TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) – Arthur Nory vislumbrou tanto a chance de brilhar nas Olimpíadas de Tóquio que até buscou aprender japonês. O ginasta sonhava em dar entrevista na língua dos seus ancestrais após comemorar uma segunda medalha olímpica na carreira.
Nada disso, porém, acontecerá, por causa de seu desempenho na classificação deste sábado (24). Na barra fixa, aparelho em que foi campeão mundial em 2019, ele terminou a segunda sessão de apresentações na 11ª posição e ficou fora da final (com os oito melhores) antes mesmo de mais quatro equipes completas se apresentarem.
Também teve performances ruins no salto e no solo (em que conquistou o bronze na Rio-2016), encerrando a participação olímpica com uma queda.
Da expectativa para a realidade, Nory voltou a ser alvo nos últimos dias de uma onda de críticas e ataques virtuais. O motivo é o mesmo desde 2015, quando ele publicou um vídeo em que aparece com colegas da seleção fazendo comentários de cunho racista direcionados ao ex-colega Angelo Assumpção.
A lembrança do episódio ressurgiu com mais força em agosto do ano passado, após o Esporte Clube Pinheiros rescindir contrato com Angelo. Os motivos foram alheios às ofensas de Nory, mas fizeram com que, cinco anos depois, o ginasta decidisse finalmente abordar o assunto em entrevistas.
“Entendo que cometi um erro, um erro inaceitável, e fui atrás para entender o que é o racismo, o que é um racismo estrutural, o que é o racismo recreativo que é mascarado em piada”, afirmou.
Ele pensava que a decisão de falar sobre o tema publicamente ao menos reduziria a recepção negativa que recebe nas redes sociais, mas isso não ocorreu. As menções o chamando de racista e dizendo que torcerão contra sempre crescem quando ele ganha visibilidade em competições, como agora, às vésperas das Olimpíadas de Tóquio.
Já em solo japonês, em meio à preparação, Nory decidiu tentar se antecipar e responder aos xingamentos e críticas das redes antes que a história tomasse maior proporção.
Não deu certo, e ele foi questionado sobre o tema após a prova deste sábado.
“Eu sempre tive muito medo, desde o episódio de racismo. Medo de falar, de me assumir, medo de tudo. Fico sempre muito acuado, ‘não, vou pôr o sorriso no rosto, vou ser esse Nory’, e nesses últimos períodos isso veio muito forte. Mas até no momento em que você desabafa, assume, ainda vem muita paulada, e veio muito agora”, disse a jornalistas na zona mista após a participação neste sábado.
“Tenho certeza que agora muita gente está vendo, falando. É importante esse momento que tenho de visibilidade para desabafar e falar. Toda vez que apareço isso volta e [depois] abafa, então vamos falar sobre isso.”
Diante da sua apresentação muito abaixo do nível ao qual está acostumado, ele foi questionado sobre quanto todo esse turbilhão se refletiu no desempenho. Mas afirmou que não houve interferência e atribuiu a eliminação a outros fatores. “Isso não foi empecilho pra mim. Foi um ano bem difícil, tive burnout, depressão, tive que parar um tempo, voltar de novo, focar na barra. Foi puxado.”
O ginasta também chegou para as Olimpíadas de Tóquio com uma preparação que não foi a ideal em razão da pandemia. Ele ficou meses sem competir e voltou a disputar provas apenas pouco antes de os Jogos começarem.
Pessoas próximas ao atleta disseram que a repercussão negativa do último vídeo que gravou sobre o episódio com Angelo abalou Nory. Muito ligado nas redes sociais, ele ficou desconcentrado e teve dificuldade para focar nos treinamentos.
Na barra fixa, prova em que foi campeão no Mundial de Ginástica de 2019, ele viu erros de dois de seus adversários mais fortes, o japonês Kohei Uchimura (bicampeão olímpico no individual geral) e o holandês Epke Zonderland (campeão olímpico na barra fixa), o que em tese aumentaria as chances de subir ao pódio.
Mas antes era preciso se garantir na final. Ele chegou a comemorar o desempenho na prova deste sábado ao aterrissar, possivelmente por ter acertado uma pirueta nova em sua série, ou para passar uma impressão mais positiva aos juízes.
Porém, logo depois, quase chorou e foi consolado pelos companheiros. Erros de execução e na saída renderam a ele apenas 14,133 pontos e uma eliminação precoce.
NOTÍCIAS BOAS E RUINS
O resultado da classificação da ginástica artística masculina ficou abaixo do esperado para o Brasil. A equipe formada por Arthur Nory, Caio Souza, Diogo Soares e Francisco Barreto somou 247,263 pontos e está na sétima posição entre as oito que se apresentaram.
Muito dificilmente chegará à final, como fez na Rio-2016, porque para que isso aconteça poderá ser ultrapassada por no máximo uma equipe entre as quatro que ainda se apresentarão na última sessão: EUA, Alemanha, Coréia do Sul e Taiwan competem a partir das 7h30.
Devem pegar finais individuais Arthur Zanetti (terceiro até o momento nas argolas), Caio Souza (quarto no salto e 13º no individual geral, sendo que 24 se classificam) e o novato Diogo Soares (22º no individual geral, mas como cada país só pode classificar dois, ele melhorará sua posição).
“Agora estou aqui para torcer como equipe e ajudar os meninos. Caio e Diogo em sua primeira Olimpíada e Zanetti pronto pra fazer história”, declarou Nory.