Cada vez mais, estudantes do ensino superior de Campinas estão buscando garantir o financiamento de seus estudos em instituições privadas. De acordo com dados extraídos do DataJud, o painel de estatísticas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o número de processos novos na Justiça relacionados ao Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior) registrou um salto de 140,74% entre 2022 e 2023.
A variação registrada foi de 27 para 65 casos. Só no 1º semestre de 2024, o montante acumulado é de 85 casos, com uma média de um processo por dia. No Brasil como um todo, há uma média de 94 processos diários neste ano.
A maior parte dos estados registrou altas significativas em 2023. O Distrito Federal é a unidade federativa com o maior número de casos no início de 2024, com o total de 8.699 processos. Já o estado de São Paulo ocupa o segundo posto do ranking, com 2.740. Juntas, as duas unidades federativas são responsáveis por mais da metade dos processos novos que ingressaram no Judiciário brasileiro nesse período.
Entre 2022 e 2023, os novos casos relacionados ao Fies superaram as ações que tratam das creches e do piso salarial e saltaram da 3ª para a 1ª posição entre os principais assuntos judicializados na área do Direito à Educação.
Por que aumentaram os processos contra o Fies?
Segundo Rafaela Carvalho, advogada com atuação em Direito da Educação do VLV Advogados, as principais discussões relacionadas ao Fies que costumam chegar à Justiça têm geralmente relação com:
- Irregularidades contratuais;
- Problemas na inscrição e renovação do financiamento;
- Inadimplência e cobrança;
- Qualidade das instituições de ensino.
“Crises econômicas e dificuldades financeiras podem levar a um aumento no número de estudantes com dificuldades para pagar as parcelas, resultando em mais disputas legais. E a criação do Novo FIES, com mudanças nas taxas de juros e nas condições de financiamento, também gerou dúvidas e disputas sobre a aplicação dessas novas regras a contratos antigos”, acrescenta a especialista.
Atualmente, os estudantes brasileiros contam com o programa Desenrola Fies para negociar dívidas relacionadas ao financiamento. A iniciativa foi lançada pelo governo federal em novembro de 2023 e já contou com a participação de mais de 351 mil brasileiros. O prazo para inscrição foi adiado para em 31 de dezembro de 2024. Conforme o Ministério da Educação, um montante de pelo menos R$ 677 milhões entrou nos cofres do governo até o momento somente com o pagamento das entradas dos acordos.
Para Rafaela Carvalho, outro motivo comum para disputas na Justiça é quando estudantes solicitam o financiamento estudantil mesmo sem alcançar a nota mínima exigida no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).
“Muitos estudantes ingressaram na Justiça para contestar essa exigência, argumentando que o direito à educação deve ser garantido independentemente do desempenho no exame. Essa questão ganhou relevância especialmente em cursos como Medicina, onde as notas de corte são particularmente altas”, avalia.
Desafios enfrentados
Formada em Arquitetura e Urbanismo, a experiência de Yasmim, que pediu para se identificar apenas pelo primeiro nome, com o Fies não foi tão boa durante os anos de faculdade em Campinas, cerca de 9 anos atrás. Ela conseguiu o financiamento só a partir do segundo ano de estudo e conta que, na época, prometeram que devolveriam o valor correspondente ao que já havia pago anteriormente.
Por exemplo: se ela fez um financiamento de 55%, então deveriam devolver 45% do que havia pago. No entanto, isso só ocorreu por 3 meses, e o valor referente ao ano anterior, no qual pagou 100%, não foi devolvido, segundo Yasmim.
“Minha experiência foi caótica. Muitas vezes, precisei ir à agência da Caixa, onde o financiamento foi realizado, para que liberassem os boletos, já que frequentemente deixavam de enviá-los ou me avisavam que eu precisava comparecer, sem especificar o motivo. Isso tornava o processo cansativo, pois eu tinha que enfrentar filas por horas e me ausentar do trabalho”, detalha.
Os desafios com o financiamento ainda foram agravados pelo período da pandemia de covid-19, quando deixaram de enviar um dos boletos e ela não conseguiu emiti-lo pelo site. “A consequência foi que enviaram uma correspondência informando que meu nome e o do meu pai (meu fiador) haviam sido incluídos no Serasa, e essa carta chegou mais rápido do que o boleto que eu estava devendo. Parecia que eles queriam ‘sujar’ nossos nomes por conta da irresponsabilidade deles”, afirma.
Até mesmo na hora de conseguir ajuda, a arquiteta e urbanista enfrentava problemas, em que precisava ir uma agência da Caixa Econômica Federal para resolver, mas muitos funcionários não sabiam como auxiliá-la.
Yasmim revela que só não chegou ao ponto de buscar ajuda jurídica porque “não tinha condições financeiras, nem tempo e nem preparo mental” para isso. “Assim como não conseguia pagar a faculdade por completo, também não tinha condições de arcar com os custos de um advogado”.
Já para Camille Heinzl, que estuda Jornalismo em uma faculdade particular de Campinas, os pontos positivos superam os desafios enfrentados com o Fies. Ela conseguiu ajuda do financiamento nos dois últimos anos do curso, em que realiza o pagamento de R$ 376,82 via débito automático na Caixa mensalmente, valor que antes ficava em torno de R$ 2 mil.
Segundo a estudante, conseguir o financiamento é um processo “bem burocrático”, em que, além de toda a documentação que tem que ser enviada, ainda é preciso se deslocar até o banco para fazer o acordo, e posteriormente ao centro de atendimento da faculdade. “Imagino que para uma pessoa com pouco acesso à educação, ou que não possua muitas habilidades com a internet, seja algo mais complicado ainda”, pontua.
Mesmo não relatando nenhum grande problema com o financiamento, ela indica o Fies apenas em casos mais extremos de necessidade. “O Fies foi a solução que encontrei para poder terminar meus estudos, mas, visando em conta a dívida que fica para ser paga depois que já acabou a faculdade, eu não acho que compense”, afirma.
Importância do financiamento
Apesar de todas as dificuldades, hoje, já formada, a arquiteta e urbanista Yasmim vê que, sem esse financiamento, jamais teria conseguido se formar na área dos seus sonhos.
“O curso que fiz era bastante elitizado na época (não sei como está agora), e apenas pessoas com boas condições financeiras conseguiam cursá-lo. Claro que hoje ainda tenho que pagar o financiamento por mais 10 anos, aproximadamente, mas considero que foi o melhor caminho. Sem o Fies, eu não teria entrado na faculdade, não teria me formado e não estaria feliz com o que conquistei até agora”, diz.
Atualmente, ainda realizando o pagamento, ela considera que o aplicativo atende bem, e não tem mais os problemas que enfrentava antes.
“O financiamento é uma boa opção para quem deseja ter uma graduação, mas não conseguiu uma bolsa ou obteve uma bolsa parcial. O Fies ajuda aqueles que querem mudar sua realidade por meio dos estudos”, conclui.
Como exigir na Justiça o seu direito
A advogada Rafaela Carvalho explica que as decisões judiciais hoje com relação a estudantes e o Fies variam conforme o caso e a argumentação apresentada no processo. Contudo, o Judiciário pode decidir em favor do estudante quando são identificadas falhas ou irregularidades nos contratos, problemas na prestação de serviços das instituições de ensino ou práticas abusivas nas cobranças.
A orientação é de que é importante que os estudantes apresentem evidências concretas das irregularidades para aumentar suas chances de sucesso em suas reivindicações. No caso do pedido de ingresso no fundo sem a nota mínima no Enem, o Judiciário tem respondido de maneira variada aos pedidos. Em alguns casos, os tribunais têm decidido a favor dos estudantes, permitindo o financiamento sem a necessidade de cumprir a nota de corte.
“Essas decisões geralmente se baseiam no entendimento de que a educação é um direito fundamental e que a exigência de uma nota mínima pode ser uma barreira injusta para estudantes de baixa renda ou que enfrentaram dificuldades específicas”, explica a advogada.
Para Rafaela Carvalho, é fundamental que a Justiça garanta que os estudantes tenham acesso igualitário à educação superior, independentemente de sua situação socioeconômica ou regional. “Deve haver um sistema de financiamento educacional que seja ao mesmo tempo acessível e sustentável”, defende.
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