A Prefeitura de Campinas publicou, nesta sexta-feira (3), no Diário Oficial do Município, a negativa para o pedido do Hospital Maternidade de Campinas de desinterdição dos 20 leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) Neonatal. A solicitação havia sido informada ontem pela unidade médica. A UTI foi interditada no último mês pela Vigilância Sanitária. Com a negativa, os 20 leitos de UTI permanecem indisponíveis. Ainda cabe recurso para o hospital.
A interdição aconteceu no dia 16, após equipes da Saúde constatarem falta de profissionais para atender bebês internados no setor de alta complexidade do hospital. Seis dias antes, no dia 10, a Maternidade notificou à Saúde sobre um surto de diarreia. Ao todo, três bebês morreram na unidade de saúde desde então – porém a Maternidade informou que o terceiro bebê que morreu no local não teve nenhuma relação com a gastroenterite e sim com a “prematuridade extrema” da criança.
Ainda ontem, a reportagem do acidade on apurou que o MP (Ministério Público) abriu um inquérito para investigar as mortes dos bebês no hospital, assim como supostas irregularidades na prestação de serviços. O documento foi assinado em 27 de fevereiro.
No Diário Oficial de hoje, a notificação cita que o recurso foi indeferido e a penalidade foi mantida.
PEDIDO DE LIBERAÇÃO DE LEITOS
A Maternidade de Campinas informou no início da noite de ontem que contratou mais médicos e com isso aguardava a liberação dos 20 leitos da UTI.
“O Hospital Maternidade de Campinas encaminhou para a Devisa a escala médica dos neonatologistas horizontalistas, atendendo integralmente o determinado pela Portaria 930 do Ministério da Saúde, após tratativas emergenciais com a Secretaria Municipal de Saúde. Assim, aguarda que o órgão promova a liberação dos leitos interditados”, informou em nota.
Segundo o hospital, a escala foi possível por uma mudança na escala de profissionais.
“Alguns médicos neonatologistas da própria Maternidade de Campinas assumiram o compromisso de cobrir toda a escala, se cotizando e, assim, permitir a continuidade do atendimento que beneficia toda a população não só da cidade, mas da Região Metropolitana”, reforçou.
Já a Prefeitura de Campinas informou ontem que o pedido de liberação dos leitos foi negado e reforçou que a medida visa redução de riscos aos pacientes.
“Diferente do que diz a nota divulgada pelo hospital, a entidade infringiu a RDC 7 (Resolução da Diretoria Colegiada) da Anvisa e não a Portaria 930 do Ministério da Saúde. A RDC 7 tem como objetivo estabelecer padrões mínimos para o funcionamento das Unidades de Terapia Intensiva, visando à redução de riscos aos pacientes, visitantes, profissionais e meio ambiente”, informou em nota.
MOTIVAÇÕES PARA A NEGATIVA
A chefe de setor de Serviços de Saúda da Vigilância Sanitária que assinou a negativa, Ana Lúcia da Silva Montini, explicou em entrevista ao acidade on que a solicitação de desinterdição foi encaminhada na última quarta-feira, mas as justificativas apresentadas pela Maternidade foram consideradas insuficientes.
“O que eles mandaram para gente na avaliação foi considerado insuficiente para essa desinterdição. Embora eles citem que atendem uma portaria, não é essa a legislação que a gente usa para determinar o que é necessário na questão de recursos humanos. A interdição no caso está sendo especificamente pela questão de recursos humanos eficientes” citando a utilização da RDC da Anvisa.
“De acordo com os critérios da RDC a gente entende que eles ainda não estão compactuando nem com a parte médica de médicos diaristas, e também não apresentaram a correção com o problema com os fisioterapeutas”, completou.
De acordo com a chefe de setor, a adequação pode ser feita por novas contratações ou readequação da carga dos profissionais, e explica que ainda há falta de profissionais para atuar em todos os períodos.
“Eles podem fazer isso por meio de novas contratações ou readequação da carga de profissionais que eles já têm lá, fica a critério deles. Mas a gente o que a gente avalia é a carga horária e os períodos que têm que ser preenchidos. A gente considera que eles não preencheram todos os qualitativos exigidos pela legislação. Por exemplo, médico que é o diarista tem que ter um médico para cada 10 leitos no período da manhã e da tarde, e eles não conseguiram chegar nisso. Fisioterapeutas assinaram com a possibilidade de uma contratação para semana que vem, mas ainda não tem os profissionais e nem mais informações dos períodos de atuação desses profissionais. Então tem uma insuficiência, tanto do que já foi apresentado como corrigido, na questão de períodos preenchidos e carga horária, e na questão de fisioterapeutas que não corrigiram, só deram uma previsão para a semana que vem”, afirmou.
Segundo Ana Lúcia, assim que houver a comprovação da adequação será avaliada a documentação e feita uma nova inspeção, mas a liberação deve ser feita o quanto antes.
AUTUAÇÃO DO ÓRGÃO
Sobre a autuação que a Maternidade citou na semana passada, após o hospital atuar com a ocupação de leitos acima do permitido após a interdição, Ana Lúcia explicou que não houve multa por parte da Prefeitura.
“Não foi uma multa, foi uma autuação, e eles têm o prazo para apresentar a defesa. No caso eles podem formalizar o alegaram, que é a dificuldade de transferência dos bebês, mas a gente autua pelo descumprimento da decisão. Eles estão com 20 leitos interditados, podendo funcionar com 20. Verificamos que eles estavam com capacidade acima do autorizado. A gente conhece os motivos, mas a gente não pode deixar de autuar. Mas eles tem o direito de apresentar a justificativa na defesa do auto”, finalizou.
INVESTIGAÇÃO DO MP
Além dos problemas com os órgãos de Saúde, o MP (Ministério Público de São Paulo) abriu inquérito para investigar as mortes de três bebês na Maternidade de Campinas, assim como supostas irregularidades na prestação de serviços. O documento foi assinado em 27 de fevereiro.
De acordo com o MP, uma inspeção realizada pelo Devisa mostrou inúmeras irregularidades estruturais, em processos de trabalho e na licença do banco de leite. Veja todos os pontos do inquérito abaixo:
- Manter em funcionamento Banco de Leite Humano sem possuir licença de funcionamento
- Manter médico diarista/rotineiro e equipe de fisioterapia sem atender o dimensionamento mínimo nas unidades de Terapia Intensiva Adulto e Neonatal
- Manter em pleno funcionamento CME [central de material de esterilização] sem possuir área física que atenda à legislação vigente
- Manter em funcionamento CME sem profissional enfermeiro no período noturno;
- Manter em pleno funcionamento o Setor do Pronto Atendimento com estrutura física inadequada
- Manter em pleno funcionamento Unidade de Cuidado Intermediário Neonatal Convencional sem recursos humanos quantitativos suficientes na categoria profissional médica, de acordo com a capacidade instalada
- Manter em funcionamento centro cirúrgico sem sanitários com vestiário para funcionários
- Ausência de banheiros anexos aos consultórios de ginecoobstetrícia do Ambulatório
- Manter abrigo externo de resíduos comuns e químicos de forma irregular
Em nota, a Maternidade de Campinas destacou que “em seus 109 anos de existência, o Hospital Maternidade de Campinas sempre agiu de acordo com a ética médica e com as normas impostas pelos órgãos reguladores. A direção da instituição, como é de praxe diante de qualquer intercorrência, já adotou todas as medidas para a rigorosa apuração dos fatos. Desta forma, qualquer inquérito que venha a contribuir para a elucidação dos fatos terá a total colaboração da instituição”.
O QUE DIZ O ESTADO
Em nota, o DRS (Departamento Regional de Saúde) informou que monitora a situação dos leitos neonatais e tem realizado reuniões com os gestores locais para o aumento da disponibilidade de leitos na região nas próximas semanas para garantir retaguarda à situação da Maternidade de Campinas.