Antes era o frio de 4 graus negativos, agora é o calor carioca de 34. Há um mês, Iryna Shymanovich treinava sob o rígido inverno da cidade de Minsk, em Belarus. Agora a tenista bate bola sob o sol escaldante, debaixo do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. A mudança brusca de ambiente tem uma explicação: a guerra. A invasão russa na Ucrânia também trouxe consequências para atletas que não são destes dois países.
País vizinho de russos e ucranianos, Belarus se tornou o grande pivô do confronto por sua localização e pelo apoio à Rússia, tornando-se um pária na Europa. Algumas investidas russas na Ucrânia partem de soldados russos localizados Belarus, que se tornou uma forte base militar do vizinho poderoso. Por isso, o país também vem sofrendo sanções econômicas, que passaram a preocupar os atletas. No início do mês, belarussos foram impedidos de participar dos Jogos Paralímpicos de Inverno, em Pequim, assim como aconteceu com os russos.
Diante do risco de novas sanções, Iryna Shymanovich decidiu buscar outro local para treinar. “Estava preocupada que as fronteiras pudessem ser fechadas em pouco tempo. Então decidi deixar Belarus”, explica a tenista ao Estadão. Com contatos na Federação Internacional de Tênis (ITF, na sigla em inglês) e amigos em comum, a belarussa de 24 anos escolheu o Brasil e aceitou o convite para treinar na Rio Tennis Academy.
A burocracia foi resolvida rapidamente e Iryna atravessou 10.900 quilômetros para treinar no bairro das Laranjeiras no início de março. Sem tempo para planejar a drástica mudança de vida, a atleta veio sem técnico e sem família. Mas garante ter recebido todo o apoio dos dois lados para dar essa guinada na carreira. “O meu treinador me disse para tentar vir ao Brasil em prol da minha carreira. Ainda estamos em contato, conversamos todos os dias”, conta.
Ex-número 2 dois do mundo no circuito juvenil, ela agora recebe as orientações do brasileiro Leandro Afini e treina na companhia de Ingrid Martins, número seis do Brasil e eventual parceira de duplas de Beatriz Haddad Maia, principal tenista de simples do País.
A maior preocupação da sua nova equipe é com o desafio de treinar sob altas temperaturas. “Ainda estou me adaptando ao calor do Rio de Janeiro. Estava vivendo em temperatura abaixo de zero no meu país”, relata a belarussa, que vinha enfrentando limitações em seus treinos em Minsk. “Nosso foco é trabalhar a parte física agora. Pela falta de treinamentos adequados em Belarus, por tudo o que está ocorrendo, ela perdeu um pouco do físico, mas em breve estará de volta”, explica Afini, o treinador brasileiro.
Enquanto recupera a parte física, a atual 265ª do ranking da WTA faz os primeiros amigos no Brasil. “Conheci pessoas muito legais aqui, como a Ingrid, que está cuidando de mim. Gosto das pessoas daqui. Elas curtem a vida e isso me inspira.” Longe de casa, ela não deixa de manter contato com a família. “Estamos conversando todos os dias graças à tecnologia moderna”, brinca.
Apesar de acostumada a competir em países europeus e nas Américas, Iryna não deixa de se surpreender com situações que não vê em seu país, comandado há 28 anos pelo presidente Alexander Lukashenko, conhecido como “o ditador mais antigo da Europa”. Em sua primeira semana no Rio, ficou espantada ao ver uma manifestação de professores no centro da cidade, ameaçando greve. “Aqui as pessoas podem fazer isso?”, questionou a tenista aos seus novos amigos brasileiros.
Uma das últimas atletas profissionais a deixar Belarus, Iryna enfrenta restrições no mundo esportivo. As entidades que comandam o tênis não proibiram a presença de atletas russos ou belarussos no circuito, mas vetaram suas bandeiras. Na prática, a belarussa e suas compatriotas, como Aryna Sabalenka (5ª do mundo) e Victoria Azarenka (ex-número 1 do mundo e dona de dois títulos de Grand Slam), competem como atletas neutras.
Além disso, o país não pode disputar a Copa Davis e a Billie Jean King Cup (novo nome da Fed Cup), torneio entre países da elite do tênis que Iryna costumava disputar com suas compatriotas. No circuito, porém, ela diz não sentir preconceito por parte das tenistas de outros países. “Não estou sentindo nenhuma reação negativa sobre mim, mas não posso falar por outras jogadoras de Belarus.”