SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dirigido por Bernard Rose, “O Mistério de Candyman” já abordava temas como classe social, raça e trauma. Baseado em um conto de Clive Barker que se passava em uma região pobre de Liverpool, na Inglaterra, o original de 1992 transpõe a ação para o Cabrini-Green, um conjunto habitacional de Chicago.
Candyman é o espírito de Daniel Robitaille, um homem preto do século 19 que foi torturado e assassinado por engravidar uma mulher branca –sua mão foi cortada e substituída por um gancho e espalharam mel em seu corpo para atrair abelhas.
O terror dos anos 1990, no entanto, tem Helen Lyle como protagonista, uma doutoranda branca que estuda lendas urbanas e que vai até o Cabrini-Green para invocar o espírito de Candyman. Na época do lançamento, alguns cineastas negros reclamaram do estereótipo racista. “Não há dúvida de que o filme joga com os medos da classe média branca com relação aos pretos,” disse o ator e diretor Carl Franklin ao Chicago Tribune. “É irresponsável e racista.”
Quase 30 anos depois, a nova versão de Candyman busca reivindicar a narrativa sobre a experiência negra. Após o sucesso de “Corra!”, vencedor do Oscar de melhor roteiro original de 2018, Jordan Peele e a sua produtora Monkeypaw escalaram Nia DaCosta para dirigir “A Lenda de Candyman”. Hoje aos 31, a diretora tinha apenas dois anos quando o original saiu.
Criada no Brooklyn e no Harlem, DaCosta estudou na New York University’s Tisch School of the Arts. Em 2015, seu roteiro “Little Woods” foi selecionado para um laboratório de roteiristas e diretores de Sundance.
Quando ficou sabendo do reboot de “Candyman” pela produtora de Peele, a diretora –que, no ensino médio, fez um curta de terror chamado “A Garota Preta Morre por Último”– propôs homenagens a vários filmes clássicos do gênero.
É fácil identificar, por exemplo, a referência ao grotesco processo de transformação de “A Mosca”, embora “A Lenda de Candyman” não lide apenas com o horror corporal. Há tensão nos enquadramentos, na edição de som e na trilha sonora –fãs do original irão reconhecer a influência de Philip Glass.
Considerado uma “sequência espiritual” do primeiro filme, “A Lenda de Candyman” traz o artista visual Anthony McCoy –Yahya Abdul-Matten II, vencedor do Emmy pelo seu trabalho na série “Watchmen”– e a curadora de arte Brianna Cartwright –Teyonah Parris, de “WandaVision”– morando juntos em um loft de luxo em Cabrini, agora renovado e gentrificado.
Depois de se encontrar com um morador do antigo conjunto habitacional, Anthony começa a pesquisar detalhes da lenda de Candyman, o que desencadeia todo o terror que vemos na sequência.
“A Lenda de Candyman” trata de como contamos as histórias, como os “monstros” são criados por nós mesmos, e de como a violência racial é perpetuada, geração após geração. O teatro de sombras é um engenhoso recurso narrativo usado pelo longa, para mostrar a brutalidade de uma forma indireta, mas ao mesmo tempo poderosa.
Há sanguinolência no filme, mas muitas das mortes são exibidas de maneira sofisticada –pelo reflexo de um espelho caído no chão de um banheiro, por exemplo. Com duração de apenas 91 minutos, o filme tem cada uma de suas cenas permeada de nuances.
Com a primeira data de lançamento adiada em decorrência da pandemia, a obra faz ainda mais sentido após os protestos de 2020 pela morte de George Floyd, o preto americano que foi assassinado por um policial branco.
Para Nia DaCosta, é importante revelar o passado e não esconder todo o sofrimento que os negros passaram e ainda passam nos dias de hoje, até que o ciclo de violência seja finalmente quebrado.
É como o título de uma obra concebida pelo personagem de Abdul-Matten no filme: “Diga o Seu Nome”.
A LENDA DE CANDYMAN
Quando: Estreia nesta quinta (26)
Classificação: 16 anos
Elenco: Yahya Abdul-Mateen II, Teyonah Parris e Colman Domingo
Produção: EUA/Canadá, 2021
Direção: Nia DaCosta
Avaliação: Muito Bom