Dois anos após o resgate de um menino de 11 anos, que foi encontrado acorrentado dentro de um barril no Jardim Itatiaia, em Campinas, um dos policiais militares que participou da ação relembrou o caso. O sargento Mike Jason, que recebeu o chamado e atendeu a ocorrência, relata que até hoje esse foi seu pior caso já atendido.
Em entrevista ao acidade on, o policial relatou que a cena ficou marcada na memória de toda a equipe. Nesta terça-feira (30) o resgate completou dois anos. Procurado pela reportagem, o Ministério Público confirmou que o menino, hoje com 13 anos, continua em um abrigo aguardando adoção.
“Foi o pior caso até hoje. Estava conversando com colegas que relembraram também e hoje a gente passou na frente da casa. É uma coisa que marcou muito todos. Toda vez que a gente passa por lá paramos a viatura, ficamos olhando, não tem como não lembrar”, relatou.
O menino foi encontrado pelos policiais enquanto era mantido nu, acorrentado no tambor de ferro exposto ao sol. O local era coberto por uma telha do tipo brasilit e uma pia de mármore impedia a saída do garoto. Após o resgate, a criança ficou internada com quadro grave de desnutrição. O pai, a madrasta e a filha da madrasta do menino continuam presos.
COMO FOI?
O Sargento conta que equipes tinham sofrido ataques da população do bairro uma semana antes do caso, e quando a denúncia chegou os agentes suspeitaram até que fosse uma “emboscada”.
“Eu não imaginava que veria algo como aquilo. Quando chegou a ocorrência determinei que a viatura fosse e aguardasse, porque uma semana antes teve uma ocorrência de um capturado que a população ‘veio para cima’, então eu pedi para esperarem a gente chegar”, relatou.
Segundo ele, vizinhos que viram o menino embaixo do tambor de ferro acionaram a corporação, mas nem os moradores imaginavam tanta crueldade. “Chegou como possível maus-tratos a criança pelos pais, mas ninguém, nem quem ligou, sabia direito a gravidade do que estava acontecendo, só falaram que ela (a criança) aparentemente estava presa e sem tomar água”, contou.
LIBERAÇÃO PARA ENTRADA
O policial conta que após a chegada, os policiais começaram a filmar o espaço em que dava para ver que a criança estava. Ele conta ainda que precisou enganar a meia-irmã do menino para conseguir de fato chegar até a criança.
“Nós começamos a filmar porque ainda não podíamos invadir a casa. Conseguimos verificar que ele estava preso debaixo da laje, mas não dava para ver o tambor. A meia-irmã dele, filha da madrasta, estava ali, eu conversei com ela, falei pra ela que estava tendo outra ocorrência. Não falei a verdade porque se não ela não ia abrir, ludibriei para abrir, e quando chegou ao fundo do corredor avistamos o menino acorrentado, dentro do tambor, naquela laje. De imediato demos voz de prisão”, conta.
‘BAQUE’ MUITO FORTE
O sargento relata que após o encontro o menino relatou as situações de tortura e maus tratos. Com fome, ele afirmou que a última refeição tinha sido uma casca de banana.
“Quando chegamos vimos que, além de acorrentado, ele estava desnutrido, sem se alimentar. Ele falou que tinha três dias que tinha comido casca de banana, e que chegou a comer fezes e xixi porque estava morrendo de fome. Aquilo ali foi um baque muito grande pra gente. Eu tenho um filho da idade dele, só não desabei por causa do treinamento, mas é uma coisa que marcou, eu falo, lembro até fico arrepiado”, contou.
O policial, com 24 anos na corporação, relata que jamais tinha visto nada igual.
“É uma ocorrência que até então nunca tinha pego. Já vi muita coisa, ocorrências de morte, muitas ruins, mas aquela foi muito triste, marcante, chocou demais. Na casa tinha armário cheio de comida, de bolacha, macarrão, salgadinho, frutas, mais de 20 laranjas, e o menino passando fome, não era falta de alimento. Tinha vários cachorros e o menino era tratado pior que animal, nem cachorro trataria assim”, completou.
Ele conta ainda que após o resgate a corporação se mobilizou e muitos brinquedos e itens foram doados para o menino. A tristeza que continua agora é por saber que o garoto continua no abrigo. “Na época tinha várias famílias querendo adotar, e até agora não foi é triste, é desumano, muito falho todo o processo”.
AINDA PARA ADOÇÃO
Dois anos depois de ser resgatado, o menino que foi encontrado acorrentado continua em um abrigo para adoção. Segundo informações apuradas pelo acidade on, o menino, agora com 13 anos, está bem.
Por determinação do Ministério Público, o caso está sob sigilo e detalhes sobre o paradeiro não podem ser confirmados oficialmente pelo órgão. O MP, no entanto, confirmou que menino está apto para adoção e recebendo acompanhamento psicológico desde o dia em que foi resgatado.
Em nota, a Prefeitura de Campinas confirmou que a criança está bem de saúde. Questionada sobre as medidas adotadas desde o caso, a Administração citou que concluiu a investigação sobre a atuação de serviços públicos municipais e de entidade conveniada no caso.
“O relatório foi encaminhado ao Ministério Público. Conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o conteúdo do relatório não será divulgado pela Prefeitura, já que o caso envolve uma criança”, informou a Prefeitura.
O Conselho Tutelar de Campinas foi questionado sobre o caso e as medidas adotadas pelo órgão, mas ainda não se pronunciou. Depois do resgate, o órgão negou que tinha ciência da situação do menino, citando que meses antes a informação recebida era de que “a situação da criança e família vinha evoluindo bem e positivamente”.
PRESOS
No mesmo dia do resgate, a PM prendeu em flagrante o pai do menino, um auxiliar de serviços gerais de 31 anos, sua mulher, uma faxineira, de 39, e a filha dela, uma vendedora de 22 anos. O homem foi encaminhado para a Penitenciária II de Tremembé. Já as mulheres foram encaminhadas para a Penitenciária Feminina I de Tremembé. Segundo a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) eles continuam presos nas unidades.
No começo de dezembro de 2021 a Justiça de Campinas condenou o pai, madrasta e a filha da madrasta por tortura contra o menino.
CONFIRA AS PENAS
Pai
Condenado à pena de oito anos de reclusão no regime inicial fechado, por infração ao artigo 1º, inciso II e § 4º, incisos II (contra a criança) e III (mediante sequestro) da Lei nº 9.455/97 c.c. artigo 61, II, “e”, “f” e “j” do Código Penal e artigo 2º da Lei nº 8.072/90, por várias vezes, na forma do artigo 71, do Código Penal. Também foi condenado à pena de 15 (quinze) dias de detenção, no regime aberto, por ter infringido o artigo 246, do Código Penal. Negado o recurso em liberdade.
Madrasta
Condenada à pena de oito anos de reclusão no regime inicial fechado, por infração ao artigo 1º, inciso II e § 4º, incisos II (contra a criança) e III (mediante sequestro) da Lei nº 9.455/97 c.c. artigo 61, II, “e”, “f” e “j” do Código Penal e artigo 2º da Lei nº 8.072/90, por várias vezes, na forma do artigo 71, do Código Penal. Negado o recurso em liberdade.
Filha da madrasta
Condenada à pena de oito anos de reclusão no regime inicial fechado, por infração ao artigo 1º, inciso II e § 4º, incisos II (contra a criança) e III (mediante sequestro) da Lei nº 9.455/97 c.c. artigo 61, II, “e”, “f” e “j” do Código Penal e artigo 2º da Lei nº 8.072/90, e artigo 29, caput, do Código Penal, por várias vezes, na forma do artigo 71, do Código Penal. Negado o recurso em liberdade.