No domingo (6), após indicar a nomeação de Renato Gaúcho como treinador da seleção brasileira “paralela”, com a intenção de afagar o presidente da República Jair Bolsonaro, incomodado com a insurreição passiva de Tite e seus comandados contra a Copa América no Brasil, Rogério Caboclo foi afastado por um mês da presidência da CBF.
A decisão foi tomada pelo Conselho de Ética da entidade, que sempre conviveu omissa com Ricardo Teixeira, José Maria Marin, Marco Polo Del Nero e Coronel Nunes. Este último, que confunde os Estados Unidos com o Marrocos, será reconduzido para o posto máximo da CBF, cargo que já ocupou no interregno da prisão de Marin, em 2015, e da eleição de Caboclo, em 2019.
Infelizmente, a denúncia de assédio moral e sexual, feita por uma funcionária da CBF, foi apenas a justificativa instrumentalizada para afastar Caboclo do cargo. Toda a diretoria da confederação já sabia que a funcionária havia sido vítima de violência e, até o momento, não tinham reagido sobre o caso. O episódio se transformou em motivo por que o agora ex-presidente havia perdido força política entre seus pares.
Nesse sentido, para aqueles que suplicam pela despolitização do esporte, eu sinto muito. O futebol, como qualquer outra modalidade esportiva, é político. Não só considerando que todas as relações sociais são, necessariamente, políticas, mas também porque no mundo da bola existe uma complexa disputa de poder que gera consequências diretas naquilo que acontece dentro das quatro linhas.
Rogério Caboclo estava fragilizado desde o mês passado, quando se tornou público que Del Nero ainda desmandava na entidade. Como reação, tentou patrocinar a Copa América no Brasil, formando uma aliança com a Conmebol e o governo federal. Com a competição acontecendo em território nacional, a Conmebol arrumaria um inquilino para seu torneio e o presidente Bolsonaro, que quer você saia de casa e pegue covid-19, teria mais um evento para tentar dar ar de normalidade para um país que matou meio milhão de pessoas durante a pandemia. Era um jogo de ganha-ganha: ganhava Caboclo, ganhava a Conmebol, ganhava Bolsonaro e ganhava o vírus.
A ingenuidade de Caboclo foi imaginar que a Conmebol e Bolsonaro realmente precisariam dele para que acontecesse Copa América. Inclusive, ingênuos também fomos nós, que imaginávamos que viria qualquer posicionamento mais forte do que uma nota de repúdio por parte da comissão técnica e dos jogadores, ao sinalizarem ser contra a realização do campeonato em solo brasileiro.
A insatisfação se deu porque quem treina e quem joga percebeu que estava sendo usado escudo político por um presidente já enfraquecido e que, em sua artimanha, esqueceu de combinar com os russos. Caboclo queria proteger seu cargo, mas não conversou com quem entra em campo sobre a competição ser sediada no Brasil, que soube do fato pela imprensa. Para contra-atacar a pressão que sofria, ofereceu ao presidente da República a cabeça de Tite, que provocou comoção popular ao insinuar que seria contra o torneio em nosso país, em troca de um bote salva-vidas. O Conselho de Ética foi mais rápido e abandonou Caboclo em alto mar.
Para os outros dirigentes da CBF, indicar a saída de Tite, o que promoveria uma desorganização no futebol da seleção brasileira, foi a gota dágua nos movimentos de Caboclo para tentar salvar a própria pele, que trouxe consigo uma denúncia de assédio sexual e moral e a centralidade do futebol brasileiro durante as oitivas da CPI da covid-19.
Agora, com Caboclo afastado, tudo volta para o seu devido lugar: ganha a CBF, ganha a Conmebol, ganha Bolsonaro e ganha o vírus.
Quem perde, obviamente, somos nós, como sociedade. O que também está em seu respectivo lugar. Derrotar a pandemia nunca foi prioridade.