O dia 12 de junho está marcado para sempre na vida de Christian Eriksen. A data tinha tudo para ser especial. Ele fazia sua primeira partida com a camisa 10 da Dinamarca em jogo pela Eurocopa, principal torneio de seleções do continente. O destino do meia mudou antes mesmo do intervalo, quando sofreu uma parada cardíaca e caiu desacordado no gramado do Estádio Parker, em Copenhague, sendo reanimado ainda no local. Três meses após o incidente, ele retornou nesta semana à Internazionale de Milão, clube ao qual pertence, mas seu futuro dentro das quatro linhas ainda está distante e incerto.
Sem falar com a imprensa, Eriksen visitou o centro de treinamento da Internazionale, em Appiano Gentile, a 35 quilômetros de Milão, na última segunda-feira. Segundo o clube, o atleta se encontrou com membros da diretoria, conversou com os companheiros de equipe e com toda a comissão técnica, incluindo o treinador Simone Inzaghi, recém-contratado. Apresentando “excelente forma física e mental”, o dinamarquês causou até a impressão de poder reforçar o time em busca do bicampeonato italiano, mas o caso não é simples, tanto do ponto de vista clínico quanto legal.
Poucos dias após o fatídico jogo contra a Finlândia, Eriksen teve implantado no coração um cardioversor desfibrilador implantável (CDI), aparelho que restaura o ritmo cardíaco através de uma descarga elétrica constante, evitando uma eventual nova parada cardíaca. Ricardo Petraco, cardiologista e pesquisador na Imperial College de Londres, explica que a colocação do CDI é uma intervenção simples, com um período rápido de recuperação. Entretanto, o especialista afirma que os pacientes são aconselhados a não realizarem mais atividades que exigem grande esforço físico, justamente para que não haja o problema de ocorrer novamente.
“Por mais que o CDI esteja lá e pronto para ser usado se precisar, ele não pode ser colocado ao risco de ter uma nova parada cardíaca, até porque o aparelho pode falhar”, diz Petraco. “Qualquer entidade que o deixe voltar a jogar futebol assume o risco de morrer de uma nova palavra cardíaca”, completa.
Não por menos, a preocupação com a saúde de Eriksen passa diretamente pela Federação Italiana de Futebol (FIGC, sigla em italiano). No fim de julho, Francesco Braconaro, médico da entidade, disse que o meia de 29 anos não teria a permissão para disputar uma partida oficial no país com o CDI implantado, e teria de remover o dispositivo, além de ter sua patologia comprovadamente resolvida, para poder ficar elegível novamente.
Por outro lado, um exemplo que pode acender as esperanças de Eriksen vem da Europa, mais especificamente do Ajax, equipe pela qual ganhou destaque internacional. O lateral-esquerdo holandês Daley Blind – famoso por dar o passe para o gol de “peixinho” de Van Persie na Copa de 2014 – atua com um dispositivo similar desde 2019. Trata-se de um desfibrilador cardioversor implantável subcutâneo (S-ICD), aparelho menos invasivo do que o usado pelo dinamarquês e colocado em Blind depois de uma miocardite, inflamação no músculo do coração, ser diagnosticada após o jogador desmaiar em uma partida contra o Valencia pela Liga dos Campeões.
ARRITMIA CARDÍACA – Iran Gonçalves, cardiologista intensivista da Escola Paulista de Medicina (EPM), ressalta que os casos são diferentes. Enquanto a miocardite é uma doença com prognóstico de recuperação, a arritmia cardíaca que deixou Eriksen inconsciente, com a necessidade de ressuscitação, vai fazê-lo depender sempre do CDI. Apesar das diferentes diretrizes médicas internacionais, ele também afirma ser arriscado uma pessoa com o cardioversor voltar a desempenhar esportes competitivos.
“Muitas (diretrizes) deixam para o médico e o paciente a decisão sobre a prática de determinada atividade, mas esse caso é complexo porque envolve um atleta de alto desempenho. Futebol não é golfe nem sinuca. Ele tem de fazer treinos puxados, correr. Vai sempre estar com uma ‘espada na cabeça'”, comenta.
De acordo com o jornal italiano Gazzetta dello Sport, o meio-campista ainda aguarda os resultados de exames mais detalhados para saber se vai voltar a jogar. Segundo a Inter de Milão, Eriksen seguirá o programa de recuperação proposto por médicos dinamarqueses em Copenhague, que também coordenarão o acompanhamento clínico. A equipe médica do clube será naturalmente mantida informada e atualizada durante todo o processo.
RELEMBRE O CASO – Durante a partida entre Dinamarca e Finlândia, pelo Grupo B da Eurocopa, Eriksen caiu desacordado no gramado do Estádio Parker aos 42 minutos do primeiro tempo, depois de correr para receber uma bola de arremesso lateral. Ao ver a situação do meia, imóvel e com os olhos abertos, o zagueiro dinamarquês Simon Kjaer rapidamente agiu para socorrer o companheiro enquanto os jogadores de ambas as equipes pediam o atendimento. Os paramédicos entraram em campo logo em seguida.
O meia foi ressuscitado ainda no local durante 15 minutos, com o drama sendo registrado pelas câmeras de televisão. Já acordado, Eriksen deixou o estádio e foi levado ao hospital e ambas as seleções concordaram em seguir com a partida depois de ser anunciado que o jogador estava com vida. A Dinamarca foi derrotada por 1 a 0, mas conseguiu avançar no torneio, caindo apenas na semifinal para a vice-campeã Inglaterra.