Passada a fase mais crítica da pandemia de covid-19, os principais clubes do futebol brasileiro podem comemorar uma melhora em suas finanças. Estudo realizado pela consultoria EY, obtido com exclusividade pelo Estadão, mostrou um cenário econômico favorável de 2021 em relação a 2020, ano em que quase todas as partidas foram disputadas sem público nos estádios. Juntas, as agremiações atingiram a maior receita da história: R$ 7,1 bilhões, aumento de 35% em comparação de um período para o outro.
O relatório, feito com base nas demonstrações financeiras divulgadas pelos clubes nas últimas semanas, utilizou 25 equipes como objeto de estudo. Foram considerados os times bem colocados no ranking nacional da CBF, 17 que disputaram a Série A do Campeonato Brasileiro em 2021 e oito que jogaram a segunda divisão.
A maior receita já registrada na história do futebol nacional é resultado do arrefecimento da pandemia, que permitiu que os clubes voltassem a arrecadar com a bilheteria proveniente da presença dos torcedores nas arquibancadas e com o programada de sócio-torcedor, mas também de um detalhe importante: a temporada de 2020 só terminou em 2021, com os jogos finais do Brasileirão, Libertadores e Copa do Brasil. Assim, parte da arrecadação veio com atraso. Pertencia a 2020, mas foi contabilizada em 2021.
“Quando olhamos para as receitas de 2021, existem uma parte da premiação e até de direitos de transmissão referentes à temporada de 2020, das finais dos campeonatos que ocorreram em 2021. A gente vê que 50% da receita total dos clubes vem dessa fonte de receita”, constata Pedro Daniel, diretor executivo para o mercado esportivo da EY.
Sem considerar o dinheiro relativo às transferências de jogadores, a arrecadação dos clubes brasileiros em 2021 foi de R$ 5,7 bilhões, valor 68% mais alto em relação ao ano anterior. Esse quantia advinda da transferência de atletas apresentou redução nas receitas totais dos clubes, caindo de 30% para 20%.
As maiores fontes de receita dos clubes no ano passado foram direitos transmissão de TV e premiações (R$ 3,5 bilhões), transferência de jogadores (R$ 1,4 bilhão), patrocínio (R$ 1,1 bilhão) e matchday (R$ 613 milhões). O matchday (dia de jogo) tem sido uma nova fonte de arrecadação para os clubes. Torcedores aproveitam o dia da partida para consumir dentro do estádio e comprar produtos da marca do time.
MAIORES RECEITAS
O Flamengo é o clube que mais dinheiro arrecadou em 2021, uma vez que atingiu R$ 1 bilhão, um salto de 62% em relação ao mesmo período de 2020. Com as receitas turbinadas, superou até mesmo o Palmeiras em patrocínio. A fonte de renda comercial da equipe rubro-negra quase dobrou, ficando com R$ 202 milhões, R$ 17 milhões a mais do que o time paulista.
Com um patrocínio forte e premiações gordas, o Palmeiras aparece no segundo lugar nesse ranking. O clube paulista quase alcançou a casa do bilhão ao apresentar R$ 977 milhões arrecadados no ano. Desconsiderando a receita oriunda das vendas de jogadores, o atual campeão da Libertadores registrou a maior receita: R$ 838 milhões, cerca de R$ 428 milhões a mais do que em 2020 e R$ 35 milhões acima do obtido pelo Flamengo.
Campeão brasileiro e da Copa do Brasil na última temporada, o Atlético-MG aumentou em R$ 87 milhões suas receitas, registrou R$ 505 milhões, e tornou-se o clube com a terceira maior arrecadação do ano, ultrapassando Corinthians, o quarto, com R$ 503 milhões, e Grêmio, o quinto, R$ 498 milhões. Lembrando que o time gaúcho foi rebaixado e, nesta temporada, joga a Série B.
São Paulo e Santos, os outros dois grandes paulistas, são o sexto e o sétimo que mais faturaram, com R$ 476 milhões e R$ 407 milhões, respectivamente. Internacional (R$ 382), Fluminense (R$ 334 milhões) e Athletico-PR (R$ 280 milhões) completam o top 10. O relatório evidencia que existe, atualmente, uma concentração de renda importante entre os cinco clubes que mais dinheiro obtiveram em 2021, tanto que, juntos, arrecadaram 50% da receita de todo o bolo.
“Significa claramente que o Brasil está em um movimento parecido com o que ocorre na Europa de uma concentração maior das receitas dos clubes”, explica Pedro Daniel. O abismo financeiro fica claro ao constatar que a diferença entre a receita do Flamengo (R$ 1 bilhão) para a do Cuiabá (R$ 70 milhões, a menor da Série A em 2021) foi de aproximadamente 15 vezes. Ambos disputam o Brasileirão.
Dois dos principais clubes do País, mas que continuam brigando para voltar à elite, Cruzeiro e Vasco tiveram números melhores em 2021 comparados com 2020. O clube mineiro, hoje sob administração de Ronaldo Fenômeno, apresentou receita superior à do América-MG, com R$ 41 milhões a mais de faturamento que o rival de Belo Horizonte. Já a agremiação cruzmaltina faturou mais que alguns times da primeira divisão, como Fortaleza, Ceará, América-MG, Cuiabá, Vitória e Goiás.
SUPERÁVIT
Após déficit de mais de R$ 1 bilhão em 2020 provocado pela pandemia de coronavírus, os clubes brasileiros apresentaram superávit de R$ 441 milhões em 2021, o melhor resultado em dez anos. O Flamengo é dono do maior superávit do exercício (R$ 178 milhões), seguido pelo Palmeiras (R$ 123 milhões), ambos impulsionados pelas receitas referentes a direitos de transmissão e premiações por conquistas.
Mesmo com parte das receitas de 2020 sendo adicionadas ao exercício de 2021, 11 clubes tiveram déficit: Fluminense, América-MG, Cuiabá, Goiás, Ponte Preta, Coritiba, Avaí, Vitória, Cruzeiro, Sport e São Paulo. O clube do Morumbi amarga o déficit mais significativo: R$ 106 milhões. Segundo o presidente Julio Casares, esse número poderia ter sido menor ou mesmo zerado se ele tivesse vendido três jogadores para o futebol europeu, dois do elenco principal e um da base. Mas disse ao Estadão que preferiu manter os atletas.
ENDIVIDAMENTO
O endividamento líquido dos clubes apresentou uma queda de 8%, caindo de R$ 11 milhões para R$ 10,1 milhões. Após aumento entre 2017 e 2020, os empréstimos registraram redução de 2% de 2020 para 2021 – R$ 2,06 milhões para R$ 2,01 milhões. As dívidas tributárias, por outro lado, subiram de R$ 3,4 bilhões para R$ 3,5 bilhões. Palmeiras, Santos e Flamengo foram três dos que reduziram suas dívidas.
O Atlético-MG registrou ainda aumento de R$ 75 milhões, e é a equipe com o maior endividamento líquido. As dívidas do clube mineiro alcançaram R$ 1,3 bilhão. A agremiação de Belo Horizonte é também a dona da maior dívida originária de empréstimos: R$ 580 milhões, à frente de Athletico-PR (R$ 291 milhões) e São Paulo (R$ 214 milhões).
Outro time de Minas, o Cruzeiro, é o segundo com o maior endividamento líquido. Deve R$ 1 bilhão, à frente do Corinthians, o terceiro neste ranking de dívidas, com R$ 928 milhões. O Corinthians amargou também o maior endividamento tributário entre os clubes analisados: R$ 534 milhões, um aumento de R$ 117 milhões em relação a 2020. O clube paulista é seguido por Atlético-MG, que aumentou sua dívida tributária em R$ 23 milhões. Os dois foram os únicos a ultrapassar a barreira dos R$ 300 milhões nesse ponto. O terceiro é o Fluminense (R$ 279 milhões).