TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) – Nem o estado de emergência vigente em Tóquio, decretado por causa da pandemia da Covid-19, tirou de cena o vaivém de uma multidão no que os japoneses consideram o maior cruzamento do mundo, no bairro de Shibuya, um popular ponto turístico da anfitriã das Olimpíadas.
Um dia depois da cerimônia de abertura do evento, tão contestados pelos moradores locais, o que se vê na região são exemplos de como não se comportar em uma pandemia. A vizinha Shinjuku, aliás, não fica para trás.
As pesquisas mostram que a maioria dos japoneses se opõe aos Jogos de Tóquio em razão da escalada da Covid-19 no país.
A cidade registrou neste sábado (24) 1.128 novos casos, mantendo um patamar acima de 1.000 que preocupa as autoridades. Até agora, 857 mil diagnósticos foram feitos no Japão, com 15,1 mil mortes. Segundo dados oficiais, 14 milhões de pessoas moram em Tóquio.
A Folha presenciou nesta tarde grandes aglomerações no famoso cruzamento formado por cinco ruas em Shibuya e também flagrou cenas de desrespeito a protocolos em lojas e na estação de metrô, além do uso inadequado de máscaras.
No alto de uma esquina, um banner alerta para o distanciamento social, recomendando o espaço de 2 metros entre as pessoas.
O aviso é ignorado. Debaixo do mesmo banner, jovens se enfileiraram sentados lado a lado numa mureta, a menos de um metro um do outro.
Ao mesmo tempo, um grupo de dez pessoas fez uma manifestação para afirmar que a Covid-19 é uma “mentira”. “Stop! PCR”, diz um cartaz contra o exame mais preciso de detecção do novo coronavírus.
Do outro lado da rua, em uma tenda montada pela popular loja de departamentos Shibuya 109, funcionários, alguns sem máscara, anunciam promoções de tratamento facial, convidando os clientes a entrarem no estabelecimento ali do lado, sem ventilação. Mais fila e mais aglomeração.
Nas vielas atrás do tradicional cruzamento, as casas de pachinko (uma espécie de fliperama com caça níquel) ficam abarrotadas de apostadores.
Na porta de um deles, o Espace Nittaku, há uma série de alertas de protocolos, entre eles o do distanciamento e de medição de temperatura.
A reportagem registrou imagens que mostram os visitantes lado a lado, em máquinas praticamente grudadas uma à outra, em um ambiente sem janela. Não há medição de temperatura na entrada. Apenas um pote tipo álcool em gel.
A poucos metros dali, havia um ponto de encontro de jovens nos arredores do espaço onde fica a estátua do famoso cãozinho Hachiko, que inspirou o filme “Sempre ao seu Lado” (2009), com Richard Gere.
Nos anos de 1920, Hachiko sempre esperava por seu dono, o cientista Hidesaburo Ueno, na estação de Shibuya. O cão continuou a visitar o local mesmo após a morte do tutor.
Ao jornal local The Asahi Shimbun, Mitsuru Fukua, professor de gerenciamento de crises da Universidade de Nihon, disse recentemente que a população local está menos receptiva às medidas de controle do vírus na véspera de realizar o maior evento esportivo do planeta.
“As pessoas estão estressadas, insatisfeitas, passando do limite. Uma vez que isso ocorre, elas ficam distantes de um retorno ao período anterior de restrições”, disse.
Uma das mais tradicionais e movimentadas de Tóquio, a estação de Shibuya, por onde passam 2,4 milhões de pessoas diariamente, estampa imagens do logotipo dos Jogos de Tóquio.
Quem circula por ali, no entanto, parece ignorar a propaganda. Fora isso, não há nenhuma outra menção às competições que ocorrem em várias regiões da cidade sem a presença de público.
A designer Hanae Reagan, 41, argumenta que precisou visitar a área de Shibuya porque usa seu dia de folga no trabalho para compras.
Ela defende a decisão de vetar público nas Olimpíadas, mas diz que era contra o cancelamento. “Há eventos esportivos no mundo inteiro, não faz sentido.”
Hanae assistiu pela TV à cerimônia de Tóquio-2020, realizada na sexta no Estádio Olímpico. “O que mais gostei foram os pictogramas (imitando o símbolo de cada modalidade)”, diz.
Lembra que sua mãe sempre conta dos Jogos de 64, um evento que orgulha os japoneses por ter sido uma espécie de abertura do país ao mundo após a Segunda Guerra. Situação bem diferente das Olimpíadas de 2020.