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EsportesJogador cego de um olho persegue sonho de fazer história no futebol

Jogador cego de um olho persegue sonho de fazer história no futebol

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SANTOS, SP (FOLHAPRESS) – O técnico Daniel Polezzi, 52, confessa ter levado um susto ao ser avisado de que um jogador recém-chegado do Rio de Janeiro, principal destaque nos primeiros treinos de preparação da Inter de Bebedouro para a Copa São Paulo de 2018, só enxergava com o olho esquerdo.

Até ali, o atacante canhoto, veloz e dono de um potente chute havia sobressaído tecnicamente em um grupo montado às pressas para a primeira aparição do clube na competição.

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A equipe do interior paulista fez uma campanha só modesta e parou logo na primeira fase da Copinha, com dois empates e uma derrota. O atleta, no entanto, marcou os dois gols do time no torneio, um deles contra o Cruzeiro, e dias depois assinou contrato com o Goiás.

Conhecido como Guida, apelido que conta jamais ter entendido como surgiu, Fernando da Silva Rodrigues, hoje com 22 anos, persegue o sonho de consolidar carreira no futebol profissional mesmo com uma limitação rara no esporte.

A dificuldade surgiu na infância, quando ele tinha apenas cinco anos, em um acidente na casa de sua avó, em Búzios, na Região dos Lagos, no Rio de Janeiro, que ocasionou a perda total da visão direita.

Ao se deparar com um cachorro que se soltou e estava prestes a atacá-lo, o irmão mais velho de Guida, Roneli, usou uma pedra na tentativa de dispersar o animal. Ela atingiu o rosto do irmão mais novo.

“A minha vista escureceu na hora. Só me lembro do meu pai gritando e de estar chegando ao hospital. Por um tempo, via vultos. Depois, minha mãe me disse que não voltaria mais a enxergar com esse olho. Nos médicos, ela sempre me pedia para sair da sala, não queria me ver triste”, conta à Folha.

Sempre que questionado sobre os motivos para tentar a trajetória improvável como jogador de futebol, mesmo com a limitação, a resposta é a mesma. Ele emenda uma citação bíblica: “Isaías, capítulo 41, versículo 10”.

“Não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a destra da minha justiça”, diz o trecho.

“Existem muitas pessoas com limitações que criam medos ou receios de fazer algo que não é convencional, falam que não vão tentar. Pelo amor ao futebol, quero seguir. Quem vai me dizer que não posso?”, explica.

Guida deixou Bebedouro em 2018 e chegou ao Goiás como um potencial de futuro para o clube. Logo nos primeiros dias foi encaminhado a um oftalmologista e recebeu acompanhamento para saber se, de fato, o seu quadro era irreversível. O tratamento não funcionou.

“O médico tentou colocar uma lente para tentar ver se me ajudaria. Meu olho ainda se mexe, faz tudo, mas não me adaptei. Eu sinto que não faz mais diferença [não enxergar], já me acostumei a ser assim”, diz.

No clube do Centro-Oeste, virou titular e peça importante do técnico Augusto César na equipe sub-20. Disputou a Copa São Paulo novamente, em 2019, e chegou a treinar como profissional, mas perdeu espaço quando atingiu o limite da idade para as categorias de base.

“Era um jogador muito potente, rápido e bom finalizador, que nos ajudou bastante nos campeonatos que disputamos. Procurava fazer tudo o que pedíamos com muito mais esforço que os demais, um exemplo de resiliência. Falava muito em poder ajudar os pais”, explica o treinador.

“Depois, no profissional, as coisas se nivelam mais, e qualquer dificuldade passa a ser decisiva”, completa.

Para as pessoas com quem ele trabalhou, a análise de que a deficiência pesa no futebol profissional é quase unânime. Ela é compartilhada pelo treinador da Inter de Bebedouro e pelos técnicos com os quais teve contato no Goiás, além do atual supervisor da base do Atlético-GO, Neto Caffer, com quem Guida conviveu no Itumbiara.

“Acredito que, se não tivesse esse problema, ele teria tudo para ficar no Goiás. Jogar hoje em alto nível é difícil, mas certamente ele poderá construir uma carreira ainda em clubes de menor expressão”, opina o dirigente do rubro-negro goiâno.

Guida sempre falou abertamente sobre a dificuldade aos companheiros e passou a ser usado como modelo de superação por treinadores com quem trabalhou. Dentro de campo, conta não ter sido alvo de preconceitos, mas ouviu palavras duras de pessoas durante a trajetória.

“Quando eu era mais novo, um rapaz me falou para fazer outra coisa porque era cego, mas dentro de mim sabia que precisava treinar e buscar. A família também não incentivava muito, queriam que ajudasse trabalhando de pedreiro, ou como pudesse”, conta.

Ele deixou o Goiás pela promessa de um empresário de que iria para a Ponte Preta. O negócio não deu certo. Sem clube, foi indicado para o Capital, de Brasília, pelo antigo treinador Augusto e pelo auxiliar Glauber Ramos, hoje integrante da comissão técnica fixa do Goiás. Ainda rodou por Itumbiara, Grêmio Anápolis e, neste ano, jogou a segunda divisão do estadual do Rio de Janeiro pela Cabofriense.

“Acredito que a limitação, no profissional, tenha passado a pesar. A não permanência dele foi baseada só em resultados técnicos, naquilo que faltou”, conta Glauber.

Em campo, ele diz ter desenvolvido percepções diferentes para vencer as limitações. Quando disputa uma bola pelo alto procura saltar antes do adversário. O mesmo acontece quando tem a bola nos pés, momento em que evita carregá-la por muito tempo para não ser surpreendido.

“Desenvolvi cacoetes para superar minha deficiência. É automático eu me antecipar ou soltar a bola rapidamente, porque sei que não tenho a visão periférica.”

De volta a Búzios, cidade onde nasceu, ele hoje treina com a ajuda de amigos que lhe auxiliam tanto na parte física como nos trabalhos com bola. Nos fins de semana, joga por equipes de várzea e de futebol 7 para conseguir se manter em atividade.

“Ainda ouço as pessoas me dizendo o que posso ser. Que posso ser um cozinheiro, mas que não posso ser um atleta. Que não tem como um cego jogar onde todos enxergam, mas não aceito isso”, diz.

No futebol profissional, o caso mais conhecido envolvendo a visão de um atleta ocorreu com Tostão. Em 1969, ele levou uma bolada no olho esquerdo que resultou no descolamento da retina. Passou por cirurgia e voltou a tempo de disputar a Copa de 1970 como um dos destaques das seleção do tricampeonato. Três anos depois, porém, abandonou o futebol, aos 26 anos.

O atacante Bruno Henrique, do Flamengo, passou por um grave problema em 2018, ao também sofrer em uma bolada cinco lesões diferentes no olho direito. O jogador teve um ano praticamente perdido no Santos até ser negociado no ano seguinte com o clube carioca e deslanchar novamente.

Atualmente sem clube, Guida espera uma nova chance de mostrar que pode vencer a dificuldade. Recentemente, rejeitou proposta para jogar na Matonense, na quarta divisão paulista.

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