se dedicasse exclusivamente ao produto, marcando gerações de araraquarenses.
“O Boulevard dos Oitis chama bastante atenção, pois é um túnel verde, você sente aquele frescor e ainda tem a praça bem em frente a sorveteria, então é um ponto onde as pessoas vêm, senta, toma um sorvete, conversa e relaxa. E como a sorveteria já está há mais de 70 anos aqui, minha mãe, minhas tias e meus tios sempre ouvem relatos de pessoas que vem aqui desde criança. Que o pai trazia, que o avô trazia. E que agora está trazendo os filhos e até os netos. Então, a gente vê que, assim como a Rua 5, a sorveteria também faz parte da história de Araraquara“.
Em 2022 a morada do sol completa 205 anos e as árvores da rua cinco, 111. Mais de um século reunindo histórias de todos os lugares e alegrando aqueles que por ali vivem, trabalham, ou mesmo param por alguns instantes para contemplar o Boulevard dos Oitis. Para que esta e outras belezas não se percam com os anos, a Ana flora, que a gente conheceu no inicio da história, deixa seu recado.
“Eu queria parabenizar Araraquara pelo aniversário e que as pessoas olhassem para a cidade e preservassem o verde não apenas aqui na Rua 5, mas em toda a cidade. Faz bem para a gente, para a nossa saúde, para o verde e para os animais que estão por ai”, ressalta.
As histórias e curiosidades da Rua 5 não se resumem a beleza dos oitis; afinal, quem nunca ouviu falar nas pegadas de dinossauro que existem no calçamento da via ? Mas essa história quem vai contar é a Hannah Gomes, na sequência da nossa série de reportagens especiais.