Mesmo representando 51,5% da população de Campinas, as mulheres ainda são minoria quando se trata de empreender formalmente na cidade. De acordo com dados do Sebrae-SP, das 128.029 pessoas registradas como MEIs (Microempreendedoras Individuais) no município, apenas 58.630 são do sexo feminino, o que corresponde a 45,8% do total.
O número coloca Campinas na 10ª posição nacional em quantidade de MEIs mulheres, o que, por um lado, mostra avanço. Por outro, revela um paradoxo: enquanto na região Sudeste as mulheres já superam os homens no empreendedorismo – 44,4% contra 43% –, a cidade segue em sentido contrário.
Presença feminina é maior no mercado formal
Para entender os motivos dessa diferença, o acidade on Campinas conversou com Joice Oliveira, gestora de empreendedorismo feminino do Sebrae-SP. Segundo ela, um dos fatores que explica o desempenho abaixo da média regional é a própria estrutura econômica da cidade, que atrai muitas mulheres para o emprego formal.
“Em Campinas, observamos uma particularidade no ecossistema de trabalho feminino. A presença significativa de grandes empresas nacionais e multinacionais atrai muitas mulheres para o mercado formal, com vínculos CLT, e tenho a impressão que isso impacta diretamente na proporção de mulheres registradas como MEIs”,
explicou.
Joice também destacou que há muitas mulheres empreendendo de forma informal, o que significa que elas movimentam a economia local sem aparecer nas estatísticas oficiais. Entre os setores mais comuns, estão beleza, alimentação e artesanato.
Informalidade, falta de capacitação e rede de apoio
Entre os obstáculos mais persistentes para que as mulheres avancem no empreendedorismo, Joice aponta três pilares: acesso à informação, falta de capacitação e ausência de redes de apoio.
“Muitas mulheres ainda não têm clareza sobre os primeiros passos para empreender, nem sobre as ferramentas de gestão necessárias para manter um negócio sustentável. Isso pode levar à insegurança e até à desistência diante dos obstáculos naturais do empreendedorismo”,
afirmou.
Além disso, a solidão da jornada empreendedora é uma realidade para muitas delas.
“A ausência de suporte, tanto técnico quanto emocional, impacta diretamente a confiança e a resiliência da mulher empreendedora. Programas de mentoria, capacitações direcionadas e comunidades de apoio têm papel fundamental nesse processo”,
explicou a gestora.
Dupla jornada é um dos principais entraves
A desigualdade na divisão do trabalho doméstico é outro fator de peso. Uma pesquisa do Sebrae-SP mostrou que, enquanto os homens dedicam, em média, 1,6 hora por dia às tarefas da casa e ao cuidado com a família, as mulheres gastam 3,1 horas diárias com essas responsabilidades – quase o dobro.
“A dupla jornada sem dúvidas é um desafio sociocultural que muitas mulheres enfrentam ao empreender, pois ainda é comum que as mulheres conciliem o empreendedorismo com as responsabilidades domésticas e familiares, o que limita o tempo e a energia disponíveis para desenvolver seus negócios”,
disse Joice.
Segundo ela, essa menor dedicação ao negócio impacta diretamente no crescimento e nos resultados da empresa, especialmente quando comparada a negócios liderados por homens com a mesma estrutura.
Dificuldade de acesso ao crédito e juros mais altos
Mesmo com índices de inadimplência semelhantes ao dos homens – cerca de 7% –, as mulheres enfrentam mais barreiras para conseguir crédito.
“Um dos principais entraves é a burocracia excessiva e a complexidade dos processos bancários, que exigem garantias formais, histórico de crédito robusto e documentos que muitas vezes as empreendedoras informais ou em início de jornada não conseguem apresentar”,
explicou.
Joice ainda destacou que a falta de orientação financeira e as taxas pouco atrativas desestimulam muitas mulheres a buscarem empréstimos. Em pesquisa recente, apenas 12% das donas de pequenos negócios no Brasil haviam solicitado crédito nos seis meses anteriores. Destas, 45% tiveram o pedido negado – e quase 30% sequer receberam uma justificativa.
O cenário é ainda mais desafiador para mulheres negras. Segundo estudo do Sebrae em parceria com a FGV, o índice de negativa de crédito é 50% maior entre negras do que entre brancas.
Sem acesso a crédito tradicional, 43% das empreendedoras recorrem ao cartão de crédito, a modalidade com as maiores taxas de juros do mercado. Não à toa, 48% delas avaliam os serviços de financiamento dos bancos como “muito ruim” ou “ruim”.
“Felizmente, esse cenário vem sendo desafiado por iniciativas cada vez mais direcionadas. Hoje, há uma crescente oferta de capacitações específicas para mulheres, além de linhas de crédito com condições diferenciadas, pensadas para apoiar o desenvolvimento de negócios liderados por elas”,
conclui Joice.
Setores de beleza e moda concentram maioria das MEIs mulheres em Campinas
Em Campinas, os setores com maior concentração de mulheres MEIs são os de beleza e comércio de roupas e acessórios. Joice explica que a escolha por esses nichos se deve a afinidade, menor investimento inicial e flexibilidade.
“Historicamente, essas são áreas onde muitas mulheres desenvolvem habilidades desde cedo, seja por afinidade, vivência pessoal ou socialização. Além disso, são setores que demandam baixo investimento inicial, permitem começar de forma informal e oferecem flexibilidade de horários, algo fundamental para mulheres que conciliam o empreendedorismo com responsabilidades familiares”,
explicou.
De acordo com ela, esses segmentos são altamente conectados com o consumo feminino, o que pode gerar identificação com o público-alvo e facilitar a comunicação, o posicionamento e a oferta de produtos ou serviços personalizados.
Realidade e resistência: o dia a dia de uma empreendedora em Campinas
Essa realidade é vivida na pele por Danielle Fiorentin, de 31 anos, especialista em sobrancelhas e cílios e dona do salão Beauty N Bless, no bairro Taquaral, em Campinas. Nascida em Limeira, ela é mãe da Maria Eduarda, de 11 anos, e do Leonardo, de 8, e vive em Campinas há três anos.

Quando a oportunidade nasce da necessidade
Danielle começou a empreender ainda jovem, por necessidade. Sem experiência no currículo para conseguir um emprego, ela viu nas habilidades que já tinha uma oportunidade. “Ao perceber que eu sabia fazer sobrancelha, resolvi emprestar um cartão de crédito da minha avó e comprar uma pinça, uma cor de henna, uma tesoura. Gastei R$77 pra começar”, relembra. Os atendimentos começaram no próprio quarto, divulgados em grupos do Facebook, e em seis meses ela já tinha uma clientela fiel.
Com o tempo, veio a evolução: trabalhou no quintal da casa, depois montou um espaço próprio e, mais tarde, se uniu a outros profissionais até se estabelecer em Campinas com o próprio negócio. Hoje, o Beauty N Bless oferece serviços de cílios, sobrancelhas, unhas, cabelo e estética, com Danielle atuando também na administração do salão, ao lado do marido, seu sócio e maior incentivador, segundo ela.
‘Às vezes, parece que estou em dois turnos o tempo todo’
A rotina, porém, está longe de ser tranquila. Ela relata que seu dia é um eterno vaivém entre as demandas do lar e do trabalho. Acorda cedo para levar os filhos à escola, abre o salão, limpa, organiza e começa os atendimentos. No meio da manhã, busca as crianças, prepara o almoço, encaminha as tarefas de casa e volta ao trabalho.
“Às vezes, parece que estou em dois turnos o tempo todo, mas já me acostumei. Faço o que posso com amor. Nem tudo sai perfeito, mas cada esforço vale a pena”,
conta.
À noite, ainda há tempo para o culto, os deveres escolares dos filhos e algum descanso.
Danielle reconhece que, se tivesse mais tempo disponível, poderia investir mais no crescimento do negócio. Ela gostaria de estudar mais, fazer planejamentos estratégicos e reforçar a divulgação. “Sinto que poderia estar mais à frente em algumas áreas do meu negócio”, diz. Mas ela também valoriza o tempo que passa com os filhos. “Esse tempo com meus filhos é sagrado. Estou construindo algo que vai muito além de números. Estou ensinando para eles que é possível sonhar e conquistar.”
A culpa, no entanto, é uma presença constante — seja por priorizar o trabalho, seja pela família. “Já me culpei por estar no salão enquanto meus filhos estavam em casa sozinhos. E já me culpei por fechar cedo pra estar com eles e deixar de atender uma cliente”, desabafa. Para lidar com isso, ela busca apoio na fé: “Eu oro muito, converso com Deus e me lembro do porquê comecei. Não sou perfeita, mas tento dar o meu melhor. E aprendi que tá tudo bem não dar conta de tudo o tempo todo.”
O que falta para as mulheres crescerem
Com olhar atento à realidade de outras mulheres como ela, Danielle é firme ao apontar o que falta para que as empreendedoras realmente cresçam: apoio prático, políticas públicas efetivas, crédito com condições justas, capacitação gratuita e orientação objetiva. Para ela, não basta que os programas existam no papel.
“Falta apoio real, não só em discurso. A maioria das mulheres empreendedoras começa por necessidade, muitas vezes sem rede de apoio, com filhos pequenos, acumulando funções e tentando sobreviver enquanto constroem um negócio com as próprias mãos.”
Ela também destaca a necessidade de acolhimento e reconhecimento: “A gente move a economia, gera renda, transforma vidas, mas seguimos invisíveis nas estatísticas, sem espaço na mesa de decisões.”
E conclui, com força:
“Empreender no Brasil sendo mulher, mãe e periférica é um ato de resistência. E enquanto isso não for enxergado com seriedade, o crescimento será sempre mais lento, mais solitário e mais sofrido do que precisaria ser.”
Sebrae Delas: apoio gratuito e estratégico
Para enfrentar esses obstáculos e impulsionar o empreendedorismo feminino, o Sebrae-SP aposta em ações específicas. Um dos principais projetos voltados para isso é o Sebrae Delas, programa gratuito que atende mulheres em diferentes momentos da jornada empreendedora.
De acordo com Joice, o programa vai além da capacitação técnica: busca também fortalecer a autoconfiança, a liderança e a criação de redes entre mulheres.
“Nosso objetivo com o programa é aumentar a competitividade dos negócios liderados por mulheres, fortalecendo não apenas as competências técnicas e de gestão, mas também aspectos como autoconfiança, liderança, rede de contatos e visão estratégica. As participantes têm acesso a cursos, oficinas, consultorias, eventos e conteúdos personalizados, todos com linguagem acessível e abordagem prática”.
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