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brasilemundoCoronavírus agiu de forma inesperada e deu um baile na gente, diz diretor clínico do Fleury

Coronavírus agiu de forma inesperada e deu um baile na gente, diz diretor clínico do Fleury

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um ano e dois meses desde o primeiro caso de Covid-19 confirmado em São Paulo, é seguro dizer que a doença mudou em diversos aspectos. Segundo o infectologista Celso Granato, diretor clínico do grupo Fleury, a variante P.1 alterou drasticamente o perfil da doença, com pacientes com exames de sangue alterados, possivelmente relacionados à nova cepa. “Os exames de sangue dos pacientes internados [em março] eram todos alterados, com mais pedidos de hemocultura do que o normal, permanecendo mais tempo em UTI.”
O coronavírus Sars-CoV-2, diz ele, se comportou de maneira inesperada até mesmo para outros coronavírus, como Sars e Mers, responsáveis pelas epidemias em 2002 e 2009. “Batemos na tecla de ‘imunidade de rebanho’ lá atrás e hoje sabemos que foi um erro. Isso não faz sentido com as novas variantes do Sars-CoV-2, é só ver o que aconteceu em Manaus. O vírus deu um baile na gente.”
Para ele, é fundamental fortalecer o SUS, usar a estrutura montada para a Covid e investir na ciência brasileira para outras epidemias futuras. “Precisamos ter mais independência na produção de vacinas e de reagentes para testes diagnósticos. Ficamos muito tempo no ano passado na dependência de importação”, diz.
O médico conversou com a reportagem ainda sobre os desafios impostos pela pandemia para a medicina diagnóstica e sobre os tipos de testes disponíveis.

PERGUNTA – Há um ano, a pandemia da Covid-19 desafiou a medicina, e o que antes parecia ser um vírus causador de síndrome gripal mostrou trazer outros efeitos, inclusive com sintomas persistentes depois da alta hospitalar. Como infectologista, já viu outro caso de uma infecção viral parecida?
CELSO GRANATO – Na minha atuação clínica, como infectologista, um estrago dessa dimensão não vi. A surpresa maior dessa área foi com o vírus da zika [em 2015] e também era algo cuja dimensão só fomos descobrir depois, quando foi demonstrada a associação da microcefalia com o zika.
Para comparação, em 2009 o Fleury chegou a fazer 150 testes por dia para o H1N1 [vírus da gripe suína], e hoje são cerca de 6.000 testes por dia [para Covid], uma diferença enorme em termos de proporção.
Com relação à doença em si, nosso conhecimento mudou muito do início da pandemia para cá. Eu mesmo devo ter falado coisas equivocadas, porque o conceito que tínhamos na época era outro. Nossa referência eram os vírus de Sars e Mers, que eram muito mais letais, então esse tipo de sintoma perene, falta de ar persistente meses após a recuperação, perda de olfato, presença de AVCs e outros sintomas, eram coisas inimagináveis há um ano.
Outra tecla que batemos lá atrás e hoje sabemos que foi um erro foi a tal ‘imunidade de rebanho’ [atingida após um número de pessoas já terem desenvolvido a doença]. Isso não faz sentido com as novas variantes do Sars-CoV-2. É só ver o que aconteceu em Manaus. O vírus deu um baile na gente.

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No começo, a falta de insumos para testes do coronavírus foi um gargalo no Brasil e no mundo. Hoje, não há mais esse problema? Quais são os testes disponíveis no Fleury e qual a indicação de cada um?
CG – Isso evoluiu muito e deixou de ser um problema a partir do momento em que os grandes laboratórios passaram a fazer os próprios testes. Além disso, temos alguns testes chamados de beira de leito [cujo uso é indicado quando o paciente não pode ser removido], o que também é uma vantagem para fazer um teste em uma gestante que chega em uma maternidade ou para uma pessoa que sofreu um acidente e precisa ir para a mesa de cirurgia. Esses pacientes não podem aguardar três dias úteis por um resultado de RT-PCR, eles precisam saber em questão de horas.
Hoje o Fleury tem oito tipos de testes, seis moleculares e dois sorológicos. Os dois sorológicos diferem porque temos um para verificar se a pessoa teve Covid no passado e não sabe —ele é usado também no nosso censo sorológico— e um pós-vacinação, que detecta anticorpos neutralizantes produzidos com a vacina.
Temos um desafio que é não termos encontrado ainda o melhor teste de anticorpos para captar a vacina. Em um estudo nosso, 70% de vacinados tiveram resultado positivo para os anticorpos neutralizantes, mas em 30% dessas pessoas o resultado foi não reagente. Aí perguntam ‘Então não estou protegido? A vacina não funcionou?’ e não sabemos responder. A verdade é que não acertamos o ajuste fino desse teste, a vacina também fornece proteção celular, que é diferente da resposta de anticorpos, e não é detectável.

Do ponto de vista clínico, a doença também parece ter mudado. Como era a evolução e até mesmo a dinâmica dos exames dos pacientes na primeira onda e como é agora?
CG – Se você olhar os dados de março e abril de 2020, os pacientes eram mais velhos, com diabetes, hipertensão, muitas comorbidades. E o perfil epidemiológico da doença começou a mudar aos poucos, com crescimento de casos entre mais jovens e queda entre mais velhos. Passamos a ter menos mortes em agosto e setembro, mas, a partir do último trimestre do ano passado, em um levantamento da área técnica do Fleury, observamos um aumento no Ct dos exames [a carga viral do coronavírus] até cinco vezes maior no início deste ano do que no ano passado, e isso provavelmente é em razão da P.1, porque ela tem uma carga viral maior.

No Reino Unido, já foi confirmada a maior transmissibilidade da variante britânica, mas sua maior letalidade ainda é um ponto sem consenso científico. Temos dados quanto à maior letalidade ou gravidade da variante P.1?
CG – A nossa vivência de laboratório mostrou muito antes o que estava acontecendo em termos de epidemiologia das variantes. Percebemos, em março, que nossos equipamentos que funcionavam um mês sem problemas paravam com uma semana de uso. A primeira ideia era que havia mais testes sendo feitos em cada equipamento, mas esse número não mudou em relação a dezembro, por exemplo. Então a equipe técnica avaliou e descobriu que as máquinas estavam entupindo por excesso de proteína.
As proteínas que causam a coagulação no sangue e podem levar à trombose e acidentes vasculares [por Covid] estavam fazendo o mesmo nas máquinas. Com isso, os exames de sangue vinham todos alterados, como a gasometria, que é um exame para medir oxigenação no sangue. Também começamos a notar mais pedidos de hemocultura [para ver presença de bactérias que podem causar infecções no sangue]. Em um mês, esses pedidos aumentaram mais de 50%. Então a doença de fato mudou neste ano ano, os pacientes estão muito mais suscetíveis a essas infecções hospitalares.

E isso tem relação com a variante P.1?
CG – Não imagino outra razão. Essa observação coincidiu com o final do segundo semestre do ano passado [quando surgiram as novas variantes] e teve um pico na época em que foi divulgado um estudo apontando que, em São Paulo, quase 80% das amostras do vírus sequenciadas eram P.1. Não sabemos ainda exatamente os mecanismos por trás disso, mas esses estudos devem sair em breve.

O sr. tem alguma previsão sobre quando vamos passar da pandemia e o que ela deixa de legado?
CG – Quando a pandemia vai passar depende de duas coisas: vacinação e isolamento social. Já está claro, a partir de outros países que estão progredindo bastante na vacinação, que só vacinar não é suficiente, é preciso manter o isolamento social e as medidas sanitárias até atingir um número grande de vacinados. Quantos? Não sabemos. Há estimativas de 60%, 70%. Por isso, acho que até o final desse ano, começo do ano que vem, ainda vamos ter que manter o isolamento social, e isso é difícil porque as pessoas estão cada vez mais reticentes.
A pandemia vai deixar um legado imenso e espero que nós, como sociedade, aproveitemos isso. Aprendemos muitas lições quanto ao convívio em sociedade, teletrabalho, vivência em cidades. E essa não é a última pandemia, infelizmente. Em algum momento outro vírus vai surgir, no mínimo uma gripe, e por isso é importante ter esse conhecimento. O esquema já está pronto.
Precisamos fortalecer o SUS, porque não podemos pensar que só com a iniciativa privada é suficiente, são serviços complementares. Precisamos ter mais independência para produção de vacinas e de reagentes para testes diagnósticos. Ficamos muito tempo ano passado na dependência de importação. Precisamos aproveitar essa transferência de tecnologia que o Butantan e a Fiocruz vão ter para novas vacinas. Temos várias doenças respiratórias que causam mortalidade infantil; se a Fiocruz puder fazer uma vacina de RNA para esses vírus será um salto gigante.

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Raio-X
CELSO GRANATO, 66
É infectologista e diretor clínico do Grupo Fleury. Graduou-se em medicina na USP e fez residência médica no departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas. Foi pesquisador associado na Universidade de Hamburgo (Alemanha), na Universidade Alexis Carrel (França) e na Universidade Cornell, em Nova York (EUA). Tem doutorado em infectologia pela Unifesp e, desde 2004, é professor livre-docente na mesma instituição. É pesquisador associado do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (IMT-USP).

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