ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO
Enquanto o sossego e o descanso dominam as casas de Araraquara na madrugada de sábado, a produtora e feirante Luciane Mendes Boiago, de 57 anos, levanta cedo para a labuta, em uma rotina que dura 12 anos.
Após carregar a caminhonete, Luciane sai de casa, no assentamento Monte Alegre, às 3h15. Seu destino é a Praça Pedro de Toledo, onde todos os sábados participa de uma feira de produtores rurais locais. O evento é um dos principais da cidade e serve de sustento a agricultores de Araraquara e região. Ainda está escuro quando Luciane inicia a montagem da barraca. São 4h30 da madrugada.
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“[Para a] Hora que a turma chegar já estar pronto. Os clientes vêm cedo, tem uma turma que passa daqui para comprar entre 5h e 5h10, são os da madrugada. Já vieram aqui algumas senhorinhas e compraram aquele monte e nem deu para levar no carro”, comenta.
Antes de ser produtora e feirante, Luciane era servidora da Prefeitura de Motuca. Em determinado momento se apaixonou pela vida no assentamento. Ela e o marido venderam tudo e deixaram a vida urbana para encarar a vida no campo, há 20 anos.
A vida no campo é prazerosa, mas o trabalho é pesado. Faça chuva ou sol, Luciane estará na feira, com um sorriso no rosto e um “bom dia” na ponta da língua.
“Você tem que trabalhar com o coração, agradecer e falar ‘bom dia’ para o freguês. Nós dependemos deles. Então é uma coisa gratificante demais a feira”.
Há quem adore essa simpatia. A aposentada Maria do Carmo Dias Mazzeo, de 74 anos, é uma cliente assídua da banca da Luciane e da feira da Pedro de Toledo. Todos os sábados ela e o marido são um dos primeiros clientes a chegar, antes mesmo do sol nascer.
“A gente sempre compra uma coisinha em todas (as barracas), quase. (…) Eu posso ir no mercado, mas eu não compro verdura, não, de jeito nenhum! Eu venho de sábado aqui, e compro tudo, e dura para a semana inteira”, completou.
‘VELHO DE GUERRA‘
Na banca de bananas da feira, próxima a uma das esquinas da Praça, em uma cadeira está José Antonio da Silva. Todos os sábados o produtor rural vai até o local dar “apoio moral” à esposa e ao filho que fazem o atendimento aos clientes. Aos 84 anos, ele conta com algumas limitações por causa da idade.
“Hoje é ele que faz tudo, ele e minha senhora. Venho para incentivar”, disse.
Aos sábados, Seu José acorda as 2h30 para ajudar a carregar a caminhonete. Depois viaja 20 km até chegar à cidade.
Antes de se tornar produtor rural, há quase três décadas ele fazia as entregas de laranja dos pomares do pai à Cutrale. Eram 65 alqueires e 35 mil pés de laranja no total.
“Ia muito bem naquele tempo, depois foi decaindo, veio uma seca muito forte e acabou com os pomares, consequências da agricultura”, rememora.
Com a morte do pai e a venda das terras, ele decidiu produzir em um sistema de agricultura familiar e veio ser feirante na Toledo. “Adoro, olha quantos amigos que tenho na feira”.
AS LEMBRANÇAS DAS FEIRAS (E DO PASTELZINHO)
Pouco mais à frente, flores e mudas colorem a praça, que já está clara. Montando as ferragens da banca está Luiz Henrique Moraes Leite Filho, 33 anos. O cenário das feiras de Araraquara já é algo muito familiar para ele, uma memória de infância.
Quando pequeno, enquanto sua mãe – hoje com 69 anos – vendia as mudas produzidas pela família, ele gostava mesmo era de comer o aperitivo universal da gastronomia das feiras: o pastelzinho.
“[Eu] Ia na feira na verdade só comer pastel, né?”, brinca o feirante.
Contudo, não é só o sabor do pastel que faz Leite revisitar memórias. A correria, os carrinhos e a alegria dos comerciantes, tudo gera uma sensação de nostalgia.
“Antigamente era mais alegre também, né? Mais movimentado. Já aconteceu muito no Carmo, São José, perto do Terminal Rodoviário. Diminuíram bastante do que já foi (as feiras). Com o crescimento de mercados e quitandas, o pessoal acabou dividindo”, disse o feirante.
Hoje a mãe deixou as vendas para ficar só na produção das flores e plantas, que são sucesso entre a clientela. O bastão foi passado para Luiz, filho único, que o carrega com “amor e responsabilidade”.
“A gente faz o trabalho quando sabe que tem pessoas que dão valor a ele. E é uma coisa também que dá prazer, pelo amor e carinho, pelo feedback positivo do nosso esforço” concluiu.
UMA DOCE PARADA
Como qualquer clássico cenário de feira, a Toledo também tem caldo de cana para adoçar a manhã daqueles que acordam cedo para frequentar a praça.
A feirante Maria Lídia Bravo garante que a garapa dali é diferente, “especial”. Foi o sabor não tão adocicado que fez com que ela se apaixonasse pelo marido, Felipe Henri de Oliveira, dono e guardião de uma receita de família.
“É o melhor caldo de cana, eu não gostava antes, porque sentia o gosto de ferrugem na boca. Mas aí ele me explicou que tem a cana certa”, disse a mulher. Depois da garapa, os dois estão juntos há 2 anos.
Em dias de calor intenso, comuns na Morada do Sol, o caldo de cana do casal é sucesso entre os fregueses. Eles arrecadam em média, somente na feira da Toledo, cerca de R$ 1,4 mil.
“O pessoal de Araraquara gosta de um caldo de cana né? O que mais sai aqui é o [com] limão”, conta Oliveira, que começou a trabalhar no ramo com apenas 10 anos de idade.
Questionado sobre o segredo da receita de família, ele responde. “O segredo? O talento é o amor pela a profissão, amo, a profissão e a cana certa né. São os detalhes para ter um caldo de cana de ponta aí, né? “, concluiu o garapeiro.