TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) – Katinka Hosszu, 32, pode ser uma figura intimidante. Dois jornalistas húngaros, em conversa com a Folha, confirmaram essa impressão. Com interesses e investimentos fora da natação, milionária, celebridade e um dos maiores nomes desse esporte em seu país, não é raro ela contestar o que lhe é questionado ou sorrir de forma irônica para o entrevistador.
Eles dizem que para falar com a atleta apelidada de “dama de ferro” é preciso estar preparado para tudo.
Mas a Hungria não estava pronta para o que aconteceu com a recordista mundial dos 400 m e 200 m medley, considerada uma das mais versáteis nadadoras da atualidade. Na madrugada desta quarta-feira (28), quem parecia frustrada era Katinka.
“É muito difícil colocar em palavras o que está na minha cabeça agora”, disse.
Ela chegou a Tóquio como candidata a quatro medalhas e favorita nas competições em que tem os melhores tempos da história.
Nos 400 m medley, terminou em sexto. Chegou a desistir de disputar a semifinal dos 200 m borboleta para se concentrar nos 200 m medley, disputado nesta quarta. Entre oito finalistas, ela ficou em sétimo. Seu tempo de 2min12s38 está a quase seis segundos do recorde olímpico que cravou na Rio-2016 (2min06s58).
Katinka deu a batida final 3s86 depois da vencedora em Tóquio, a japonesa Yui Ohashi. Mesmo uma atleta tão segura de si pode se abalar após um mau desempenho.
“Eu não quero procurar desculpas. Não é minha personalidade fazer isso. O que aconteceu hoje é muito frustrante. Eu tentei tudo o que pude para nadar mais rápido, mas nada deu certo”, afirma ela que ainda terá, se não mudar de ideia, os 200 m costas.
A húngara é uma das figuras mais interessantes do esporte mundial exatamente por causa da definição dos seus compatriotas jornalistas. A capacidade de intimidar, de não baixar a guarda para nada ou ninguém. Algo que não se refletiu nas provas, ao menos nesta quarta.
Ela é a nadadora que, após desempenho decepcionante em Londres-2012, onde era aposta nacional e voltou para Budapeste sem nenhuma medalha, ouviu sugestão do presidente da federação do país, Tamás Gyárfás, de que deveria se aposentar aos 23 anos. Quatro anos depois, no Rio, ganhou ouro nos 100 m costas, 200 m e 400 m medley e revezamento 4×200 m livre. Foi prata também nos 200 m costas.
No retorno para casa, mostrou o dedo médio para Gyárfás.
É alguém tão confiante que demitiu o marido (de quem se divorciou) e se transformou na própria treinadora. Katinka tem nove títulos mundiais e impressionou o mundo dos esportes aquáticos pela capacidade de nadar várias provas em alto nível em um curto espaço de tempo. Em etapa da Copa do Mundo em Hong Kong, em 2014, ganhou 12 medalhas em dois dias.
A capacidade de se manter veloz depois de repetidas entradas na piscina a abandonou em Tóquio. Em eliminatórias, quando não ficou contente com seus tempos, ela se recusou a falar com os jornalistas.
“É estranho porque eu nunca me senti assim [desgastada] no passado mesmo com várias provas, mas agora tenho a sensação de que se tentasse competir [nas Olimpíadas de Tóquio] de novo, em outras circunstâncias, eu me sairia bem melhor. Talvez tenha de mudar a minha preparação”, admitiu.
Dona de sua própria equipe de natação (Team Iron) e dona de escolas do esporte em Budapeste, Katinka é uma das figuras que impulsionaram a criação da Liga Internacional, competição em equipes estabelecida em 2019.
Primeira nadadora a ganhar US$ 1 milhão de prêmio (cerca de R$ 5,2 milhões) por competição, ela transformou seu apelido “dama de ferro” em uma marca. Suas polêmicas fora das piscinas também ajudaram a tornar seu nome ainda mais conhecido.
Ela pediu divórcio em 2018 de Shane Tusup, então seu treinador. Como represália, ele deletou a conta de Facebook da nadadora, que teve de acionar a Justiça para reavê-la.
Katinka também entrou com processo de difamação contra a revista Swimming World por insinuação de que usava substâncias ilegais. A húngara jamais teve um teste positivo em exames antidoping.
Katinka descartou em Tóquio as perguntas sobre o seu futuro. Antes dos Jogos, havia dito querer esticar a carreira até Paris-2024. Mas agora está decepcionada demais para falar sobre o assunto. Havia passado por sentimento semelhante em 2012, quando era mais jovem e o final da carreira não parecia tão perto.
Ela não tinha também a reputação da dama de ferro para zelar.
“Não sei o que vou fazer. Mas se voltar, será tão forte quanto antes”, prometeu, recuperando a compostura de quem tem confiança em si mesmo.