As instituições de ensino superior públicas do estado de São Paulo podem passar a ter cobrança de mensalidades, a depender do avanço de um projeto de lei que foi protocolado nesta semana na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). A iniciativa impactaria nos estudantes da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a USP (Universidade de São Paulo) e a Unesp (Universidade Estadual Paulista).
A proposta cria o Programa Siga (Sistema de Investimento Gradual Acadêmico), por meio do qual o estudante receberia um empréstimo, que deveria pagar depois de formado. O projeto de lei foi duramente criticado por educadores, que preveem impactos negativos da medida para estudantes de baixa renda e risco de aprofundamento da desigualdade no acesso à educação.
De autoria do deputado estadual Leonardo Siqueira (Novo), o projeto foi protocolado na última terça-feira (17) e ainda será discutido e analisado pelas comissões da Alesp.
Unicamp critica projeto de lei de cobrança de mensalidades
“Trata-se de uma proposta por demais inapropriada”, reagiu o reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles. Para ele, o projeto desconsidera a garantia constitucional de gratuidade no ensino superior público brasileiro e “não faz jus, de forma alguma, ao papel que as universidades estaduais de São Paulo têm no desenvolvimento econômico e social de nosso estado”.
O reitor lembra que pessoas ligadas à comunidade acadêmica da Unicamp criaram cerca de 1,3 mil empresas – das quais 1.156 estão ativas –, que geraram faturamento de R$ 26 bilhões em 2023. “Os empregos, a renda, a riqueza e os impostos que estas empresas geram significam um imenso retorno do investimento que o estado de São Paulo faz na Unicamp”, pondera o reitor.
“Isso, sem contar nossas ações importantes junto ao setor público, sendo a mais recente o início da instalação, em parceria com as prefeituras da RMC (Região Metropolitana de Campinas), de um radar meteorológico para monitorar eventos climáticos extremos e permitir ações da defesa civil que diminuam os prejuízos destas ocorrências para as pessoas e a região”, acrescenta.
Meirelles lembrou ainda que a universidade se esforça para ampliar a inclusão formando com méritos alunos de baixa renda, provenientes do ensino médio público e de minorias étnico-raciais. “Se há algo que nosso desenvolvimento, nossas empresas privadas e nosso setor público requerem cada vez mais é ciência, tecnologia e inovação. Isso não se faz sem formar gente de qualidade nas universidades e sem o conhecimento que nossas instituições produzem”, argumenta.
“Esse projeto vai contra todo o êxito obtido por nosso estado na construção do principal sistema de ensino superior, de ciência e de tecnologia do país e da América Latina, e que goza de amplo reconhecimento no mundo”, finaliza o reitor.
Para o pró-reitor de graduação da Unicamp, Ivan Toro, a medida é elitista e caminha na contramão das políticas de inclusão, abrindo brechas para o endividamento de estudantes e famílias. “Longe de levar a uma justiça social, esse projeto contribui para a não inclusão das camadas socialmente menos favorecidas da população e coloca um endividamento inaceitável na classe média, sem nenhuma garantia de melhora no ensino superior”, avalia o pró-reitor.
“Tenho a convicção de que os deputados de São Paulo e o governo do estado não vão pactuar com esta medida elitista e desnecessária”, afirma.
A pró-reitora de pós-graduação da Unicamp, Rachel Meneguello, diz ser um engano imaginar que a cobrança de mensalidade conseguirá financiar instituições do porte das universidades paulistas.
“O projeto é mais um exemplo dos retrocessos a que o ensino e a ciência estão insistentemente expostos já há alguns anos. A onda de pressões para cobrança de mensalidade nas universidades públicas e a privatização do ensino são constantes nos setores das elites políticas – e de outros – que não se informam e imaginam que mensalidades financiam instituições de ensino e pesquisa com a envergadura das universidades públicas paulistas”, disse Meneguello.
“Propor esquemas de créditos contratados, juros, correção de empréstimo etc, como prevê o artigo 3º do projeto, são uma afronta aos princípios e às responsabilidades do estado democrático na formação de seus cidadãos no sistema publico de ensino”, continua a pró-reitora.
Para Rachel Meneguello, as universidades públicas paulistas têm cumprido amplamente seu papel na transformação da sociedade brasileira por meio de políticas de inclusão e ações afirmativas voltadas aos alunos oriundos dos segmentos mais pobres da população. “Ademais, é de surpreender que um deputado da Assembleia Legislativa de São Paulo apresente um projeto de lei inconstitucional. Cabe a ele fazer a leitura atenta dos artigos 205 e 206 da Constituição Federal de 1988”, reclama.
Projeto de lei tem chance de avançar?
A expectativa é que as chances do projeto de lei avançar na Alesp são remotas, segundo avaliação da advogada Renata Cezar, especialista em Direitos Sociais à Saúde, Educação e Moradia e coordenadora do setor jurídico da deputada estadual, Monica Seixas.
De acordo com Cezar, o artigo 206, inciso IV da Constituição Federal é claro quando trata da gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. A Súmula Vinculante 12 do STF (Supremo Tribunal Federal) já decidiu que esse tipo de cobrança é inconstitucional.
“O ensino público e gratuito é uma das cláusulas pétreas da Constituição, ou seja, é imutável. Também é importante ponderar que a proposta legislativa é desarrazoada por tentar modificar o sistema definido por norma legislativa superior”, argumenta.
A advogada diz que projetos semelhantes já tramitam na Alesp, em outras casas legislativas do país e no Congresso Nacional – e todos foram barradas na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Essa comissão é a responsável por avaliar a constitucionalidade do projeto para que ele siga ou não em tramitação até a votação. “Não temos preocupação com esse projeto, que certamente será barrado na CCJ da Alesp e não tramitará”, afirmou ela.
*Com informações do Jornal da Unicamp
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