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O processo de desumanização dos profissionais do futebol

A relação tóxica das torcidas com os profissionais do futebol, como se fossem propriedade das pessoas que se identificam com o clube

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O treinador Fernando Diniz e o lateral-direito Juanfran, profissionais que trabalham no São Paulo. (Foto: Divulgação/São Paulo)

A partir de agora, qualquer análise que se faça sobre o time do São Paulo deverá levar em consideração a ação terrorista que o grupo de jogadores e a comissão técnica do clube foi vítima no último sábado (23), antes da partida contra o Coritiba, em que sujeitos que se reivindicam são paulinos apedrejaram o ônibus que levava os protagonistas do espetáculo até o Morumbi e chegaram ao ponto de plantar bombas no local em que fizeram a emboscada. 

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A primeira reação de todos em relação ao acontecido, é levá-lo para a esfera criminal, distinguindo quem são os verdadeiros torcedores daqueles que não passariam de vândalos e exigindo que os envolvidos na agressão sejam severamente punidos pela justiça o que, evidentemente, é o mínimo a ser feito. Entretanto, reduzir o episódio em sua dimensão penal é ignorar que a violência contra o time do São Paulo é sintoma do ambiente nocivo do futebol brasileiro, em que emboscadas em aeroportos, invasões de centros de treinamento por torcidas organizadas e ameaça à vida dos profissionais do futebol se tornaram parte da rotina do esporte.

O apedrejamento do ônibus do São Paulo, assim como a emboscada que o elenco do Corinthinas viveu em um aeroporto e a invasão de torcedores durante o treinamento do Figueirense, em que os atletas do clube foram agredidos fisicamente, revela a relação tóxica que as torcidas desenvolvem com os profissionais que trabalham nos clubes em que torcem, como se o vínculo de um atleta com a equipe fizesse dele propriedade das pessoas que se identificam com o clube. Com isso, estabelece-se uma relação que emula a servidão, como se a vida de pessoas pudesse ser colocada em risco porque, para um conjunto de torcedores, aqueles profissionais não estão trabalhando como deveriam.

Nesse sentido, os altos salários que os atletas recebem em clubes de primeira expressão no Brasil — que dizem muito mais sobre o funcionamento da indústria cultural do esporte –, tornam-se justificativa para as manifestações de violência, como se a agressão devesse ser suportada porque parte desses jogadores recebem centenas de milhares de reais todos os meses.

Com isso, a identificação do torcedor com o clube, que faz com que ele viva a frustração de uma derrota como se ele mesmo tivesse sido derrotado, abandona a fronteira que delimita a existência do outro e promove um processo de desumanização em que os jogadores se tornam obrigados a suportar toda a sorte de violência, já que o único motivo da existência destes está em satisfazer os desejos de torcedores sedentos por vitórias, que não suportam ter sua autoestima arranhada pelo fracasso. Uma visão pueril, inclusive, já que ignora a existência do outro que duela dentro de campo, como se uma suposta falta de vontade crônica fosse justificativa de todas as derrotas — querer não é poder.

Desse modo, todos aqueles que, seja nos veículos de imprensa, seja nas redes sociais, trabalham para transformar a frustração dos torcedores em ódio, ao motivar toda forma de violência simbólica com o objetivo de angariar mais audiência, são corresponsáveis pelo ambiente agressivo que domina o nosso futebol.

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A insatisfação e o protesto dos torcedores só serão justos quando a empatia em enxergar a humanidade do outro não for abandonada.

Por isso, da próxima vez que um clube passar pelo que viveu o São Paulo, eu espero que sua comissão técnica e seus jogadores desistam de entrar em campo. É preciso dar um basta na violência.

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