Terceiro a assumir o comando da Petrobras no governo atual, o engenheiro José Mauro Coelho defende a política de preços da estatal e nega qualquer pressão de Jair Bolsonaro para alterar essa rota. “O presidente não me pediu absolutamente nada específico. Só pediu para eu conduzir a companhia”, disse Coelho ao Estadão.
Em sua primeira entrevista exclusiva, Coelho deixa claro que enxerga como pacificadas as discussões em torno dos reajustes de combustíveis. “Acho que o presidente já entendeu muito bem a questão de preço de mercado”, diz. Segundo ele, é injusto culpar a estatal pela alta nos postos. No cargo há menos de 20 dias, o executivo já identificou que o principal desafio à frente da estatal será melhorar a comunicação da empresa com a sociedade. A seguir, os principais pontos da entrevista:
Como é chegar à Petrobras com o mercado de petróleo bastante volátil e os preços dos combustíveis em alta?
Esse cenário internacional é bastante desafiador. Ainda temos dois fatos que afetam bastante o mercado de energia, (um deles) que é a questão da própria pandemia da covid, com a gente vendo lockdown na China que está aumentando. Às vezes, a gente tende a dizer que a covid já passou, mas ainda tem uma participação importante da pandemia e, claro, tem outro fator muito importante, o conflito entre Rússia e Ucrânia.
Como esses fatos atingem o mercado brasileiro?
Esses conflitos para o mercado de energia são muito importantes. A Rússia era uma das principais fornecedoras de petróleo, gás natural e diesel para a Europa, e essas sanções impostas à Rússia afetam muito o mercado internacional, afetam o mercado de diesel.
Ex-presidentes da Petrobras receberam mensagens de Bolsonaro reclamando dos preços dos combustíveis. O sr. já recebeu mensagem relacionada a preços?
O presidente Bolsonaro não me pediu absolutamente nada específico. Só pediu para eu conduzir a companhia. É o que estamos fazendo. Não tem uma questão relacionada a preço dos combustíveis, nada disso. Claro que tem uma questão que eu diria que é minha mesmo, de melhorar a comunicação. Acho que isso é fundamental. A população tem de entender que, da mesma maneira que o pãozinho aumenta, o óleo de soja bateu quase R$ 16 o litro, o tomate e a cenoura… nem se fala, assim é o petróleo.
Mas eles receberam mensagens de WhatsApp quando reajustavam o preço.
O presidente já entendeu muito bem a questão de preço de mercado. Li uma reportagem recente em que o presidente fala claramente assim: ‘O governo tem de ter soluções para os preços dos derivados’. Ele colocou perfeitamente ali. O governo precisa criar os mecanismos e instrumentos para (minimizar os efeitos de) casos de aumento de preço dos combustíveis em momentos atípicos como este que vivemos.
O sr. chega com o planejamento estratégico já feito. Ele vai ao encontro do que o sr. acredita?
O planejamento estratégico 2022-2026 está em linha com o que acreditamos. Primeiro, acreditamos no livre mercado, na livre concorrência. Isso é um ponto importante.
Estamos há mais de 50 dias sem reajuste de preço. Isso inibe a atratividade do refino brasileiro?
Não, essa questão está relacionada ao preço dos combustíveis, estamos em um momento de extrema volatilidade. O preço do (petróleo) Brent vai a US$ 130, depois abaixa para US$ 100, fica altamente volátil, e o câmbio também está volátil. Acompanhamos a questão do preço dos combustíveis diariamente e, claro, dentro da nossa política de preços. Entendendo que não podemos ficar passando essas volatilidades, conjunturais, acompanhamos tudo isso e, no momento certo, faremos o reajuste.
Há necessidade de reajustar o diesel e a gasolina por esses dias?
A gente está analisando, a gente trabalha diariamente olhando isso. Estamos preocupados com a questão da volatilidade dos preços e, no momento correto da companhia, vamos fazer o reajuste sem nenhum tipo de problema, para cima ou para baixo.
Os últimos presidentes da Petrobras foram criticados exatamente por fazer reajustes. Isso o preocupa?
É muito claro para a Petrobras e para o governo que, como empresa de capital aberto, listada em Bolsa, e por conta de toda legislação existente interna e externamente, a Petrobras deve praticar preços de mercado. A Petrobras hoje é uma empresa extremamente saudável do ponto de vista financeiro. Nem sempre foi assim. Em 2014, tinha uma dívida de US$ 160 bilhões por causa de uma política equivocada, uma política relacionada a preços de combustíveis. A empresa foi saneada e hoje é robusta e resiliente financeiramente.
A preocupação do governo com o rumo dos preços não pode interferir na política da Petrobras?
A Petrobras tem de praticar os preços de mercado e, por outro lado, é legítimo o governo federal se preocupar com os preços elevados de combustíveis. Isso acontece em todo o mundo. Vemos os Estados Unidos e a Europa preocupados com o preço elevado. É legítimo. E por quê? Porque o preço elevado dos combustíveis afeta toda a economia. Um ponto que quero deixar claro é relacionado ao preço, dando o exemplo da gasolina. O preço médio da gasolina hoje é de R$ 7,27 por litro, e note que a parte da Petrobras nesse total é de R$ 2,84, ou 39% do preço da gasolina para o consumidor.
Quais os outros fatores que compõem o preço?
Existem várias outras parcelas que compõem a gasolina, no caso o etanol anidro, que é adicionado, os tributos federais, as margens de distribuição e revenda e uma das parcelas mais importantes é a do tributo estadual (ICMS), que na média do Brasil significa R$ 1,73 por litro, ou 24% do preço que chega para o consumidor. E isso é uma média, pode chegar a 34%. No caso do imposto federal, está zerado no diesel até 31 de dezembro e no Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), zerado indefinidamente.
Seu antecessor fez vídeos tentando explicar, mas a população não absorvia, e o governo também não.
O governo, como o acionista majoritário, faz as mudanças no momento em que acha necessário, quando precisa de outro perfil. A minha visão é de que é legítima a preocupação com os preços elevados de combustíveis. A Petrobras vai praticar preço de mercado, e o governo está buscando alternativas para que esses aumentos de preços impactem menos o cidadão brasileiro.
O sr. foi indicado pelo atual governo, e estamos a poucos meses das eleições presidenciais. Se o sr. saísse em 2023, o que gostaria de deixar como legado de sua gestão?
Há alguns pontos importantes. Não é uma crítica a nada, é perfil, cada um tem seu perfil. Em termos de planejamento estratégico, estou muito alinhado (com a antiga gestão). Um legado importante que temos de deixar é a questão da comunicação.(…) O povo brasileiro tem de entender esse assunto complexo do petróleo até pela importância que a Petrobras tem. Essa comunicação é fundamental.
Vão ampliar a publicidade?
Claro que a grande mídia é importante. (….) Mas tenho incentivado muito o nosso pessoal aqui a trabalhar com redes sociais. O pessoal já falou que estou muito ativo na rede social. Esse é um movimento importante. É onde a população está hoje, ela entende essa mídia. Temos de nos comunicar nessa mídia. Tenho incentivado. Quer se comunicar com a população? Tem de estar no LinkedIn, no Instagram, no Twitter.
O discurso de que o petróleo estava no fim do ciclo ficou mais distante? Ou não está com os seus dias contados?
Continuo acreditando que ainda por muito tempo vamos continuar precisando do petróleo na matriz energética mundial. Até porque petróleo não é só combustível, petróleo tem uma utilização vastíssima em toda a economia mundial. Ficou muito claro no conflito entre a Rússia e a Ucrânia que a transição energética deve ser feita com segurança energética.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.