Previsto para ser entregue em até dois meses, o Residencial Mandela, em Campinas, motivou nos últimos dias reações distintas entre especialistas e os futuros moradores e fez até o prefeito, Dário Saadi (Republicanos), se pronunciar através das redes sociais. No centro de debate na internet, está o tamanho das moradias, erguidas com 15 m² em áreas de 90 m² (veja abaixo).
Para muitos internautas, os chamados “embriões” do empreendimento, que fica no DIC 5, no distrito do Ouro Verde, não seriam dignos por terem somente um banheiro e um cômodo. As críticas encontraram reforço nas opiniões de especialistas e de uma vereadora do município, que acreditam que as construções feririam recomendações da ONU (Organização das Nações Unidas).
“Tomaremos as medidas cabíveis para investigar a situação e, se necessário, acionaremos os órgãos competentes”, diz a vereadora Paolla Miguel (PT) em um texto no qual define as moradias como “sub-humanas”. Como termos semelhantes foram usados em dezenas de postagens, os futuros moradores e o prefeito reagiram em nota e em vídeo, respectivamente (leia mais a seguir).
O LOTEAMENTO
A Cohab (Companhia de Habitação Popular de Campinas) anunciou que investiu R$ 2,6 milhões no loteamento. O montante foi disponibilizado via Fundap (Fundo de Apoio à População de Sub-Habitação Urbana). Ao todo, são 116 construções de 15 m², com um cômodo e um banheiro, com áreas de aproximadamente 90 m², detalhou o órgão responsável pelo setor na cidade.
“A partir da assinatura do contrato do imóvel, as famílias terão até seis meses para iniciar o pagamento do financiamento. A mensalidade de menor valor equivale a 10% do salário-mínimo”, diz o Executivo. Como a Cohab estuda oferecer as plantas aos moradores, os proprietários poderiam aumentar o imóvel.
A Sanasa implantou as redes de água e esgoto e o local conta com ligações individualizadas. O investimento foi de R$ 1,1 milhão. Já a CPFL instalou cerca de 3 km de rede de energia elétrica, com investimento de R$ 422,3 mil.
Com um aporte de R$ 1,7 milhão, a pasta de Serviços Públicos foi responsável pela pavimentação e a drenagem. O loteamento recebeu 1,3 km de pavimentação asfáltica e 635 metros de extensão de galerias e 20 bocas de lobo. Já a iluminação será feita por 35 luminárias após investimento de R$ 35 mil.
MORADORES APROVARAM
A situação vai de encontro ao desejo dos moradores. Em entrevista ao acidade on Campinas em maio, a integrante da Ocupação Nelson Mandela desde 2016, quando 600 famílias ocuparam uma área privada de cerca de 300 mil m², Célia Maria dos Santos, também definiu o projeto como uma “vitória” do movimento.
“A parcela desses ‘embriões’ ficou junto com a do lote. Isso não ficou difícil pra nenhuma das famílias. Ficou um preço acessível. Toda a ‘Família Mandela’ foi contemplada com a solução. Temos que agradecer ao Poder Público e ao juiz responsável, porque vivíamos com o medo de passar por mais uma reintegração. E essa solução veio e vai ser feito o remanejamento das famílias”, comentou ela.
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O QUE DIZEM OS MORADORES
Após a repercussão e uma série de matérias e reportagens em sites e páginas, a coordenação da Ocupação Nelson Mandela divulgou um comunicado no qual explica que o chamado “embrião” é a primeira etapa da residência. “Não é a casa em si. É o que foi possível construir com um prazo de quatro meses que o juiz fixou. Vemos como uma vitória. A luta continuará”, justifica uma parte da nota.
“Estamos lutando para garantir financiamento via Fundap para a conclusão de nossas casas. É um filme e não uma fotografia. Sugiro acompanhar mais de perto e não somente agora. Pois parece que só agora alguém está preocupado com nossa dignidade e nossas condições de moradia”, reclama ainda o grupo.
Leia o restante do posicionamento enviado à imprensa pelos coordenadores:
“Não se viu a mesma indignação da imprensa quando os barracos das famílias pegavam fogo e crianças dormiam na rua, durante a primeira reintegração de posse da comunidade Nelson Mandela.
Ainda hoje, milhares de famílias estão vivendo em moradias precárias e em áreas de risco na cidade de Campinas, enquanto grandes áreas permanecem vazias no território urbano, sem cumprir a função social da propriedade e servindo à especulação imobiliária.
Quanto esses imóveis pagam de IPTU? Qual prejuízo a especulação imobiliária causa ao município e às famílias de baixa renda? Quantos imóveis estão desocupados no município de Campinas?
Garanto que a resposta a estas perguntas causaram maior indignação do que o tamanho das moradias provisórias da comunidade Nelson Mandela”.
O QUE DIZ O PREFEITO
Após receber críticas pelo projeto, o prefeito de Campinas, Dário Saadi, publicou um vídeo explicando a posição do município. Na gravação, alega que os moradores definiriam em assembleia que o financiamento dos embriões através do Fundap seria a melhor solução. “Nós estamos fazendo o que foi acordado com os moradores e com a Justiça”, argumenta o prefeito. Assista:
A OCUPAÇÃO
Surgida em um terreno particular no Jardim Capivari em julho de 2016, quando 600 famílias chegaram ao local, a Ocupação Nelson Mandela foi alvo de uma reintegração de posse cumprida pela PM (Polícia Militar) em março de 2017. Na ocasião, cerca de 2,4 mil pessoas foram retiradas. Semanas depois, porém, centenas de famílias retornaram e passaram a viver em uma área de 5 mil m².
Depois disso, o impasse continuou até que, em janeiro de 2019, foi assinado um acordo entre o movimento, a Prefeitura e o proprietário do local. O documento estendia a permanência das cerca de 100 famílias no terreno por mais um ano. Ao término desse período, no entanto, as tratativas seguiram e eram acompanhadas pela expectativa por novas ações judiciais de reintegração.
A situação causou, por exemplo, um protesto de representantes da ocupação em setembro de 2020, quando a iminência de uma nova remoção gerou reações contrárias do MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo) e da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Campinas. A Defensoria Pública e a Prefeitura também se manifestaram pela suspensão da reintegração de posse.
Nos últimos dois anos e meio, porém, a ocupação se manteve no local. Neste período, viu a promessa da Prefeitura de construir um residencial sair do papel.
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