TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) – O badminton levou Ygor Coelho, 24, a lugares que ele jamais imaginou. Nascido na comunidade da Chacrinha, na zona oeste do Rio de Janeiro, o melhor atleta brasileiro da modalidade hoje em dia joga e vive na Dinamarca.
Uma mudança que o ajudou a crescer no esporte e enfrentar adversários de alto nível o tempo todo. Mas que também mudou sua visão de mundo.
“Foi tudo pelo objetivo de chegar bem a Tóquio e obter um resultado histórico. De 2016 a 2017 não havia mais atletas para compor a seleção. Eu mesmo fui para a Europa e cheguei a [ser o número] 30 do mundo. Vi que fora do país é mais competitivo. Foi quando eu me convenci que pensando nas Olimpíadas, o melhor era vir para cá.”
O argumento definitivo para isso foi ter sido medalha de ouro no Pan-Americano de Lima, no Peru, em 2019. Ele percebeu que deveria passar alguns meses em Paris e depois se mudar para a Dinamarca, onde é rotina treinar contra atletas como Rasmus Genke, 12º do planeta.
Ygor estreia em Tóquio na segunda (26), às 2h (de Brasília), contra Julien Georges Paul, das Ilhas Maurício. Também está na chave deles o japonês Kanta Tsuneyama.
“Eu sou capaz de sair da fase de grupos e ir às oitavas de final. Há adversários de altíssimo nível, mas posso conseguir. Isso já seria um resultado fantástico. A partir dali, sabe-se lá o que pode acontecer”, sonha o brasileiro que, no Mundial de 2018, chegou a este estágio, o das oitavas de final.
Já aconteceu muita coisa com o garoto que começou no esporte na Associação Miratus, ONG criada por seu pai, Sebastião, para ensinar badminton na comunidade. Ygor começou a jogar no quintal de sua casa, aos três anos, com uma raquete adaptada.
A família conheceu a modalidade por causa de um professor italiano contratado pelo colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, onde Sebastião trabalhava. O docente apareceu com todos os apetrechos para o badminton e lhes mostrou como era o jogo.
“Já perdi as contas de quantas vezes tive de explicar que badminton não é peteca. No Pan do Rio-2007, as pessoas nem sabiam o que era a modalidade. Mas estão aprendendo aos poucos. Quando eu era criança, diziam que era esporte para menina, me chamavam de petequeiro, que tinha de desmunhecar para jogar. Eu levava na brincadeira”, conta o atleta.
Ele compara o esporte a uma dança que exige força para se movimentar e fazer a peteca ir para o outro lado da quadra.
“Também lembra um pouco o vôlei, onde tem defesas incríveis. É lindo de ver, o atleta faz jogadas que parecem impossíveis”, elogia.
Com o passar do tempo, os resultados obtidos e a sequência do trabalho na ONG, Ygor deixou de ser o menino que “desmunhecava” para jogar badminton. Tornou-se exemplo na comunidade da Chacrinha, área com cerca de cinco mil habitantes. Sempre que volta para lá, de férias, dá palestras para os jovens da região e aulas sobre o esporte.
“A comunidade precisa de exemplos, de lideranças que mostrem que existe um caminho. Porque eu tenho amigos que cresceram comigo e viraram bandidos, foram para o tráfico. Alguns morreram. Então os jovens precisam saber que há alternativas.”
A última vez aconteceu no ano passado, quando foi ao Brasil para realizar cirurgia no quadril. Ygor sentiu dificuldade nos movimentos e algumas vezes sequer conseguia treinar.
“Era um problema semelhante ao do Guga [tenista Gustavo Kuerten]. A cartilagem se deteriorou e os ossos do quadril batem uns nos outros. Se não corrigisse isso, teria de colocar uma prótese no futuro”, explica.
Foi no badminton que ele conheceu Karine Coelho, com quem se casou em junho do ano passado. Ela o incentivou a continuar no esporte quando Ygor pensou em parar para estudar. Ele deu o empurrão para que a mulher entrasse na faculdade de Educação Física.
Hoje, os dois vivem na cidade de Aarhus (340 mil habitantes), estudam dinamarquês (“uma língua complicada, parece mistura de alemão com holandês”, diz Ygor) e planejam seguir no país pelos próximos anos.
O atleta sabe o que representa a chance de estar nas Olimpíadas. Não apenas para si mesmo, mas para Sebastião, a ONG que ele idealizou e também para a comunidade da Chacrinha.
“Eu tenho um orgulho. Deixei no lugar onde nasci o exemplo de que quem sonha, quem trabalha pode conseguir. Se aconteceu comigo, pode acontecer com mais pessoas. Eu sonhei com os Jogos Olímpicos e estou aqui”, finaliza.