SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Por quase um ano, a jogadora de handebol Elaine Gomes, 29, não viu a cor do salário e, ao mesmo tempo, foi impedida de exercer a sua profissão. Não podia sequer treinar.
Em novembro de 2019, assim que desembarcou no Japão com a seleção brasileira para o Campeonato Mundial, a cearense, de Fortaleza, conectou o celular à internet e soube, através de mensagens, que estava suspensa por doping.
Campeã mundial em 2013 e em busca do bi com a seleção, Elaine não podia nem mais seguir com a delegação para o hotel. A presença dela na concentração renderia sanções à equipe brasileira.
“Foi como uma voadora, um nocaute, um golpe muito pesado. Primeiro, receber essa notícia: ‘jogadoras do time Corona Brasov são pegas no doping’, com fotos estampadas em sites. Depois, não podia nem treinar com a seleção, participar do Mundial”, diz Elaine Gomes em entrevista à reportagem.
Até então, a jogadora tinha pouca noção da gravidade ou de tudo o que viria pela frente. A brasileira e as demais 16 atletas do Corona Brasov, time de handebol da Romênia, foram suspensas preventivamente, no dia 19 de novembro de 2019, por causa de um tratamento a laser no sangue.
No dia seguinte, a Confederação Brasileira de Handebol (CBHb) emitiu um comunicado no qual dizia que a pivô havia sido desligada da seleção.
O procedimento intravenoso para auxiliar na recuperação física, realizado em outubro daquele ano, fere as regras da Wada (Agência Mundial Antidoping).
As jogadoras, no entanto, não suspeitaram de algo ilícito pelo fato de a aplicação ter sido recomendada pelo próprio médico do clube, Marius Capra, e realizada com todo o elenco. A colega de time Cristina Laslo, inclusive, postou foto do tratamento nas redes sociais.
Suspensa preventivamente, Elaine deixou a Romênia e voltou para Fortaleza no fim de 2019. Segundo ela, não recebeu nem o último salário integral e a ajuda financeira prometida pelo clube romeno enquanto durasse a punição.
“Disseram que, depois de 30 dias, nos pagariam, e não foi feito nada”, recorda. “Chegou uma hora que não tinha de onde tirar [dinheiro]. Tive que me readaptar, deixei o carro para trás e voltei a morar na casa da minha mãe.”
Até o final do primeiro semestre de 2020, Elaine lembra que a conta poupança havia se esvaído e quase ficou inviável de seguir uma dieta regrada.
Em Fortaleza, a atleta começou a ministrar palestras em bairros da periferia para a Rede Cuca, que oferece gratuitamente atividades esportivas e culturais aos jovens, além de cursos de formação. Também passou a ensinar crianças, de forma voluntária.
“A conversa com eles me deixou ainda mais apegada ao handebol. Me dava motivação e alegria”, conta a pivô.
Além das perdas financeiras, Elaine sentia-se frustrada e injustiçada com a suspensão. “Parecia que cometi um crime, os caras ferraram comigo e eu precisava de um julgamento que foi adiado várias vezes.”
Elaine apegou-se à família, à história de vida e superação de sua mãe, Lúcia, e conseguiu contar com uma rede de apoiadores. A começar com o auxílio da psicóloga Ísis Paixão e do coach Oliveira Neto, além de ajuda informal dos preparadores físicos Ricardo Forte, em Fortaleza, e Fausto Steinwandter, da seleção brasileira, e da fisioterapeuta Jéssica Rocha, também da seleção.
“Teve dias em que não queria conversar com ninguém, não me via mais a pessoa que sou, alegre, mas tenho uma fé em Deus. Tanto que alguns dizem que sou louca. A Ísis e o Oliveira me ajudaram muito a manter minha cabeça de atleta, mesmo sem treinar e estando na merda”, conta Elaine.
No dia 24 de março de 2020, o Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciou o adiamento dos Jogos de Tóquio para este ano, o que fez Elaine sonhar novamente em defender o Brasil.
Dias depois, ela escreveu um email para os assessores de imprensa Lívia Mendonça e Felipe Costa Barros pedindo ajuda, e conseguiu.
“Expliquei tudo o que estava acontecendo comigo e a minha esperança de brigar por uma vaga na Olimpíada. São parcerias onde renasci, pessoas que me ajudaram a encontrar a Elaine Gomes, campeã mundial e Pan-Americana”, conta a pivô.
Em junho do ano passado, saiu a sentença, e Elaine foi condenada a 16 meses de suspensão, enquanto o médico romeno recebeu um gancho de quatro anos. A jogadora conseguiu reduzir a sua pena para nove meses e, com isso, ficou livre para voltar ao handebol a partir de agosto de 2020.
Sob desconfiança, a campeã mundial assinou contrato com o modesto Granollers, da liga espanhola, e estreou em janeiro deste ano. “Foi um recomeço bem difícil e sem ritmo, mas muito importante. Perdi peso, baixei o meu percentual de gordura [de 22%] para 13% e voltei a sonhar com Tóquio novamente.”
As atuações pelo time espanhol lhe renderam convites de outros clubes europeus. A brasileira assinou contrato por três temporadas com o CS Minaur Baia Mare e voltará a jogar na Romênia.
Antes de vestir a camisa da nova equipe, a pivô almeja confirmar sua vaga na equipe brasileira em Tóquio. “Quando achava que estava acabada, alguém me trazia uma palavra positiva, um anjo sussurrava em meu ouvido de que a quadra era o meu lugar. Sempre tive uma esperança muito grande de voltar ao Japão.”
Elaine está entre as 21 atletas pré-convocadas para a Olimpíada. A equipe treina neste mês em Portugal e, em julho, fará três amistosos na Hungria (um teste no dia 7, contra Montenegro, e dois diante da equipe húngara, que devem ser realizados entre 9 e 12 de julho).
O técnico do Brasil, o espanhol Jorge Dueñas, tem até o dia 13 para anunciar os nomes das 14 atletas que vão ao Japão. “Esta Olimpíada, para mim, é um propósito”, completa a cearense.