Jeferson Faria Bernardino, de 24 anos, entra para a história do esporte de Águas de Lindoia como o primeiro atleta a conquistar a faixa preta de taekwondo sem tirar os pés de sua cidade natal. O sonho foi realizado no final de março após ter superado um desafio ainda maior: o exame. Ele foi avaliado pelo olhar técnico da Federação de Taekwondo do Estado de São Paulo (Fetesp) de forma on-line por conta da pandemia da covid-19. Algo bem mais complicado que exibir a arte presencialmente.
Filho de costureira, Bernardino conta que enfrentou uma série de adversários que a vida colocou em seu caminho. Superou um a um. Desde a ausência do pai, já falecido, até a obrigatoriedade equilibrar as horas entre o trabalho e o esporte. Isso justifica o lema que escolheu para nortear sua trajetória: “Nunca desistir”.
De seu quarto, decorado com medalhas, troféus e recortes de jornal, que resumem sua jornada esportiva, o atleta de Águas de Lindoia conversou de pela internet com o ACidadeON/Circuito das Águas e contou um pouco de sua história e planos para o futuro.
AcidadeOn/Circuito das Águas – Por que escolheu taekwondo entre todos os outros praticados no Brasil, pais em que o sonho da maioria das crianças é ser jogador de futebol?
Jeferson Bernardino – Quando eu era criança, meu pai, que hoje já é falecido, dava aulas de capoeira e eu gostava de praticar. Mas com o tempo minha vida tomou outros rumos e eu me afastei do meu pai. Mais adiante, quando eu tinha de 16 para 17 anos, me achava um pouco acima do peso, então procurei um esporte novo. Uma amiga fazia taekwondo e me convidou para assistir uma aula. Fui só para ver como era e logo no primeiro contato eu soube que queria aquilo. Me lembro da minha primeira aula, foi incrível. Quando acabou, eu estava satisfeito. Suei para caramba, o que era o meu objetivo inicial. Pensei: “ô negócio é bom”.
Então resolveu investir?
Jeferson Bernardino – Para você ter uma ideia, com três meses de aula comecei a fazer exame de faixa para tentar a amarela. Iria ter um campeonato e eu queria participar. A amiga que me apresentou ao taekwondo também deveria fazer o exame e desistiu. Lá fui eu sozinho. Quando vi o mestre chegar com a faixa na mão, pensei: ‘meu Deus, que sensação que é essa?’. Eu tremia de nervoso, mas sabia que queria aquilo para minha vida.
Você disse que se afastou de seu pai. Pode nos contar a razão?
Jeferson Bernardino – Meu pai tinha o vício da bebida. Quando eu era criança, ele agrediu minha mãe. Essa cena não saiu da minha cabeça até hoje. Os dois se separaram e eu prometi para mim mesmo que não deixaria mais nada, nem ninguém encostar na minha mãe e fazer mal à ela. Minha mãe é a única pessoa que eu tenho.
Então o esporte é só instrumento de proteção?
Jeferson Bernardino – Agora não mais. Mas no começo eu achava que para realizar minha promessa eu precisava me fortalecer de algum jeito. A cicatriz de ver minha mãe, que se chama Maria Isabel, ser agredida cresceu comigo. A carrego todo esse tempo. Mas posso te dizer que o que eu passei me serviu de incentivo para eu se transformasse em casa o homem que meu pai não foi.
Foi a história de vida de mãe que o motivou. Podemos dizer isso?
Jeferson Bernardino – Eu sempre quero que minha mãe se orgulhe de mim, esse é meu único objetivo. Ela já batalhou demais na vida, é costureira há cerca de 30 anos em uma malharia. Quando eu era criança, tinha dias que eu acordava de madrugada e ela já não estava em casa, sempre trabalhando. Nunca deixou faltar nada para os filhos, eu e minha irmã, a Jéssica.
Você acha que poderá sobreviver do esporte algum dia?
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Jeferson Bernardino – Eu trabalho numa estamparia há dez anos, na confecção de uniformes. Eu tenho minhas responsabilidades dentro e fora do tatame. Falar de dinheiro dentro do taekwondo é muito complicado, pois eu tive muitas dificuldades. Demorei sete anos para me formar, mas é possível conseguir a faixa preta muito antes. Eu tive adversidades financeiras para fazer os exames de faixa, que são pagos. O valor quase sempre saiu do meu bolso, com algumas exceções de quando recebi ajuda de amigos. Já cheguei até mesmo a fazer uma rifa para levantar dinheiro. Futuramente, o que eu mais quero é dar aula. Inclusive, já tive essa experiência uma vez quando meu professor me deu a oportunidade de ensinar alguns alunos. É algo satisfatório você ver alguém evoluir. Nesse tempo, já encaminhei parentes e amigos para o taekwondo e adoro ensinar eles.
Quais foram as maiores dificuldades que você enfrentou?
Jeferson Bernardino – A primeira é a falta de suporte. É muito difícil encontrar patrocínio. Teve um episódio que também me marcou. No começo eu ganhava carona da minha amiga para ir para as aulas. Mas ela parou de praticar, então perdi minha carona. Sem transporte próprio, passei a utilizar ônibus, mas mas demorava mais ou menos de 25 a 30 minutos para fazer o trajeto. Eu saía da estamparia às 17h e o treino começava às 17h30. Com as paradas, eu chegava muito atrasado. Então resolvi começar a correr entre a empresa e a academia. Consegui fazer o trajeto em 22 minutos e já chegava aquecido. Enquanto a galera se aquecia, eu já estava pronto.
E quanta dedicação foi necessária para conseguir a faixa preta?
Jeferson Bernardino – Minha rotina chegou a seis treinos em cinco dias. Participava de campeonatos e treinava na academia, treinava em casa. Tive muita ajuda do meu treinador, Gilmar. Ele sempre me cobrou muito e se dedicou à minha formação durante estes sete anos. Agora, mesmo com a pandemia, consegui fazer o exame para me tornar faixa preta, só falta a graduação, que ainda não foi realizada justamente por causa da covid-19.
O exame foi on-line. Foi mais fácil ou difícil do que o presencial?
Jeferson Bernardino – A pressão existe independente de ser on-line ou não. Fiquei nervoso da mesma forma, pois foram sete anos de dedicação para chegar naquele momento. Na tela, vi todos os mestres me analisando e confesso que fiquei até um pouco mais nervoso. No presencial você consegue ter uma percepção melhor sobre cada um dos juízes. Mas acredito que o nível de dificuldade do exame foi o mesmo.
Tem apoio da família para que consiga continuar no taekwondo?
Jeferson Bernardino – Fico até emocionado de falar sobre isso. Sempre que vou para algum campeonato minha mãe fala: ‘vai com Deus, que Deus te abençoe e te acompanhe’. Mas sei que ela fica com o coração aflito, enquanto eu não chego. Eu tenho sete anos de taekwondo e até hoje minha mãe não teve coragem de ir me ver lutar. Ela tem medo de eu me machucar. A minha avó já foi me ver lutar e a tranquilizou dizendo que eu luto bem.. Mas ela me apoia, mas ainda não teve coragem. Coisas de mãe, né?
Qual foi a maior lição que o taekwondo lhe trouxe para a vida?
Jeferson Bernardino – A de nunca desistir. Meu professor me ensinou que a gente sempre terá que enfrentar adversidades. Eu acho muito difícil você falar que vai chegar em algum lugar sem encontrar nenhum obstáculo que te faça até mesmo querer desistir do seu sonho. Eu trouxe isso para mim e o taekwondo agregou muito para a minha vida. Hoje em dia eu não coloco limite para o que eu quero. Com o taekwondo eu parei de usar as frases ‘eu não consigo’ ou ‘eu não posso’. Mesmo que não seja fácil, eu sempre vou tentar. Então posso dizer que a maior lição é nunca desistir e sempre acreditar. Nenhuma conquista vem da noite para o dia, é preciso ter perseverança. Ajoelho para agradecer a Deus todas as noites, mesmo que só por um minuto. Agradecer por cada realização e pela proteção em em tempos de pandemia. É preciso ter fé e amor com a causa. Aí, não tem como dar errado.
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