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EsportesNa infância, Rebeca Andrade era espoleta, escalava beliches e ia a treinos em bike de sucata

Na infância, Rebeca Andrade era espoleta, escalava beliches e ia a treinos em bike de sucata

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dona Rosa não tem fotos daquela época –nem sequer tinha câmera fotográfica.

Por volta do ano 2000, terminou o relacionamento com o então marido e, com cinco filhos e um emprego num restaurante, queria ser feliz. Conseguir um lugar para morar era difícil, e a família se mudava constantemente por Guarulhos (SP). Ora para casas maiores, ora para casas com um cômodo só.

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“Foi como tantas outras mães que precisaram tomar essa decisão de tocar o barco e ser feliz. Recebi muitos ‘nãos’ por ser uma mãe com cinco filhos, então o medo é uma coisa que vive junto com o ser humano. Mas em cima do medo temos esperança. E eu bato na tecla da fé porque havia situações em que eu tinha de sair de uma casa ainda sem ter outra para alugar”, afirma ela à Folha.

Assim foi o início da infância da medalhista de ouro –e prata– Rebeca Andrade, 22, caçula do primeiro casamento de Rosa, 50. Hoje, ela tem mais três filhos, e o marido é um pai presente.

A mãe da ginasta conta que ela começou a engatinhar ao mesmo tempo em que aprendeu a subir a escada do beliche. A menina escalava para pular no colchão. Depois, aos dois anos de idade, mal andava e já dava estrelas; aos três, estrelas outra vez, mas sem as mãos –“não sei como aprendeu, não faço ideia”.

Era uma menina muito carinhosa, que gostava de dar as mãos após brigas e de conversar com os irmãos enquanto colocava os pés na cabeça ou dava piruetas na frente da TV. Era, lembra a mãe, espoletinha.

Um dia, a irmã de Rosa levou os filhos para um teste no ginásio Bonifácio Cardoso, no qual havia começado a trabalhar. Levou também Rebeca. Aos quatro, ela impressionou os professores e recebeu o apelido de Daianinha, em referência a Daiane dos Santos, que brilhava à época ao som de “Brasileirinho”.

No início, a mãe ia a pé para o trabalho e dava o dinheiro da condução para o filho Emerson levar a caçula para treinar. Uma hora não deu mais. Rosa precisou do dinheiro, e o garoto passou a levar a irmã a pé, numa caminhada de mais de 1h30 até o ginásio.

“Eu era muito moleque, não tinha dimensão da responsabilidade. Era uma menina de 4 anos cruzando a cidade com um carinha de 13. Hoje tenho uma filha de 6. O Igor, meu irmão, hoje tem 14. Eu não daria minha filha na mão dele”, ri Emerson, que aos 30 recorda as brigas porque a caçula andava devagar.

A dupla saía de casa por volta das 5h. Muitas vezes Rebeca já chegava cansada. Comia no ginásio, após o treino, e o irmão ficava do lado de fora, esperando. Trazia então a caçula de volta, deixava ela na escola, tomava banho, ia para a sua aula e, só no intervalo e quando a merenda não acabava mais cedo, ele se alimentava pela primeira vez. Às vezes a refeição acontecia apenas em casa, no começo da noite.

Certo dia, ele viu uma bicicleta no ferro velho. Começou a catar latinhas durante a ida e a volta. Conversou com o dono do lixão e conseguiu fazer uma troca. Nas semanas seguintes, continuou pegando latas e trocando por peças. “Minha mãe ficava doida, porque eu enchia a casa de peça de bicicleta quebrada. Óleo num canto, graxa no outro”, diverte-se. Reformou a bike, que virou o meio de transporte deles.

Emerson recorda ainda quando Rosa conseguiu um cartão de ônibus para os filhos. Mas ela acabou perdendo o bilhete, e foi aí que o filho viu a mãe chorar como criança.

Enquanto isso, Rebeca começou a se destacar. A família e os treinadores faziam vaquinhas para pagar os collants e as passagens para ela competir em torneios. Aos nove, o técnico Francisco, que ela considera um pai, a convidou para viver e treinar em Curitiba.

Para a mãe, era a hora de ver a filha voar. “Você pode ir, mas se não voltar com o ouro nem volta para casa depois”, brincou o irmão à época. O resto é história. Rebeca não só se tornou a primeira ginasta brasileira a conquistar uma medalha em Olimpíadas, como ganhou duas, prata no individual geral e ouro no salto.

À Folha, neste domingo (1º), véspera da última participação de Rebeca nos Jogos de Tóquio, na final do solo, prova na qual ela compete ao som do funk “Baile de Favela”, Rosa lembra que, antes, Olimpíadas eram só “uma coisa de TV”. Hoje, enquanto assiste à filha brilhar, afirma que vê-la no Japão é um “um tapa na cara de muitas pessoas” que não acreditaram que uma mãe, trabalhando, pudesse criar cinco filhos.

“Eu trabalhava muito, os mais velhos cuidavam dos mais novos. A visão que tinham era de que ‘não vai dar nada que preste’, ‘as meninas vão ó [para as ruas]’ e ‘os meninos logo estarão na droga, no crime”, conta. “E não era pelas costas, não. Chegavam para mim e falavam para os meus amigos: ‘Não quero você andando com esse neguinho’. Vi amigo apanhar porque estava brincando comigo”, completa Emerson.

Por isso, diz Rosa, não há nada mais importante para ela que ouvir Rebeca, após conquistar uma medalha olímpica, agradecer os irmãos. Roger, 32; Emerson, 30; Elisama, 26; Robert, 24. E também os do segundo casamento, com Ezequiel: Yago, 18, Henrique, 16, e Igor, 14.

Eles brincam que agora todos viraram os “irmãos da Rebeca”. Mas, antes de tudo, são filhos de Rosa.

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