SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando viu pela primeira vez aquela menina de quase 6 anos ser levada pela tia para fazer teste de ginástica artística no ginásio Bonifácio Cardoso, em Guarulhos, a técnica Mônica dos Anjos acreditou ter em mãos um talento para lapidar.
“Aqui está a futura Daiane dos Santos”, afirmou, referindo-se à ginasta que foi a primeira brasileira campeã mundial, em 2003.
A menina possuía características que chamavam a atenção para a idade: força, explosão e coordenação motora. “Ela tinha o biotipo ideal para o esporte. Precisava de flexibilidade, mas isso dá para desenvolver nos treinamentos”, analisa a primeira treinadora de Rebeca Andrade.
Dezesseis anos depois daquele encontro, a antiga pupila disputa as finais de três provas da ginástica nas Olimpíadas de Tóquio. A sequência de competições começa na quinta-feira (29), às 7h50, com a decisão do individual geral. Na disputa, ela não terá mais de enfrentar Simone Biles, dos EUA, uma das principais estrelas dos Jogos.
A ginasta brasileira ficou em segundo lugar no qualificatório da prova. Porém, a norte-americana, líder da classificação e favorita ao ouro, desistiu de competir para cuidar de sua saúde mental.
“Nós apoiamos a decisão de Simone e aplaudimos sua bravura em priorizar seu bem-estar. Sua coragem mostra, mais uma vez, porque ela é um exemplo para tantas pessoas”, afirmou a federação de ginástica dos Estados Unidos em comunicado.
Biles havia abandonado a competição por equipes na terça-feira (27) após um salto com nota ruim para seus padrões. Do lado de fora do tablado, ela vestiu seu agasalho e passou a apoiar as colegas, que ficaram com a prata (o ouro foi para o Comitê Olímpico Russo). Como teve resultado computado na final, a ginasta somou mais essa medalha no currículo.
Sem a norte-americana, cresce a expectativa sobre Rebeca, que está focada em fazer uma boa competição.
“Eu tive a melhor oportunidade da vida, Deus me deu essa oportunidade e eu soube usar. Essa Olimpíada não está sendo para mim um sonho. Eu coloquei ela como objetivo. Se fosse só um sonho, não estaria aqui hoje “, afirmou a atleta, após se classificar para as finais.
A ginasta busca a redenção na carreira após enfrentar seguidas e dolorosas lesões. Em 2014, uma fratura no dedo do pé a tirou da disputa dos Jogos Olímpicos da Juventude, em Nanjing, na China. No ano seguinte, rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho direito e teve que ficar nove meses em recuperação.
Ela participou dos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, quando sua melhor colocação foi o oitavo lugar na disputa por equipes. A maior frustração, porém, ocorreu no individual geral. A brasileira ficou em terceiro lugar no qualificatório. No final da prova decisiva, cometeu algumas falhas e não passou da 11ª colocação.
Os tormentos físicos de Rebeca não pararam após 2016. No ano seguinte, torceu o tornozelo direito durante treino e teve que usar bota protetora por dois meses. Pouco depois, em outubro, sofreu nova lesão no ligamento cruzado anterior do joelho direito e ficou fora do Mundial de Montreal, no Canadá. Só voltou a competir em setembro de 2018.
Nove meses depois, Rebeca viu a chance de participar das Olimpíadas de Tóquio ser encerrada. A ginasta teve que passar pela terceira cirurgia no joelho direito após sofrer nova lesão no ligamento cruzado anterior. Não voltaria a tempo de conquistar a vaga olímpica. Mas veio a pandemia do novo coronavírus, a paralisação do mundo esportivo e o adiamento do evento.
Rebeca voltou a treinar em julho de 2020 e agarrou a chance de competir no Japão.
“Teve muito trabalho envolvido. Nesses cinco anos, houve períodos em que tive que ficar parada [pelas lesões]. Depois veio a pandemia. Não estaria aqui sem toda minha equipe multidisciplinar”, agradece Rebeca.
A vaga em Tóquio só foi conquistada no mês passado, com a vitória no individual geral no Pan-Americano da modalidade, no Rio de Janeiro.
“Estava no campeonato como árbitra. Quando vi a classificação da Rebeca, minha vontade era de ir abraçá-la, mas não podia”, lamenta Mônica, a primeira treinadora, que diz estar ansiosa para as finais da ginástica.
“É um orgulho grande ter feito teste com a Rebeca, ela ser de Guarulhos como eu. É uma medalha muito esperada. Já sonhei com ela competindo e ganhando medalha”, completa, certa de que a previsão feita lá atrás, e sem Simone Biles no caminho, poderá enfim se concretizar.
A decisão das medalhas no salto será no domingo (1º), às 5h45. Na segunda-feira (2), no mesmo horário, Rebeca irá se apresentar ao som do hit “Baile de Favela”, lembrando sua origem humilde, na final do solo.