SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Gil do Vôlei” ou “Juliette da Olimpíada” são alguns dos inesperados apelidos que Douglas Souza ganhou nos últimos dias, referência a figuras que chamaram a atenção na última edição do programa “Big Brother Brasil”. O midiático jogador de 25 anos se tornou sensação nas redes sociais com a chegada dos Jogos de Tóquio-2020.
Na última quarta-feira (21), acumulava 834 mil seguidores em uma incrível ascensão no Instagram. Neste domingo (25), já passava dos 2,3 milhões, ultrapassando o levantador Bruninho como o atleta com mais fãs na rede social.
“Em 2021, precisamos entender que o atleta é um influencer digital, precisamos estar conectados com os fãs”, diz Douglas, à reportagem, dias após sua chegada no Japão.
Quem entrar no perfil do jogador vai encontrar desde postagens descontraídas, com os bastidores da delegação brasileira, até mensagens sobre debates políticos e sociais, como a defesa dos direitos LGBTQIA+.
Em um Brasil que vive as redes sociais sob o ritmo do “Big Brother” e durante uma Olimpíada de acesso restrito devido a questões sanitárias, a combinação se tornou a receita para o sucesso.
Douglas virou o ícone perfeito para um público que, sobretudo após os protestos antirracistas de 2020, ansiava encontrar no esporte figuras influentes como as do reality show.
“Infelizmente, no Brasil, a gente tem um sistema muito atrofiado em relação a como os atletas usam as redes sociais. Se o atleta gosta de se posicionar e usar as redes, muita gente, clubes, diretores ou técnicos, ainda leva como se ele estivesse sem foco, não quisesse mais ser atleta. Isso está mudando aos poucos, mas de forma ainda bem lenta”, comenta o ponteiro da seleção.
Parte do incômodo gerado pelas publicações de Douglas está ligada às manifestações políticas. O vôlei não foge ao que se vê na sociedade e apresenta uma divisão clara entre os atletas.
Abertamente de esquerda, o campeão olímpico da Rio-2016 encontra eco em muitas de suas opiniões políticas no companheiro Lucarelli, por exemplo, mas divergência em outras personalidades da modalidade.
É o caso de Murilo, que costuma compartilhar publicações de figuras de direita, como o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, o empresário Salim Mattar, o humorista Danilo Gentili, o músico Roger e os deputados Kim Kataguiri (DEM-SP) e Janaina Paschoal (PSL-SP). Em 2018, em meio à eleição para presidente, ganhou destaque uma foto na qual Wallace e Maurício Souza exibiam o número do então candidato Jair Bolsonaro.
Do outro lado, a jogadora de vôlei de praia, Carol Solberg, criticou o presidente, em 2020. Também tem o pensamento mais alinhado ao de Douglas a jogadora Tifanny, atleta trans que luta contra um projeto de lei que tenta definir o sexo biológico como definidor da categoria (masculino ou feminino) de um esportista.
“Precisamos lutar juntos, continuar nos posicionando para mostrar que não somos diferentes de ninguém. [Precisamos de] visibilidade, só isso. As pessoas precisam ser vistas”, diz ele, que, antes de ser acompanhado por milhões de seguidores, tinha uma vida bem mais discreta.
Natural de Santa Bárbara d’Oeste, a 138 km de São Paulo, ele lembra que na infância vivia brincando na rua. Por conta de sua bronquite, precisava praticar esportes. O vôlei surgiu em 2008, ano em que o Brasil foi medalha de prata nas Olimpíadas com nomes como Giba e Dante.
“Tinha um menino que tinha um kit com rede e bola, de supermercado. E a gente amarrava essa rede num muro de um lado da rua e a outra ponta no portão da casa dele. Às vezes, passava caminhão de lixo, carro, era uma zona, tinha que desmontar na pressa, ficavam bravos”, conta ele.
“O asfalto era muito quente. A gente jogava o dia inteiro, inclusive ao meio-dia, todo o mundo descalço, sem camiseta”, sorri.
Do vôlei no asfalto, Douglas rapidamente progrediu para a versão de quadra do esporte. Chegou ao Pinheiros, em 2012, depois passou por São Bernardo e Sesi até chegar ao Taubaté, time com o qual foi bicampeão da Superliga na última temporada.
Agora, jogará ao lado de Maurício Borges e Flávio no Vibo Valentia, da Itália. Uma mudança sobre a qual ele se pronuncia de maneira crítica.
“Para ser bem sincero, não foi uma escolha, foi o que tinha. O vôlei no Brasil, infelizmente, não está em uma situação muito boa. Somos [o Taubaté] os atuais bicampeões e hoje vivemos uma situação crítica, com a possibilidade de não existir mais o time por questões financeiras”, diz, citando a falta de patrocinadores e de investimento.
Para ele, sair do Brasil foi a única escolha para continuar jogando em alto nível e poder representar a seleção brasileira. É a visão de quem se percebe cada vez mais importante no elenco do Brasil.
Se na Olimpíada do Rio, em 2016, ele era um novato, uma série de lesões em atletas importantes no Mundial de 2018 o alçou rapidamente à única alternativa para o time titular. E ele se destacou. Mas, mesmo como um valiosa atleta do elenco brasileiro, Douglas ainda não exibia, fora de quadra, a personalidade que apresenta hoje.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo após o título do Mundial, três anos atrás, o ponteiro se mostrava receoso com a posição de protagonista das redes sociais.
Hoje, entende que amadureceu, sobretudo após a pandemia. Viu o Taubaté sofreu um surto de Covid-19 e o treinador da seleção, Renan Dal Zotto, ficar à beira da morte, internado com um quadro grave da doença.
“Fiquei muito assustado. A gente via na TV, via conhecidos se infectando, mesmo tomando todos os cuidados. De repente, a gente olha para o lado e só tem seis pessoas [no vestiário], geral pegou. Era assustador ver a coisa chegando cada vez mais perto, até com o Renan. Quando ele pegou, a gente estava junto na seleção”, relembra.
Hoje, Douglas se diz em seu melhor momento, física e psicologicamente. Na última competição antes dos Jogos, sagrou-se campeão com o Brasil da Liga das Nações de vôlei e foi uma importante peça da rotação brasileira.
Agora, parece preparado não só para tentar o seu segundo ouro olímpico mas para assumir o papel de voz ativa que, três anos atrás, ainda tinha receio em aceitar.
“Antes, talvez eu não conseguisse lidar com comentários ruins que me afetassem, mas hoje […] quem me segue nas redes sabe como estou muito mais aberto. Qualquer coisa que aconteça, protesto ou coisa do tipo, eu estou sempre interagindo e me posicionando, dando meu ponto de vista. E acho que agora, sim, depois de anos, eu estou nessa posição de falar e as pessoas querem ouvir”, resume.