Esqueça aquela transmissão tradicional. Narrador, comentarista, repórter… O novo formato tem um anfitrião, os amigos (os membros da tribo) e interação. Muita interação. Maior streamer brasileiro e um dos mais reverenciados do mundo, Gaules usou sua experiência no eSports, principalmente com narrações de campeonatos de Counter-Strike, para se tornar um fenômeno com os jogos da NBA.
A parceria começou durante os playoffs da temporada passada e foi ampliada para 2021-2022. Serão cerca de 100 partidas com exibição ao vivo pela Twitch, plataforma de streaming onde ele conta com 3 milhões de seguidores.
Em entrevista ao Estadão, Gaules revela que aceitou o desafio sem pensar muito para não recusar, mas o resultado compensou. Na temporada de estreia, quando narrou 15 jogos do basquete dos EUA, incluindo as finais da Conferência Leste entre Milwaukee Bucks e Atlanta Hawks, ele alcançou um pico de audiência de 142 mil dispositivos simultâneos e somou mais de 3,5 milhões de horas assistidas nas lives. O novo estilo de transmissão chegou para ficar e, em pouco tempo, deve ser adotado por outros esportes.
Após estrear nos playoffs, você terá uma temporada inteira pela frente. Qual é sua expectativa?
Muito grande. Essa parceria é gratificante. Não é apenas por ser inovadora, mas era uma coisa que não sabia o que iria acontecer. Quando comecei com as transmissões no formato que tinha no Counter-Strike era algo fora do meu universo. Não sabia o que esperar, qual seria o feedback do público. Mas quando apresentamos uma proposta de aprendermos juntos, foi incrível. Aprendemos muitas coisas com os primeiros jogos e, com esse aprendizado, pegamos gosto pelo esporte e entendemos porque existe uma paixão global pela NBA. Agora, com esta possibilidade de ter uma temporada inteira, vamos estar muito mais ambientados.
O que você sabia da NBA antes de começar nesta jornada?
Michael Jordan (risos). O incrível é que se eu parasse para pensar, acho que não faria, não teria topado essa doideira. Eu me sentia preparado para fazer algo neste sentido, no formato que tinha, mas seria uma coisa de outro mundo trazer um esporte que ficou um pouco distante. O basquete é muito legal. O brasileiro gosta muito, mas só não tem oportunidade de acompanhar. Só em eventos ou ocasiões especiais. A NBA hoje está mais acessível. A transmissão em um canal da Twitch, para um público diferente, jovem, para pessoas que não são do basquete, em outra linguagem, já prova isso. Essa possibilidade me agradou.
É formato que veio para ficar?
Veio (sim) porque quando olhei o esporte eletrônico, vi muita coisa em que ele poderia se espelhar no esporte convencional. Hoje temos outros formatos, eles mudaram. O meu universo é livestream, e ela tem ferramentas totalmente diferentes. Tem o chat, o dispositivo de mensagem de voz… São diversas ferramentas para interagir. A interação na televisão é limitada às redes sociais ou aquela participação do internauta, que é como se fosse um quebra-galho, algo rústico. O formato que acompanha o esporte eletrônico é mais moderno. Hoje, na NBA, conseguimos colocar algo moderno, que todos podem interagir de uma maneira mais moderna do que o modelo convencional. Essa interação faz toda a diferença. E essas ferramentas só existem no nosso universo. A transmissão pode ser vista pelo celular, computador, notebook. É multiplataforma. Combina com a NBA porque lá tudo é um espetáculo.
A NBA te escolheu pela facilidade de conversar com a chamada Geração Z (pessoas nascidas entre 1995 e 2010)?
Hoje vejo os pais, muitas vezes, em uma luta para convencer os filhos a assistir futebol, basquete… A molecada é que está convencendo os pais a ver Counter-Strike, League of Legends, ou qualquer outro esporte eletrônico na televisão, porque já chegou na TV. E não que ele dependa das grandes emissoras. Você pode baixar um aplicativo, seja Youtube ou Twitch, e acompanhar grandes transmissões. A molecada hoje é conectada, sabe onde está passando tudo. A NBA, não à toa, consegue se manter com uma relevância global porque ela está um passo à frente. Quando os outros estão pensando em o que fazer para rejuvenescer o público, a NBA já agiu. E estar na linha de frente, ser pioneiro nisso, é uma coisa muito gratificante. No futuro vão virar e falar que isso começou lá no Brasil.
Mas o fato de começar no Brasil gerou ciumeira nos gringos…
Quando teve o lançamento, eu vi muita gente nos EUA, das comunidades do basquete, questionando como um brasileiro fez isso? E teve uma resposta de um americano que me marcou: ‘provavelmente ele teve coragem de ir lá e fazer’. Quando nós conseguimos, o que eu senti é que foi o impossível, algo inalcançável, ainda mais uma transmissão oficial e no formato que nós fazemos. A mensagem que conseguimos passar é que todos podem sonhar se fizerem de uma forma profissional. É um caminho sem volta. Quando você coloca essa bandeira lá, você pode ter certeza de que pessoas do mundo inteiro estão querendo repetir, seja com NBA, NFL, futebol…
Teve receio de não dar certo?
Quando anunciei, senti que era algo maior do que esperava. Tentei ser o mais natural possível porque se eu entrasse na onda de me transformar por causa da NBA não ficaria o formato que gosto, precisa ter uma verdade, uma identidade, e que me sinta confortável. Esse era o desafio. São muitas questões. O público do basquete pode achar que aquilo não era legal. Mas quando pude perceber que os números, até dos outros canais que transmitem, só cresceram, foi um sinal de que conseguimos trazer certa relevância para o assunto. Não pegamos os números de ninguém. Nós trouxemos um novo público. Viramos uma porta de entrada.
A sua primeira transmissão na temporada será Dallas Mavericks x Atlanta Hawks, de um jogador que você criou uma ‘hype’ absurda, que foi o Trae Young…
Foi legal porque ele era até alvo dos haters, o pessoal não gostava dele no Brasil. Gostamos do estilo dele jogar, da marra que ele tinha. Um dos integrantes da tribo, o Lindinho, que é muito carismático, ficou muito fã do Trae Young. Olhamos para ele de uma maneira diferente. Ele joga desta maneira porque é baixinho e está lá no meio de caras grandes. Às vezes, você não percebe isso, acha que ele era apenas folgado. De repente, o jogo vira. Você simpatiza com o cara, porque entende e isso agrega muito. Você traz novos olhares para uma comunidade. O jogador Antetokounmpo virou ‘Oitentaconto’. Surgiu tanta coisa legal. A gente trouxe um lado mais simples do basquete que eu acho que ficou elitizado nos últimos anos. Você não precisa saber falar o nome do atleta. Eu não sei falar os nomes. Isso faz com que essas pessoas se sintam mais em casa, é até uma maneira de humanizar.
Vamos ver o Gaules, em breve, em outros esportes?
Tenho uma equipe desde o ano passado, criamos uma empresa, que se tornou parte do grupo Omelete Company, sou sócio deles. Essa estrutura fez ser possível dar esses passos, buscar esses sonhos e entregar, porque são muitas coisas, durante, antes e depois. Quem sabe será o futebol, Olimpíada, Fórmula 1, vôlei… São cases que vamos abrir portas.