SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Petrúcio Fereira viveu um turbilhão de emoções antes da final dos 100 m classe T47 (atletas amputados) das Paralimpíadas de Tóquio-2020. Favorito ao ouro da prova, o brasileiro tinha feito apenas o terceiro tempo nas eliminatórias, atrás de outro brasileiro, Washington Júnior, e do polonês Michal Derus.
Por conta disso, houve uma discussão com o treinador Pedro de Almeida Pereira, que o acompanha desde 2014. Na final, porém, o brasileiro fez o que se esperava dele: venceu em 10s53, novo recorde dos Jogos Paralímpicos. A prata ficou com Derus (10s61) e o bronze foi para Washington (10s68).
Lucas de Sousa Lima, o outro brasileiro na prova, ficou em sexto lugar, com o tempo de 11s14.
“Foi um momento difícil [depois das eliminatórias]. Acabei tendo uma pequena DR com o meu treinador e peço muita desculpa a ele. É um cara fenomenal para mim, um pai”, contou Petrúcio, em entrevista ao SporTV.
“Nesse momento, olhei para ele e perguntei: ‘Você confia em mim da forma que eu confio em você?’ Ele falou: ‘Confio, Petrúcio. Não confio 100%. Confio 200% no que você vai fazer aqui’. Usei a cabeça, professor. Obrigado, Brasil”, acrescentou, emocionado.
Após a vitória, os brasileiros comemoraram a conquista das medalhas com uma dancinha.
Petrúcio nasceu em São José do Brejo do Cruz (PB), cidade com menos de 2.000 habitantes, segundo estimativa do IBGE (2019) e 400 km distante de João Pessoa, a capital do estado.
Filho mais velho do casal Rita e Paulo, ele morou em um sítio durante a infância. O garoto não largava do pé do pai, que às vezes o levava ao estábulo, onde moía capim para o gado. Certa vez, o menino, ainda com um ano e 11 meses, quis imitar o pai e colocou o braço na moedora. Paulo só percebeu o acidente quando o filho já tinha perdido a mão esquerda.
Na adolescência, Petrúcio começou a jogar futebol. Experimentou atletismo ao competir um campeonato escolar. Foi quando foi descoberto por Pedro Pereira, seu treinador até hoje.
O garoto se mudou, então, para João Pessoa para treinar. Não demorou a representar o Brasil e despontar internacionalmente.
Aos 18 anos, ganhou ouro nos 100 m e 200 m classe T47 no Parapan-Americano de Toronto-2015. No ano seguinte, tornou-se o homem mais rápido do mundo em sua categoria nas Paralimpíadas do Rio. Também subiu ao pódio para receber a prata nos 400 m e no revezamento 4 x 100 m.
Foi no Rio de Janeiro que Petrúcio bateu os recordes mundial e olímpico da prova mais nobre do atletismo, ao percorrer os 100 m em 10s57. No Mundial de Londres-2017, venceu os 100 m, com novo recorde (10s53), e os 200 m. No ano seguinte, novamente melhorou sua marca:10s50.
Seu objetivo passou a ser superar o recorde de Jason Smyth, que compete na classe T13 (para deficientes visuais) e se tornar o paratleta mais rápido do mundo. O recorde do irlandês, obtido em 2012, era de 10s46.
A meta foi alcançada na bateria semifinal do Mundial de Dubai, em 2019, quando o Bolt Brasileiro cravou 10s42, atual recorde mundial da prova. Na final, venceu em 10s44. Além dos 100 m, saiu dos Emirados Árabes com o ouro também nos 400 m.
A comparação com o velocista jamaicano, dono de oito ouros olímpicos, é pertinente. Além de ser o atleta paralímpico mais veloz do mundo, Petrúcio costuma comemorar suas vitórias imitando o gesto do raio de Usain Bolt.
A pandemia atrapalhou os treinamentos do brasileiro. Ele deixou o apartamento em João Pessoa e retornou às origens: isolou-se no sítio dos pais, em São José do Brejo do Cruz.
Lá, sem estrutura de pista com piso emborrachado, manteve a preparação em um campinho de futebol abandonado, tomando cuidado para não se machucar com buracos e pedras.
Apesar das dificuldades, ele se manteve em alto nível. Há dois meses, na seletiva para as Paralimpíadas, correu os 100 m T47 em 10s45, ficando só a três centésimos acima do seu próprio recorde mundial.
Aos 24 anos, mostrou porque é a grande estrela do atletismo paralímpico em Tóquio. O “raio paraibano” brilhou novamente. Agora no Japão.