Escrever sobre Neymar significa provocar o amor e o ódio de muita gente.
Eu não simpatizo com a sua figura pública, mas vejo Neymar como o terceiro melhor jogador produzido pelo Brasil após a geração de 1970, visto de cima por Ronaldo e Zico. Tecnicamente, é mais completo do que Romário; como artista, é menos genial do que Ronaldinho Gaúcho, contudo — e por enquanto –, o seu auge em alto nível foi mais duradouro. Também considero que Neymar foi o melhor jogador do planeta entre a sua última temporada de Barcelona e a primeira temporada no Paris Saint-Germain. Naquele período, ele foi a essência mais pura de gols, assistências e magia.
Além disso, reconheço sua representatividade e o potencial simbólico que existe em um jovem negro, de moicano e cabelo descolorido, juliet no rosto e que ouve Claudinho & Bochecha em um caixa de som antes de disputar uma final europeia.
Entretanto, desde sua primeira lesão na França, existem indícios que apontam para uma oscilação em seu desempenho.
Se elegermos como parâmetro a média de gols daquele que foi campeão e artilheiro da Ligas dos Campeões na temporada 2014/2015, nota-se uma queda gradativa: em 2017/2018, 0,93 gol por jogo (28 gols ao todo); em 2018/2019, 0,82 gol por jogo (23 gols ao todo); 2019/2020, 0,70 gol por jogo (19 gols ao todo); em 2020/2021, 0,54 gol por jogo (17 gols ao todo) — inclusive, se desconsiderarmos os gols de pênaltis, sua média cai para 0,32 gol por jogo (10 gols ao todo).
Sua média de assistências também caiu progressivamente: em 2017/2018, 0,53 assistência por jogo (16 assistências ao todo); em 2018/2019, 0,53 assistência por jogo (13 assistências ao todo); em 2019/2020, 0,44 assistência por jogo (12 assistências ao todo); em 2020/2021, 0,35 assistência por jogo (11 assistências ao todo). Consecutivamente, sua média de participações em gol por jogo também passou por um declínio constante: em 2017/2018, 1,46 participações em gol por jogo; em 2018/2019, 1,28 participações em gol por jogo; em 2019/2020, 1,14 participações em gol por jogo; em 2020/2021, 0,9 participação em gol por jogo sem os gols de pênaltis, a média é 0,67 participação em gol por jogo.
Em comparação com o que foram suas últimas três temporadas de Barcelona — do título europeu em diante –, suas médias foram: em 2014/2015, 0,76 gol por jogo (39 gols ao todo), 0,19 assistência por jogo (10 assistências ao todo), com 0,96 participação em gol por jogo; em 2015/2016, 0,63 gol por jogo (31 ao gols ao todo), 0,51 assistência por jogo (25 assistências ao todo), com 1,14 participações em gol por jogo; em 2016/2017, 0,44 gol por jogo (20 gols ao todo), 0,57 assistência por jogo (26 assistências ao todo), com 1,02 participações em gol por jogo.
Portanto, atuando pelo Paris Saint-Germain, as marcas atingidas por Neymar foram iguais ou maiores em relação aos seus anos de Barcelona, o que demonstra, através de indicadores objetivos, que ele jogou tanto ou mais do que em seu período na Catalunha. Por outro lado, esses mesmos indicadores apontam para uma queda contínua em seus números. Nesse sentido, é preciso ponderar as lesões em sequência sofridas pelo jogador.
Nas últimas quatro temporadas, Cristiano Ronaldo fez 177 jogos ao todo, com 44,25 partidas em média por temporada, enquanto Messi atuou 195 vezes e com uma média de 48,75 jogos. Já Neymar, em quatro temporadas, fez 116 jogos ao todo, com uma média de 29 jogos por temporada. Em números absolutos, o português e o argentino atuaram, respectivamente, 61 e 79 partidas a mais do que o brasileiro. A diferença é abissal.
Por isso, a declaração de Neymar para a DAZN, em que ele menciona não saber até quando terá “cabeça para o futebol”, projetando uma possível ausência no mundial de 2026, aponta para um sintoma relevante, mais importante do que sua presença em uma eventual Copa do Mundo.
Tanto em âmbito físico, como também do ponto de vista emocional, as modalidades esportivas de alto rendimento não significam cuidados com a saúde. Há um rígido regime disciplinar que o corpo de um profissional da alta performance precisa estar submetido, para tentar ultrapassar artificialmente os limites estabelecidos pela própria condição humana, operando sempre segundo o princípio da maximização da performance. Assim, não há similaridade com o que compreendíamos por esporte há 50 anos atrás — quando também havia talento — e o que vemos atualmente. Além disso, os atletas, enquanto sujeitos maximizadores de rendimento, são avaliados unicamente pela métrica da performance, destituídos de sua humanidade e demandados por uma plateia insaciável por espetáculo e entretenimento, que os converte em meros objetos de satisfação de vontades e idealizações.
Nesse cenário, Neymar foi contratado pelo PSG para ser campeão da Liga dos Campeões, vencer a Bola de Ouro e cumprir sua profecia ao disputar o trono do futebol mundial com Messi e Cristiano Ronaldo. Contudo, absolutamente atrapalhado pelas lesões, o camisa 10 da seleção brasileira não alcançou nenhum desses objetivos, embaralhou-se em confusões desnecessárias ao longo dos últimos anos e, hoje, parece conformado com o que fez em sua carreira (o que, definitivamente, não é pouco) e indica reconsiderar se está disposto a fazer os sacrifícios necessários (e que são muitos) para prolongar sua presença no mundo da alta performance. Compreensível do ponto de vista humano, mas que, na crueldade implacável do alto nível esportivo, cobrará um preço.
Com isso, o que sinaliza para uma oscilação em início de temporada, pode representar, na realidade, o início do declínio do principal talento brasileiro dos últimos dez anos.
Definitivamente, esse processo não é irreversível. Agora, resta saber se Neymar conseguirá reencontrar a alegria e a ambição quando estiver com uma bola no pé. Só isso impedirá que 2026 chegue antes.