SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um dos mais espinhosos contenciosos políticos espelhados nas disputas olímpicas ganhou novo capítulo neste domingo (1º), quando a chinesa Chen Yufei surpreendeu o mundo do badminton e derrotou a favorita Tai Tzu-Ying, número 1 do mundo, em Tóquio.
Com o triunfo, Pequim devolveu a Taipé a derrota que havia sofrido na sexta (30) na versão duplas masculinas do mesmo esporte.
A rivalidade entre os dois times é calcada na própria origem dos nomes sob os quais as delegações competem.
A atual República Popular da China, ditadura comunista, se estabeleceu em 1949. O governo chinês expulso refugiou-se na ilha de Taiwan, também conhecida como Formosa, e sua versão atual, democrática, segue independente na prática.
No papel, a maior parte da comunidade internacional reconhece o pleito chinês sobre a ilha, que chama de província rebelde, embora isso seja relativo: Washington dá apoio militar e econômico a Taipé, apesar de ter relações diplomáticas com sua rival Pequim.
As tensões têm crescido desde o ano passado, na esteira do acirramento da Guerra Fria 2.0 movida pelos EUA contra a China, no qual o apoio aos taiwaneses virou um ponto de honra e foi escalado pelos americanos.
Assim, neste ano ocorreram as maiores incursões de aviões de combate chineses contra o espaço aéreo da ilha, visando simular ataques e testar o tempo de reação taiwanês.
Exercícios simulando invasões anfíbias viraram lugar-comum para as Forças Armadas da China, embora haja dúvidas se Pequim levaria a intenção de reabsorver a ilha à força a cabo devido ao risco de guerra com os EUA.
Tudo isso transborda para o esporte. O COI (Comitê Olímpico Internacional) passou anos pisando em ovos para transferir o reconhecimento do comitê chinês da ilha para o continente. Em 1954, os comunistas passaram a ter o direito de competir, num processo que culminou no reconhecimento da ditadura como China pelo órgão mundial em 1979.
Como os atletas de Taiwan continuaram disputando, foi criada a designação Taipé Chinês para o time, que a ilha rejeitou usar nas polêmicas Olimpíadas de 1980, boicotadas por ela. Depois, as pazes foram feitas e todos passaram a competir entre si.
Os embates no badminton foram os primeiros entre os rivais nestes Jogos de Tóquio. A vitória na sexta causou um pequeno incidente que repercutiu na internet chinesa, quando a edição taiwanesa da revista Elle postou no Twitter que o triunfo “contra o time da China” merecia “uma celebração nacional”.
As redes nacionalista chinesas vieram abaixo e a publicação retirou a postagem do ar. O jornal Global Times, ligado à ala mais dura do Partido Comunista, fez reportagem criticando a revista neste domingo.
Taiwan, ou Taipé Chinês, está indo bem em Tóquio. Se não é uma potência como a China continental e suas 24 medalhas de ouro, já ganhou 2 com uma delegação de 68 atletas –ante 1 dos 302 brasileiros até aqui, por exemplo.
Além do badminton, brilhou no levantamento de peso para mulheres da categoria 57 kg, com Kuo Hsing-chen batendo o recorde olímpico. Ela levantou 103 kg e levou o ouro. Ao todo, o território, que não é considerado um país pelas Nações Unidas, tem 10 medalhas -a China, 51 até a conclusão deste texto.
Também compete de forma separada o território semiautônomo de Hong Kong, que ganha o complemento China na sua denominação e usa a bandeira da região.
Controlado com mão de ferro após as revoltas de 2019 por Pequim, o ouro e as duas pratas que ganhou até aqui foram celebrados no comentário do primeiro condenado pela nova Lei de Segurança Nacional, um ex-garçom que pegou nove anos de cadeia por atacar policiais e carregar bandeira com slogan democrático.
As derrotas inesperadas do time de vôlei feminino chinês também têm sido aplaudidas por transeuntes em shoppings de Hong Kong, mostrando que, como no caso da participação russa nos Jogos, a política nunca deixa a quadra.