Se o suíço Roger Federer faz intenso esforço para voltar às quadras aos 40 anos, a mesma longevidade parece não contagiar o circuito feminino nos últimos anos. A australiana Ashleigh Barty se tornou a mais nova representante de um grupo de tenistas que não pretendem estender suas carreiras, como fazem ainda o espanhol Rafael Nadal e o sérvio Novak Djokovic. Ela surpreendeu o mundo do esporte na terça ao anunciar sua aposentadoria aos 25 anos.
Barty abandonou as quadras no topo, dominando o circuito. É a atual número 1 do mundo, posição que ocupou por mais de dois anos de forma ininterrupta. E venceu dois dos últimos quatro Grand Slams. Repete, assim, o caminho trilhado por tenistas como a belga Justine Henin, aposentada também aos 25, em 2008, quando era líder do ranking.
Esta idade está se tornando quase um símbolo ou fronteira para as tenistas. Também aos 25, a russa Dinara Safina deixou as quadras em 2011. A ex-número 1 do mundo, irmã de Marat Safin, não estava mais no auge em razão da lesões, que acabaram abreviando sua carreira.
A sérvia Ana Ivanovic, ex-líder do ranking e campeã de Roland Garros em 2008, e a russa Elena Dementieva, ex-número 3, deixaram o circuito aos 29 anos. Com a mesma idade, a polonesa Agnieszka Radwanska, ex-número 2 e finalista de Wimbledon, desistiu das competições, em 2018.
Dessa geração, Maria Sharapova foi uma das poucas que rompeu a barreira dos 30 anos. Aos 32, a russa anunciou a despedida, em 2020, ainda chamuscado por rumoroso caso de doping. A grande exceção é a americana Serena Williams, em busca de recuperação física para seguir no circuito aos 40 anos.
Ao contrário das demais, Barty não decidiu se aposentar em razão de problemas físicos ou caso de doping. Sem entrar em detalhes, a australiana escancarou a falta de motivação para seguir competindo. “Eu não tenho mais o impulso físico, o desejo emocional e tudo que é necessário para desafiar a si mesma no mais alto nível e ainda mais. Estou esgotada”, afirmou.
A agora ex-tenista fez as declarações sob ligeira emoção, mas com convicção. Em nenhum momento citou problemas de ordem emocional ou saúde mental, temas que vieram à tona nos últimos meses por conta da coragem e atitude de atletas como a ginasta americana Simone Biles, a tenista japonesa Naomi Osaka e o surfista brasileiro Gabriel Medina.
Barty explicou que já se sente totalmente realizada no tênis. Seu grande objetivo, o troféu de Wimbledon, foi conquistado no ano passado. “Wimbledon mudou muita coisa para mim, como pessoa e como atleta. Quando você trabalha tão duro para alcançar o grande objetivo da sua vida, que era vencer o torneio, que era o meu sonho, isso muda toda a sua perspectiva”, revelou.
O título do Aberto da Austrália, diante dos seus amigos, familiares e compatriotas, neste ano, aumentou a sensação de missão cumprida no tênis, em janeiro deste ano. Desde aquela final em Melbourne, Barty não entrou mais em quadra. Preferiu permanecer mais tempo junto à família – em novembro ela ficou noiva do técnico de golfe Garry Kissick.
A temporada 2021 da australiana já havia sido mais enxuta, com participação seletiva nos principais torneios. No ano anterior, ela encerrou a temporada de forma precoce assim que a pandemia de covid-19 paralisou as competições. Foram 10 meses longe das quadras e perto da família. “Quero buscar outros sonhos”, disse a ex-tenista, sem indicar seus novos caminhos.
Dona de três títulos de Grand Slam, Barty exibia números sólidos no circuito. Venceu nada menos que 25 das suas últimas 26 partidas – estava invicta neste ano. Com seus 15 títulos de simples e 12 de duplas, acumulou premiação de US$ 23,8 milhões (cerca de R$ 117 milhões).
Foram ainda 121 semanas como número 1, sendo 114 consecutivas. Trata-se da quarta melhor marca da história do esporte nesta estatística. Favorita a todos os torneios desta temporada, ela poderia ampliar esse número e superar rivais, como a checa Martina Navratilova (156 semanas), Serena (186) e a alemã Steffi Graf (186), que lideram neste quesito.
Para efeito de comparação, no masculino Federer, Nadal e Djokovic vivem um embate direto na busca pelo domínio em diferentes estatísticas do circuito. Até o início de janeiro, estavam empatados com 20 títulos de Grand Slam cada. O espanhol venceu na Austrália e despontou com 21 agora. Nadal completará 36 anos em junho, enquanto Djokovic chegará aos 35 no mês anterior. Em agosto, Federer atingirá os 41. A busca por recordes e títulos parece motivar o trio e outros tenistas, como o escocês Andy Murray (34) e o suíço Stan Wawrinka (completa 37 na próxima semana).
Barty destacou que já se “aposentou” antes. Em 2014, alegou estar sofrendo de Síndrome de Burnout, doença relacionada ao cansaço e estresse, para fazer uma pausa na carreira. Voltou a competir no críquete, inclusive profissionalmente. Mas retornou ao tênis em 2016, quando iniciou sua forte ascensão ao topo.
A australiana citou a “aposentadoria” anterior para mostrar como estava segura de sua decisão atual. “Estou muito feliz e estou pronta. Eu sei como é, já fiz isso antes. Mas tive um sentimento muito diferente da outra vez. Sou muito grata a tudo o que o tênis me deu. Mas sei que este é o momento certo para eu tomar essa decisão agora.”