BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Depois de bloquear qualquer negociação entre o ministro Paulo Guedes (Economia) e a oposição, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), buscou os partidos de esquerda para tentar chegar a um acordo que viabilize o projeto que muda o Imposto de Renda.
A ideia é negociar um dos pontos defendidos pelas duas partes: a taxação de dividendos. Em evento da XP Investimentos na manhã desta terça-feira (24), Lira disse que o texto não seria votado nesta semana e informou ter mudado de estratégia com o objetivo de aprovar a proposta.
“Estamos conversando com quem tem interesse em aprovar dividendos no Brasil”, disse, acrescentando que também negocia com estados e municípios. “No Brasil, taxar dividendos talvez seja a coisa mais difícil do mundo. Não é uma discussão fácil.”
Inicialmente, os partidos de esquerda defendiam uma alíquota progressiva para taxação de dividendos. Com isso, empresas com lucro menor seriam menos tributadas. No entanto, algumas legendas passaram a concordar com a alíquota única de 20%.
“A ideia inicial era uma alíquota progressiva, mas cada um tem a sua própria proposta. A alíquota única simplifica e permite taxar dividendos. Por isso, o PDT está apoiando”, afirma o deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE).
Segundo ele, as discussões com o presidente da Câmara buscam, entre outras coisas, encontrar pontos em comum para equilibrar as perdas que estados e municípios calculam sofrer com o texto do relator Celso Sabino (PSDB-PA).
Até o momento, segundo parlamentares que acompanham as discussões, a perda estimada para os entes federados já teria recuado de R$ 16 bilhões para cerca de R$ 6 bilhões.
Os estados, por sua vez, ainda calculam uma perda de R$ 14 bilhões para eles e municípios, mas cerca de metade disso é visto como justificável por parte dos entes (porque se refere a perdas com a atualização da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física).
No evento da XP, Lira sinalizou apoio à tentativa de reduzir a faixa de isenção para a taxação de dividendos na proposta, contam com o benefício as que faturam até R$ 4,8 milhões por ano.
“Não há como você dizer que não há uma pejotização escondida no Brasil, que isso não é uma válvula de escape”, disse. Ele traçou paralelo entre o caso de um médico que fature R$ 400 mil por mês e que estaria isento da tributação de dividendos parte do lucro distribuída a acionistas e o de um assalariado que receba R$ 6 mil e precise pagar 27,5% de Imposto de Renda.
Benevides Filho afirma que a discussão caminha para reduzir essa isenção. “A gente pode diminuir esse valor para encontrar mais uma fonte de recursos e diminuir esse valor. Tem que trabalhar o texto”, afirmou o deputado. “Estamos tentando encontrar um denominador comum, que seja bom para melhorar a justiça fiscal brasileira.”
Líder do PSB na Câmara, o deputado Danilo Cabral (PE) afirmou que a pauta da reforma tributária avançou. “Nós temos questões importantes que estão sendo contempladas, como a mudança na tabela do Imposto de Renda, ampliando as faixas de isenção. A taxação de lucros e dividendos, contemplando inclusive uma proposta da bancada do próprio PSB, é uma bandeira histórica das esquerdas.”
Ele afirmou, porém, que há incertezas a serem esclarecidas sobre a possibilidade de perdas de recursos por estados e municípios em razão das alterações na tabela do Imposto de Renda e da pessoa jurídica. “É importante que essas dúvidas sejam dirimidas para que a gente avance num consenso, se é que é possível, em torno da proposta que foi apresentada.”
Desde a semana passada, a equipe econômica tem afirmado que a reforma no Imposto de Renda depende de um acerto na área política. O time de Guedes aguarda a viabilidade de um texto enquanto o Palácio do Planalto participa das negociações.
Conforme mostrou o jornal Folha de S.Paulo, Guedes chegou a ensaiar retirar o projeto em meio às preocupações com o futuro do texto. Mas o movimento causou a reação de Lira, que quer ver a proposta aprovada.
Lira, no entanto, foi avisado por auxiliares palacianos que, se o projeto mudar mais, o governo não terá como apoiá-lo e que o texto poderia ser de fato retirado do Congresso.
No final de semana, interlocutores do Planalto discutiram a possibilidade de textos alternativos, mas a conclusão é de que o relatório de Sabino já está no limite.
Se mexer mais, por meio de PECs para estados e municípios, a reforma ficará onerosa demais para a União.
Nesta terça-feira (24), Guedes recebeu representantes do Comsefaz (comitê de secretários estaduais de Fazenda). Eles pedem que a reforma no Imposto de Renda não retire recursos do FPE (Fundo de Participação dos Estados) consequência decorrente do mais recente substitutivo em discussão.
“Manifestamos que nossa preocupação com a reforma do Imposto de Renda é a manutenção do FPE, tem que haver a compensação. Qual o mecanismo [para atingir essa meta] é indiferente”, afirmou Rafael Fonteles, presidente do Comsefaz.
Para os secretários estaduais de Fazenda, no entanto, o grande objetivo é fazer uma reforma tributária mais abrangente. Hoje, o caminho mais viável para essa estratégia é a PEC 110 (que tramita no Senado e funde tributos federais, o estadual ICMS e o municipal ISS).
Eles mudaram a proposta de modo que não haja mais um fundo abastecido pela União o que era a principal crítica de Guedes nas discussões. O IVA Dual teria agora uma parte dos recursos destinados a estados e municípios e outra parte ao governo federal, eliminando também a necessidade de um conselho tripartite para gerir os recursos.
“Eu diria que a probabilidade de um acordo nunca foi tão alta quanto agora”, afirma Décio Padilha, secretário de Fazenda de Pernambuco que participou das reuniões desta terça. A proposta também foi alinhada no fim da tarde com o senador Roberto Rocha (PSDB-MA), que deve apresentar um relatório sobre a reforma ampla ainda nesta semana.
Guedes rechaça a reforma ampla, mas sinalizou na semana passada que pode entregar uma proposta em 30 ou 60 dias desde que não envolva mais repasses da União para estados e prefeitos e outras condições.
As discussões prosseguem enquanto, na iniciativa privada, mais de 60 entidades se posicionam de forma contrária à pressa observada na tramitação do projeto de Imposto de Renda. Entre elas, estão a Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), Cebrasse (Central Brasileira do Setor de Serviços), CNS (Confederação Nacional de Serviços), Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos) e SRB (Sociedade Rural Brasileira).
Elas reclamam de falta de transparência, de interdição do debate e de aumento da carga tributária. “É inoportuna a apreciação de forma açodada, sem debates nas comissões permanentes, em que especialistas poderiam expor seu entendimento, e com votação em um plenário virtual, de um projeto que altera profundamente a bem-sucedida estrutura de imposto de renda brasileiro”, afirmam em manifesto.