Campeã da Copa América, a seleção brasileira feminina de futebol desembarcou no Brasil na última semana. Porém, em vez de celebrar a conquista contra as colombianas, as jogadoras se manifestaram diante de um problema crônico na modalidade: a visibilidade na mídia e, nesse caso, nos games. Caso queira jogar com a seleção feminina no Fifa, simulador de futebol da EA Sports, o usuário não identificará nenhuma das 23 convocadas pela técnica Pia Sundhage. Isso porque elas não estão presentes com seus nomes reais. Tamires, jogadora do Corinthians, recebe a alcunha de “Muto”, assim como Bia Zaneratto, Maria Eduarda, Adriana, Ary Borges e tantas outras atletas, que são chamadas por nomes fictícios.
O futebol feminino está presente nos games desde o Fifa 16, com as seleções nacionais. A partir da edição 23, os clubes femininos das ligas da Inglaterra e da França também estarão representados. No entanto, no caso das jogadoras da seleção brasileira, os avatares disponíveis são de nomes e rostos inventados. Principal concorrente da EA Sports, o eFootball, da Konami, não conta com equipes femininas.
Diferentemente do universo masculino, que contempla muitos jogadores, com nomes e rostos reais, a modalidade ainda necessita de mais visibilidade, em especial nos games, que são a porta de entrada de jovens para conhecer e se apaixonar pelo esporte e seus respectivos atletas. Para levantar a bandeira da representatividade do futebol feminino, as jogadoras lançaram o movimento #BotaElasnoJogo no último mês. Com nomes trocados nas redes sociais e em suas camisas, assim como acontece no mundo virtual, as atletas buscaram reforçar a importância de trazer as jogadoras reais para o game.
Tamires, jogadora de 34 anos do Corinthians e uma das lideranças nessa campanha, reafirma essa questão da representatividade em conversa com o Estadão. “É muito gostoso jogar videogame, com a sua personagem. O fato de não estarmos representadas nesse universo impacta o próprio crescimento da modalidade”, diz. “Nós estamos nos movimentando nas redes sociais e é por isso que lançamos a campanha, para que outras pessoas ficassem cientes da nossa situação. Espero que o resultado seja positivo e que possamos ter um retorno quanto à essa questão da nossa visibilidade nos jogos.”
Nas últimas versões do Fifa, tanto a seleção masculina quanto a feminina não contou com os jogadores reais em suas equipes. Entretanto, Neymar, Vinicius Junior e companhia podem ser incluídos nas convocações dentro do jogo, já que seus personagens estão presentes nos maiores clubes do mundo, como o Paris Saint-Germain e o Real Madrid.
“Imagino que seja uma questão dos nossos direitos de imagens na seleção, que estão vinculados à CBF”, afirma Tamires. No Fifa 16, primeira edição que contou com as seleções femininas, Marta e Cristiane tinham suas personagens no simulador de futebol virtual. “As outras seleções, como a americana, têm suas jogadoras representadas. No Fifa 23, terão alguns clubes europeus também. É um passo importante para o crescimento da modalidade e é necessário para o Brasil continuar evoluindo no futebol feminino”, reforçou.
Ela usa o exemplo de Bernardo, seu filho de 12 anos, para ilustrar esse problema. “Na primeira vez que ele foi jogar (com a seleção brasileira feminina), tentou me encontrar na escalação e não encontrou. Ter os nossos nomes no jogo é uma plataforma para o crescimento do esporte como um todo.”
Além disso, Tamires ressalta as respostas das pessoas em relação à campanha. “Muito apoio nas redes sociais, defendendo a nossa causa. É importante ter a opinião pública ao nosso lado para conquistar esses espaços, tão importante para o crescimento da modalidade no Brasil”, diz.
REALIDADE
Tamires voltou ao Brasil em 2019 e defende o Corinthians desde então. Nesses últimos três anos, a atleta observa um crescimento, tanto no Campeonato Brasileiro quanto no nível dos clubes. Neste ano, as partidas tiveram um aumento na receita, tanto na venda dos ingressos quanto nos direitos de transmissão na TV aberta.
“Essa evolução na modalidade fez com que os clubes passassem a se estruturar para fortalecer suas equipes femininas”, afirma Tamires. “Diversas jogadoras retornaram ao Brasil porque perceberam que poderiam atuar em alto nível. Ainda estamos longe do ideal, mas dá para perceber uma clara evolução.”
Na última temporada, o Corinthians de Tamires conquistou todas as competições que disputou: Campeonato Brasileiro, Paulista e Libertadores. Esse domínio do clube reflete os resultados dos investimentos feitos nos últimos anos, que começam a ser espelhados nas demais equipes.
“Neste ano, a gente observa um alto nível competitivo das equipes. Palmeiras, São Paulo e Flamengo fazem uma grande temporada. O apoio das marcas também é fundamental para esse crescimento”, analisa Tamires. “Em comparação com o continente, na Libertadores e na Copa América, nós vemos que o nosso País está um passo à frente.”
Em 13 edições da Libertadores, as equipes brasileiras foram campeãs em dez oportunidades. Na Copa América, o cenário mostra um domínio ainda maior: a seleção brasileira foi campeã em todas as disputas, incluindo a de 2022. “É importante valorizar as mudanças que já tivemos até hoje, mas ainda há uma grande margem para crescimento”, comenta.
Em mais uma campanha vitoriosa, o título da Copa América é o reflexo dos últimos anos de trabalho na CBF. Pia Sundhage, técnica da seleção brasileira desde 2019, prepara a equipe para a disputa da Copa do Mundo de 2023, que será disputada na Austrália. “Nós estivemos muito unidas nos últimos dias. O trabalho da Pia vem surtindo efeito. Ainda enxergo que estamos um nível abaixo das seleções europeias, que estarão na Copa do Mundo, mas vejo que conseguimos um bom desempenho até agora”, analisa a jogadora.
No entanto, Tamires revela uma certa decepção na organização da Copa América por parte da Conmebol. “São sempre os mesmos problemas: estádios vazios, campos de treinamento impróprios e pouca divulgação do torneio”. A jogadora conta que, enquanto estavam na Colômbia, país-sede da competição, poucas pessoas tinham ciência de que havia um torneio de nível continental ocorrendo.
“Quando comparamos o nível do futebol sul-americano com o europeu, da Copa América com a Eurocopa, percebemos a diferença no nível da modalidade e da visibilidade”. A final da Eurocopa feminina, entre Inglaterra e Alemanha, no mês passado, contou com mais de 80 mil torcedores no estádio de Wembley, maior público da história do torneio.
“A Conmebol tem de observar com mais carinho a nossa modalidade. Faltou o público. Tiveram jogos (na Copa América), com seleções de peso, em que os estádios estavam totalmente vazios. Só a final, contra a Colômbia, encheu”, pontua Tamires.
Em fevereiro do próximo ano está marcada a finalíssima do futebol feminino, entre Brasil, campeão da Copa América, e Inglaterra, da Eurocopa, um teste de nível mundial a poucos meses da Copa do Mundo de 2023.