O MPSP (Ministério Público do Estado de São Paulo) instaurou um inquérito civil para investigar possíveis irregularidades na contratação da FIA (Fundação Instituto de Administração) pela Câmara Municipal de Campinas para a realização de um projeto de reestruturação administrativa. O valor do contrato, firmado em R$ 2,25 milhões, supera em R$ 960 mil a proposta mais barata apresentada por outra instituição.
As suspeitas envolvem direcionamento da contratação, prática de preços supostamente superiores aos de mercado e pagamento antecipado sem justificativa legal. O objetivo do inquérito é apurar eventual dano ao erário e a possível configuração de ato de improbidade administrativa.
Inquérito foi aberto após denúncia anônima
A abertura do inquérito civil foi motivada por uma denúncia anônima que questiona a escolha da FIA sem licitação, o valor do contrato e a antecipação de 30% do pagamento. A denúncia também levanta a hipótese de que a reestruturação poderia ter sido realizada por servidores efetivos da própria Câmara, sem necessidade de contratação externa.
Segundo a denúncia, circulavam comentários nos “corredores” da Câmara de que o projeto de reestruturação teria como principal objetivo aumentar o número de cargos comissionados nos gabinetes dos vereadores, da Presidência e de outros setores, chegando a até 10 servidores comissionados por gabinete. A denúncia aponta ainda a intenção de retirar funções e poderes dos servidores efetivos, repassando-os aos comissionados.
O secretário-geral da Câmara, Linconl Carlos dos Santos, é citado na representação como articulador da contratação e da proposta de reestruturação, supostamente utilizando contatos pessoais com a FIA para direcionar o contrato.
Discrepâncias nos valores
De acordo com documentos anexados ao processo, durante a fase de pesquisa de preços, foram obtidos orçamentos de diferentes instituições. Veja:
- FEDAP – R$ 1.290.000
- FIPE – R$ 1.498.000
- FIA – R$ 2.250.000
- FGV – R$ 2.350.000
Ou seja, a diferença entre a proposta da FIA e a mais barata chegava a R$ 960 mil. Apesar dos valores mais elevados, a FIA foi escolhida.
Pareceres internos contrários
A denúncia também relata pareceres de Analistas Jurídicos da Câmara contrários à contratação da FIA. Segundo os técnicos, o Legislativo dispunha de pessoal qualificado para realizar a reestruturação, sem necessidade de contratação externa.
Além disso, foi registrada a antecipação de 30% do valor contratado — prática inédita na Câmara —, autorizada pelo secretário-geral.
A justificativa apresentada foi um desconto de R$ 100 mil no valor total do contrato, que passou de R$ 2,25 milhões para R$ 2,15 milhões – menos de 5% do valor da proposta. O parecer da Procuradoria da Câmara também foi contrário ao pagamento antecipado, ressaltando que a antecipação só deveria ocorrer em caso de economia significativa para o órgão.
Com a instauração do inquérito, o MPSP determinou as seguintes providências:
- Envio de cópias da portaria à Câmara Municipal de Campinas e à FIA, facultando a apresentação de esclarecimentos e documentos;
- Solicitação de informações à FIA sobre os critérios adotados para calcular o valor do contrato;
- Envio de ofícios à FEDAP e à FIPE para esclarecerem os critérios de formação de seus preços e se houve novo contato da Câmara após a apresentação das propostas.
Câmara tentou suspender inquérito, mas recurso foi negado
Após a instauração do inquérito, a Câmara Municipal ingressou com recurso pedindo a suspensão da investigação. A defesa argumentou que a contratação da FIA se baseou na reputação e experiência da fundação e que o valor estava dentro dos parâmetros de mercado.
A Casa também justificou que o pagamento antecipado representava vantagem administrativa, e que os servidores internos não teriam condições de absorver o projeto sem prejuízo de suas funções regulares.
O recurso, no entanto, foi negado. A decisão, publicada em 18 de março, destacou a necessidade de aprofundar a apuração diante da existência de propostas de valor inferior apresentadas por outras fundações idôneas.
Ministério Público aponta necessidade de apuração aprofundada
Para o MPSP, embora a legislação permita certa margem de escolha em casos de dispensa de licitação, a administração pública deve comprovar que o preço contratado é compatível com o mercado.
“A justificativa apresentada pela Câmara, baseada apenas na reputação da FIA, não é suficiente para afastar a suspeita de sobrepreço. Portanto, é necessário um estudo aprofundado dos preços praticados em situações similares”,
apontou o MPSP.
Sobre o pagamento antecipado, o Ministério Público ressaltou que a lei permite essa prática apenas quando há uma economia substancial de recursos ou quando se mostra imprescindível para a realização do objeto contratado. A redução de R$ 100 mil no valor total, correspondente a menos de 5%, foi considerada insuficiente para justificar a antecipação.
Sobre a alegação de incapacidade dos servidores internos para realizar a reestruturação, o Ministério Público ressaltou que seria necessário avaliar a possibilidade de designação de funcionários para o projeto ou a reorganização interna para evitar a contratação externa.
“É preciso avaliar se a reestruturação não poderia ter sido feita por servidores com dedicação exclusiva ou, até mesmo, se o órgão não teria como deslocar algum servidor para o projeto, evitando a contratação externa”,
afirmou na decisão a respeito do recurso do Legislativo.
Investigação continua
O MP reforçou que a existência de propostas mais econômicas apresentadas por outras fundações reforça a necessidade de prosseguimento das investigações para verificar eventual dano ao erário.
“A investigação deve continuar para apurar todas as possíveis irregularidades e as razões da decisão da Presidência. Há indícios suficientes, portanto, para a instauração de Inquérito Civil, com notícia de possíveis irregularidades, havendo necessidade de se apurar eventual violação de princípios, enriquecimento ilícito ou atos lesivos ao erário”,
concluiu a promotoria.
O inquérito civil é um procedimento meramente investigatório, sem caráter condenatório, com o objetivo de esclarecer os fatos narrados.
“O que é interesse, inicialmente, de toda a sociedade, já que possui impacto no patrimônio que é de todos”,
finalizou o Ministério Público.
O que diz a Câmara Municipal de Campinas?
Em nota, a Mesa Diretora da Câmara Municipal de Campinas afirmou que “a atual estrutura administrativa da Câmara Municipal de Campinas data de 2014, ocasião em que também se promoveu a contratação de consultoria externa”. Segundo a Casa, “passada uma década, uma remodelagem institucional se mostra necessária para acompanhar a transformação, inclusive tecnológica, a fim de manter a eficiência, o atendimento e o planejamento dos serviços públicos disponibilizados para a população”.
Sobre a contratação da Fundação Instituto de Administração, o Legislativo explicou que “a escolha pela contratação de um projeto ofertado pelo mercado, por instituição com expertise em projetos similares ao pretendido, fundou-se na pretensão de se alcançar soluções que permitissem trazer para o órgão as melhores práticas e as mais modernas soluções”. Além disso, conforme a nota, “a contratação de especialistas externos também objetivou acelerar o processo de análise e implementação, pois a contratada estará dedicada exclusivamente ao projeto, ao contrário dos profissionais internos do órgão que cumulariam suas responsabilidades cotidianas”.
A Câmara também destacou o histórico da instituição contratada: “A FIA, criada em 1980 por professores do Departamento de Administração da USP, congrega um seleto grupo de coordenadores que atuam em programas institucionais e desenvolvem projetos de pesquisa, consultoria e educação, em todas as áreas da administração”. Ainda segundo a nota, “há mais de 40 anos, é reconhecida como uma das melhores escolas de negócios em educação executiva e consultoria, com soluções customizadas para organizações dos setores privado e público no Brasil e em vários outros países”.
Sobre o processo de contratação, o Legislativo defendeu que “a norma jurídica brasileira prevê dispensa prévia de licitação para contratação de instituição brasileira que desfrute de inegável reputação ética e profissional, capaz de apoiar, captar e executar atividades de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação”. A Câmara ressaltou que “nesse caso, a FIA já firmou contratos com o Senado Federal, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, a Companhia Paranaense de Energia, a Prefeitura Municipal de Guarulhos, a Prefeitura Municipal de Osasco e ao Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos”.
De acordo com o Legislativo, “no processo de contratação consta uma comparação analítica dos preços praticados em contratos firmados pela FIA. O valor é inferior a todos os contratos apresentados pela Fundação, entabulados no último ano”. A Câmara também reforçou que “vale ressaltar ainda que a contratação por notória especialização é uma prerrogativa na Lei de Licitações número 14.133/21, e que este tipo de prestação de serviço tem um critério de escolha empírico perante os processos convencionais”.
Sobre a antecipação de 30% do pagamento, a Câmara justificou que “a legislação define como possível desde que propicie sensível economia de recursos ou quando representar condição indispensável para a obtenção do bem ou para a prestação do serviço”. Segundo a nota, “a medida resultou em vantagem econômica na ordem de 15% do montante antecipado sem que tal antecipação implicasse na assunção de maior risco para o ente público. Assim, houve sensível economia de recursos”.
A Mesa Diretora também destacou prêmios e reconhecimentos recentes recebidos pela Casa: “A Câmara Municipal de Campinas foi laureada em primeiro lugar no mês de março de 2024 no 4º Prêmio Não Aceito Corrupção na categoria Governança Corporativa com o trabalho intitulado ‘Transparência Pública como Mecanismo de Combate à Corrupção’”. Segundo a nota, “esse projeto, que recebeu o Selo Diamante da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas, também foi o vencedor da 3ª Edição do Prêmio ESG Grupo Tribuna na categoria voto popular”. A Câmara acrescentou que, “no âmbito do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), a Câmara Municipal de Campinas teve seguidamente suas contas aprovadas”.
Por fim, a Câmara assegurou que “está disposta a colaborar com qualquer investigação e preza pela transparência e higidez de seus processos”. A nota conclui afirmando que “a referida contratação foi precedida de regular processo administrativo acessível a qualquer cidadão pelo rito da Lei de Acesso à Informação, o contrato foi publicado em diário oficial e disponibilizado no Portal da Transparência e todos os atos administrativos praticados no curso do expediente que precedeu a contratação foram devidamente motivados e fundamentados”.
O que diz secretário-geral da Câmara, Linconl Carlos dos Santos, citado pelo denunciante?
Em nota, o secretário-geral da Câmara, Linconl Carlos dos Santos, diz que “os elementos que compõem a denúncia são de mera especulação, sem respaldo em fatos concretos. Rejeito de forma categórica qualquer insinuação de articulação pessoal na contratação da FIA”.
Além disso, alega que “todo o processo está sendo tratado com a máxima lisura e transparência, e pode ser acompanhado integralmente no Portal da Transparência da Câmara Municipal de Campinas“. “Em nenhum momento houve qualquer atuação indevida ou direcionamento de minha parte, sendo o processo conduzido de forma técnica e dentro dos princípios da legalidade e da transparência”, argumenta.
Além disso, afirma que “especificamente quanto à diferença de valores entre as propostas analisadas, destaco que a disparidade alegada não faz jus à realidade, pois, dentre as opções apresentadas, houve instituição que ofertou proposta com valor superior ao da contratada”.
Conforme Linconl, “a escolha da FIA se deu com base em seu reconhecido know-how e expertise consolidada na realização de projetos de reestruturação administrativa, destacando-se perante as demais fundações consultadas”.
“Importante salientar que todo o processo de contratação está sendo acompanhado por uma Comissão de Fiscalização composta exclusivamente por servidores efetivos, garantindo a lisura, a transparência e a correta execução contratual”, continua.
“Reforço que a contratação da FIA foi realizada com fundamento legal na notória especialização, nos termos do artigo 75, inciso XV, da Lei nº 14.133/2021, que rege as contratações públicas”, pontua.
“Cabe destacar ainda que a atual estrutura administrativa da Câmara foi definida há mais de 10 anos, e que a presente reestruturação é fundamental para preparar a instituição para os desafios futuros, adequando a organização à expansão das atividades legislativas e deixando um legado sólido para a modernização e evolução da estrutura da Casa Legislativa”, diz a nota.
“Nosso compromisso com a lisura, a legalidade e a transparência é uma marca permanente da nossa gestão, reconhecida nacionalmente através de diversos prêmios, incluindo a conquista do Selo Diamante de Transparência Pública, concedido pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (ATRICON)“, finaliza.
O que diz a Fundação Instituto de Administração?
Entramos em contato com a FIA (Fundação Instituto de Administração), mas até a publicação dessa matéria, não tivemos retorno. O espaço segue aberto para manifestação.
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