Uma investigação conduzida pelo MPSP (Ministério Público do Estado de São Paulo) apura suposto superfaturamento em contratos de shows financiados por emendas parlamentares impositivas destinadas à Cultura em Campinas. Em alguns casos, os cachês pagos pelos artistas podem ter superado em até 78% os valores cobrados por apresentações semelhantes em outras cidades, indicando um possível desvio de recursos públicos.
Crescimento das emendas e aumento nos custos de contratação
Os valores destinados à Cultura têm mais que dobrado em três anos: de R$ 8 milhões em 2023 para R$ 14,4 milhões em 2024 e, em 2025, chegaram a R$ 19,4 milhões.
Esse crescimento chamou a atenção do MPSP, que instaurou um inquérito para investigar a legalidade e a transparência na aplicação desses recursos. A investigação foca principalmente nas contratações de artistas, que estariam sendo feitas sem licitação e com valores de cachês significativamente superiores aos praticados no mercado.
A portaria que instaurou o procedimento incluiu como investigados os 32 vereadores de Campinas que destinaram verbas para a contratação de shows. A Prefeitura e a Câmara Municipal, no entanto, não eram alvos do inquérito. Com o avanço das investigações, porém, nove emendas parlamentares, vinculadas a cinco vereadores e ex-vereadores, passaram a estar no centro das apurações – mais detalhes abaixo.
Cachês acima do mercado: suspeita de superfaturamento
De acordo com o MPSP, parlamentares teriam indicado emendas para a contratação direta de artistas com cachês superiores a R$ 100 mil, sem licitação. A Promotoria também apura a repetição de grupos e agenciadores específicos contratados com frequência por valores acima da média histórica, o que pode indicar favorecimento e desvio de recursos públicos.
Veja as principais suspeitas que motivaram a abertura do inquérito, de acordo com o MPSP:
- Vereadores indicaram recursos especificamente para a contratação de artistas determinados, com “cachês” de alto valor, alguns deles com preço acima de 100 mil reais, contratados mediante inexigibilidade de licitação;
- Há repetição de contratações de determinados grupos artísticos e determinados agenciadores, por valores vultosos e discrepantes do histórico de contratação, indicando possível favorecimento e desvio de recursos públicos;
- Emendas parlamentares impositivas podem estar sendo utilizado, na área da cultura, para direcionar contratações em benefício de pessoas determinadas, havendo possibilidade de superfaturamento dos preços cobrados, o que pode caracterizar a prática de atos de improbidade administrativa, além de outros possíveis atos ilícitos;
Quais são as emendas investigadas por indícios de superfaturamento?
As emendas parlamentares sob investigação foram assinadas pelos então vereadores Marcelo da Farmácia (PSB), Edison Ribeiro (União), Fernando Mendes (Republicanos), Nelson Hossri (PSD) e Arnaldo Salvetti (MDB).
Na composição da nova legislatura da Câmara Municipal, os vereadores Marcelo da Farmácia e Fernando Mendes não conseguiram a reeleição. Por outro lado, Arnaldo Salvetti, Nelson Hossri e Edison Ribeiro renovaram seus mandatos e permanecem no Legislativo.
Os valores cobrados pelos shows indicados nas emendas chegam a ter diferenças consideráveis quando comparados aos preços praticados em outras cidades. Veja:
Artista | Agenciador | Cachê | Possível sobrepreço | Emenda |
Cleiton e Camargo | Conectshows Promoções e Eventos Ltda. | R$ 95 mil | 78% | Marcelo da Farmácia |
Rastapé | FLS Produções | R$ 75 mil | 7,14% | Edison Ribeiro |
Jefferson e Suellen | LL Villas Eventos Ltda.. | R$ 197.000 | 71,51% | Fernando Mendes |
Alex e Yvan | J.P.R Produções e Eventos Ltda. | R$ 70 mil | 66,66% | Marcelo da Farmácia |
Althair e Alexandre | BR Brasil Eventos Shows | R$ 95 mil | 43,72% | Edison Ribeiro |
Frank Aguiar | Luma P. C. Aguiar Lacerda Produção | R$ 80 mil | 60% | Arnaldo Salvetti |
Marcos Paulo e Marcelo | Portal dos Eventos – Produções Artísticas Ltda. | R$ 85 mil | 30,92% | Marcelo da Farmácia |
Negritude Junior | Roneia Forte Correa | R$ 69 mil | 65,6% | Nelson Hossri e Marcelo da Farmácia |
Léo e Júnior | Ô Lá em Casa Produções Artísticas Ltda. | R$ 95 mil | 5,55% | Nelson Hossri |
Identificação do sobrepreço
O MPSP baseou a análise no levantamento feito pelo Caex (Centro de Apoio Operacional à Execução), que comparou os valores pagos em Campinas com contratos semelhantes firmados por outras cidades em períodos próximos.
No parecer técnico enviado ao Ministério Público, o Caex informou que “localizou alguns pactos realizados pelo município de Campinas com preços, em tese, incompatíveis com contratações realizadas à época por outros municípios”.
Quais medidas foram adotadas?
A partir do levantamento realizado, a promotora Cristiane Hillal determinou, em despacho emitido em março deste ano, uma série de medidas. Veja:
- Solicitou à Prefeitura o envio das cópias dos contratos firmados com empresas e artistas, além de uma justificativa para a discrepância nos valores;
- Agendou uma oitiva virtual com a Secretaria de Cultura para o dia 9 de abril;
- Marcou para o dia 22 de abril os depoimentos dos artistas envolvidos no caso;
Ao instaurar o inquérito, o promotor de Justiça Daniel Zulian recomendou à Prefeitura de Campinas e à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo a suspensão da execução de emendas parlamentares impositivas da Cultura que envolvessem contratação, sem licitação, de pessoas físicas ou jurídicas para eventos com cachês acima de R$ 100 mil.
Como funcionam as emendas impositivas?
Cada vereador da Câmara de Campinas pode destinar até 1,2% da receita corrente líquida do município para projetos específicos. Em 2024, foram apresentadas 655 emendas impositivas ao Orçamento-Programa, sendo 90 destinadas à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo.
A escolha das destinações ocorre no segundo semestre de cada ano, a partir do envio da proposta da LOA (Lei Orçamentária Anual) pelo Executivo à Câmara.
O que dizem os envolvidos?
Prefeitura de Campinas
A Secretaria Municipal de Cultura e Turismo afirmou que está colaborando com o envio de todos os documentos solicitados e que já participou de uma oitiva com o Ministério Público. Reforçou que as indicações partem dos vereadores e que cabe à Prefeitura apenas analisar a documentação e formalizar o processo administrativo.
“A Prefeitura não define os valores dos cachês. O valor a ser pago é estabelecido com base em comprovações de preço praticado nos últimos 12 meses, e o preço final contratado é sempre o menor valor apresentado nesse conjunto. Em todos os casos, os processos observam o limite de R$ 100 mil por ano, conforme recomendado pelo Ministério Público e acatado pela Administração”,
completou.
Ainda, de acordo com a administração, antes da formalização do contrato, os processos passam por uma “rigorosa análise documental”.
“Nem todas as indicações feitas por parlamentares são efetivadas. Muitas propostas não avançam por não atenderem aos critérios técnicos e legais exigidos. Entre fevereiro e março de 2025, foram iniciados 94 processos de contratação, sendo que 78 resultaram em apresentações efetivadas, enquanto os demais foram indeferidos por não cumprirem os requisitos legais”,
afirmou.
Ainda, segundo o Executivo, “a Prefeitura está desenvolvendo uma nova plataforma para substituir o atual portal das emendas”
“A ideia é que o site fique mais intuitivo e acessível para a população e qualquer um que quiser obter informações sobre as emendas”,
concluiu.
Câmara Municipal de Campinas
O Legislativo Municipal informou que as emendas são inseridas diretamente pelos vereadores no sistema da Prefeitura e não passam pela Presidência da Casa, motivo pelo qual os questionamentos devem ser enviados diretamente aos gabinetes de cada parlamentar.
Vereador Nelson Hossri
O vereador informou, por meio de nota, que apoia as investigações conduzidas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e que prestou todos os esclarecimentos necessários à época da abertura do inquérito. Ainda, de acordo com Hossri, as sugestões de artistas a serem contratados pela Prefeitura são provenientes de pedidos de munícipes e comunidades.
“A Prefeitura, em um trabalho criterioso, por meio da Secretaria de Cultura, é a responsável pelos pagamentos, contratações, análise de documentos, verificação de notas, valores de mercado, tipo de contratação, licitação, etc. Portanto, no tocante às minhas emendas, todo o trâmite legal foi devidamente respeitado”,
disse.
Vereador Edison Ribeiro
Em nota, o vereador informou que até o momento não teve conhecimento oficial de “investigação relacionada à destinação de emendas parlamentares impositivas na área da Cultura”.
“A informação mencionada por vocês ainda não chegou ao nosso conhecimento por nenhum canal oficial. Assim que tivermos acesso a mais detalhes sobre o assunto, estaremos à disposição para enviar uma nota oficial a respeito”,
ressaltou.
Conectshows Promoções e Eventos Ltda
A empresa afirmou que o valor cobrado em Campinas considerou custos logísticos e obrigações contratuais específicas da data e local. Rejeitou a acusação de superfaturamento e disse que “cada situação é única”.
“Relacionar situações desiguais como iguais não é correto, cada situação é única, e como dito anteriormente, vários são os requisitos para fechar um valor, como logística, obrigações assumidas, datas, regiões e interesse do artista em conquistar ou estar presente em determinados eventos”,
informou.
Luma P C Aguiar Lacerda Produção
A empresa responsável pelo show do cantor Frank Aguiar informou que todos os trâmites foram feitos conforme a lei e que o valor cobrado se baseou em política interna de precificação, considerando despesas específicas da apresentação em Campinas.
“Importante destacar que não há qualquer relação direta ou indireta entre o responsável pela empresa e agentes políticos do município que influenciasse a contratação. Todas as tratativas ocorreram exclusivamente no âmbito técnico da Secretaria de Cultura. O artista Frank Aguiar, inclusive, já se colocou à disposição das autoridades como testemunha, prestando todos os esclarecimentos necessários”,
completou.
FLS Producoes Artisticas Ltda.
Em nota, a empresa afirmou que não foi notificada sobre o inquérito até o momento.
“Ressalto que a FLS sempre trata de fechamentos de shows da prefeitura através do sistema deles! Até o momento sem notificação, não tenho como te passar qualquer informação”,
disse por meio de uma representante.
Ainda, de acordo com a FLS, a empresa “está sempre disponível tanto a imprensa quanto a qualquer possível investigação”.
“Ficamos somente cientes através de reportagem, e novamente deixo claro, até o momento nada e ninguém notificou qualquer investigação!”,
concluiu.
Outros envolvidos
As empresas LL Villas Eventos Ltda., J.P.R Produções e Eventos Ltda., BR Brasil Eventos Shows, Portal dos Eventos, Roneia Forte Correa e Ô Lá em Casa Produções Artísticas Ltda. foram procuradas, mas não retornaram até a publicação desta matéria.
Também não tivemos retorno do vereador Arnaldo Salvetti e dos ex-vereadores Marcelo da Farmácia e Fernando Mendes. O espaço segue aberto para manifestação.
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