Campeão mundial de surfe em 2015, Adriano de Souza, o Mineirinho, está curtindo a vida de aposentado. Está com mais tempo para a família e até disputou duas etapas da divisão de acesso do Circuito Mundial neste mês, em Florianópolis e Saquarema, mas em 20 anos foram as primeiras vezes que colocou sua lycra de competição sem ter pressão por resultado. “Minha vida mudou drasticamente”, contou ao Estadão.
Nesta entrevista exclusiva, ele fala com tem sido sua vida desde que decidiu parar de disputar o Circuito Mundial de Surfe, fala sobre o crescimento da modalidade no Brasil e ainda revela seus projetos para os próximos anos, que inclui disputar o Circuito Brasileiro Profissional e ficar mais perto dos seus fãs para, ao final de 2022, deixar o uniforme de competidor de lado definitivamente. O surfista acabou de lançar um mini documentário sobre sua trajetória chamado O Capitão e a Tempestade e conta um pouco de suas façanhas em cima da prancha.
Como está sendo essa vida de “aposentado”?
Está sendo muito legal ao ponto de eu ter espaço para aproveitar minha esposa e minha família. Nesse aspecto está maravilhoso. Os campeonatos sempre foram um norte para mim, tinha de seguir nisso até agosto deste ano. Assim que acabaram os eventos me senti um pouco perdido, pelo fato de estar 20 anos dessa vida dentro desse barco. Mas aí comecei a focar na família, que está sendo meu norte. Sinto que diversas outras mil portas começaram a se abrir, no surfe, convites para ser coach de atletas, mas aparentemente descartei essas possibilidades neste momento. No ano que vem quero fazer o Circuito Brasileiro Profissional para depois me despedir de uma vez por todas.
O que mudou na sua rotina?
Nossa, tudo mudou drasticamente. Dois anos atrás fui diagnosticado com burnout. Foi meu despertar, pois estava vivendo algo intensamente. Aí decidi encerrar minha carreira no Circuito Mundial. Esse ano saí de casa em fevereiro e voltei só no final de agosto. É muito puxado. Meu maior desejo era competir bem e finalizar a carreira dentro do top 20, e alcancei esse objetivo. Acabei em 15º lugar, deixando uma mensagem para mim mesmo que saí por decisão minha, pela cabeça não acompanhar o corpo.
Você disputou agora uma etapa do QS. Como foi para você essa experiência de não ter pressão por resultado?
Eu até senti uma ansiedade. Comecei a malhar mais, surfar mais, e por um lado foi excelente em termos de saúde, de qualidade de vida. Quando me aposentei não tinha obrigação de acordar cedo, treinar, ter vida de atleta de verdade. Agora voltei um pouco no trilho, mas estou fora da elite, fora de foco. Está sendo bacana e nunca na minha vida entrei dessa forma em uma competição, como chegar para o evento em cima do laço. Eu chegava duas ou três semanas antes, preparava o equipamento. No dia do campeonato eu fui para lá e competi. Perdi, senti a tristeza, mas automaticamente já fiquei bem de novo, sabia que não estava preparado para isso. Fui com minha experiência e vivendo realmente a vida de aposentado. Sei que está sendo bom para o público, a galera tirou foto comigo, recebi muito feedback nesse aspecto.
Você ficou conhecido por abrir as portas para o surfe brasileiro. Que portas ainda precisam ser abertas?
O Gabriel (Medina), desde que foi campeão, foi um cara que arrombou as portas. Eu já estava ali há tantos anos, ele deixou a porta aberta para ser explorada, agora que eu vejo a nova geração que está por vir vai ter muito trabalho para superar os números atuais. Quando entrei, era o terceiro lugar do Victor Ribas o melhor resultado da história. Sabia que era algo atingível. Hoje é ganhar quatro títulos mundiais.
Essa etapa que você participou em Florianópolis teve vitória da Laura Raupp, uma revelação feminina, e a Bela Nalu e Sophia Medina chegaram longe também. Todas são adolescentes e estão em formação no surfe. Acho que o Brasil pode ter uma quantidade maior de mulheres disputando títulos em breve?
A Jaque (Silva) e a Silvana (Lima) deixaram bom legado e boas impressões, da mesma forma que Fabio Gouveia, Teco Padaratz, Victor Ribas e Peterson Rosa deixaram legado bacana. A vida é feita de ciclos e atletas deixam suas marcas e outros tentam superar. As marcas do Senna na F-1 ou do Guga Kuerten no tênis ainda não foram superadas. Então os novos atletas precisam ultrapassar essas barreiras, para que sempre a gente tenha ídolos para seguir, bons exemplos dentro do esporte. As marcas que a gente deixa estão aí para serem batidas.
Existe uma boa geração brasileira no surfe vindo aí?
Essas meninas vão dar alegria no futuro, pode apostar. E tem o Samuel (Pupo), Mateus (Herdy) e o João (Chianca). A gente torce para que venham com muita força pois essa dominância brasileira do momento é sensacional.
Quais são seus planos para o futuro?
Eu ainda estou vivendo esse momento de aproveitar, mas chegará a hora que vou ter de olhar de verdade para o futuro. Acho que será em 2023. No próximo ano vou competir no Circuito Brasileiro Profissional. Quero viver o Brasil, é algo que não fiz, pois a última vez eu tinha 15 anos. Finalizar minha carreira aqui será muito bacana e tomara que eu termine no top 10.
Você entrou no Circuito quando os surfistas do Brasil praticamente não eram tão respeitados no meio e deixou no momento que o País é hegemônico. Fica a sensação de dever cumprido?
Sim, e é maravilhoso. Se eu pudesse desenhar uma carreira de atleta, a minha sem dúvida vai ficar na memória de muita gente. No futebol, o Neymar é o cara que a gente olha hoje, mas quem deixou um legado maior foi o Pelé. Eu não vi o Pelé jogar, mas as marcas estão lá. Muitos não me viram surfar, mas minhas marcas estão lá.