Há 40 anos, Alice Walker lançava o que viria a ser seu livro mais célebre, mais amado e odiado – um clássico por tantas vezes banido de escolas, bibliotecas e prisões americanas: A Cor Púrpura.
É a história de Celie, da infância à vida adulta, situada numa região rural do sul dos Estados Unidos no início do século 20. Uma história sobre abuso sexual, machismo, racismo e violência. Sobre família e identidade. E sobre Deus. “Ainda me desconcerta que as pessoas raramente discutam A Cor Púrpura como um livro sobre Deus. Sobre ‘Deus’ versus a ‘imagem de Deus'”, Alice escreve no prefácio da edição comemorativa de 25 anos só agora publicada no País – na edição de 40 anos que a José Olympio publicou no fim de 2021 com apresentação da poeta e tradutora Stephanie Borges.
O romance de 1982 ganhou o Pulitzer (a autora foi a primeira mulher negra premiada na categoria ficção) e o National Book Awards. Em 1985, foi adaptado para o cinema por Steven Spielberg, numa produção também premiada que contou com Whoopi Goldberg, Oprah Winfrey e Danny Glover. Virou best-seller e musical na Broadway e também no Brasil (está em cartaz no Rio).
Escritora, poeta, ativista do Movimento pelos Direitos Civis, feminista, Alice Walker nasceu no estado da Geórgia em 1944. Era o tempo da segregação racial, e ela estudou na única escola para crianças negras da cidade. Foi professora de Literatura nos anos 1960 e 1970, e editora da lendária revista Ms. Magazine. Viajou o mundo, escreveu, buscou a natureza.
Seu primeiro livro de não ficção publicado no Brasil, no ano passado, pela Bazar do Tempo, foi Em Busca dos Jardins de Nossas Mães. A obra traz ensaios pessoais e políticos sobre os assuntos que lhe são caros. No prelo da José Olympio, estão outros quatro: Meridian, de 1976, previsto para abril, e o infantil Gente Legal Está em Todo Lugar, que sai em março, além de Segredo da Alegria, em julho, e O Templo dos Meus Familiares, em novembro.
Alice Walker, que completa 78 anos no dia 9 e que vive hoje na Califórnia “por seus céus abertos e montanhas e neblina espessa nas manhãs e lagos”, conversou recentemente com o Estadão por e-mail.
O que a interessava na literatura quando a senhora começou? E agora?
Escrever é sobre expressar o seu estado de espírito, especialmente quando se é jovem. Mais tarde, trata-se de criar um mundo onde outras pessoas possam se juntar a nós.
A Cor Púrpura está completando 40 anos. Como a senhora vê esse livro hoje? Muitas pessoas estão descobrindo esta obra hoje à medida que a literatura negra produzida atualmente ganha espaço e leitores. Como a senhora vê este momento?
A Cor Púrpura foi um presente para mim. Foi escrito ao longo de um ano. Um ano em que me deleitei com a existência imaginária de meus avós antes de conhecê-los. Esse deleite, por mais que para alguns a história pareça desafiadora, acaba triunfando sobre qualquer tristeza. Vemos que crescemos, sofremos, perdemos e encontramos o nosso caminho infinitamente. E no meio disso tudo há momentos tão sublimes que continuamos gratos por termos chegado aqui. Neste planeta, com essas pessoas talvez esquisitas, e sempre com as surpresas que a natureza nos proporciona, que nunca deixa de estar presente de uma forma que não nos é habitual. Surpreendente, mágico, quase além do nosso pensamento de como uma coisa dessas poderia ser: como a cor de qualquer coisa.
Houve ganhos e conquistas, e retrocessos. Como é, para a senhora, viver este tempo? Tem medo de algo?
Descobri, em grande parte por meio da prática da meditação, que fiz quando criança sem saber o que era, uma sensação de paz ou, talvez mais corretamente, uma sensação de aceitação. Tenho trabalhado toda a minha vida consciente para nutrir aqueles que estão sofrendo ao meu redor e no mundo. Hoje, o sofrimento do mundo – pessoas deslocadas, fome, doença, falta de moradia, violência, vício – é mais do que assustador. A menos que a humanidade se una, podemos não ser capazes de preservar nosso hábitat. A Terra. É um momento terrível para todos nós, não apenas para os humanos que se consideram os mais importantes, mas para as florestas e os animais que estão desaparecendo rapidamente. Vivo, dia a dia, em estado de profunda gratidão; isso ilumina meu coração. E eu já senti medo, claro, em encontros amedrontadores aqui e ali no mundo, como Gaza, Mississippi, etc., mas este é um momento em que você tem de se perguntar: eu preferiria estar em outro lugar? Ou ser outra pessoa? Eu preferiria não estar ao lado dessas pessoas que admiro tanto? O amor supera o medo. Foi isso que descobri durante toda a minha vida, dia após dia.
Aos 77 anos, olhando em retrospecto tudo o que viu e viveu, todas as lutas e livros, como se sente?
Feliz. No geral. E isso é uma surpresa maravilhosa para uma pessoa que foi, no começo da vida, tão frequentemente deprimida!
Pelo que a senhora luta hoje em dia?
Não estou lutando. Se o que estou oferecendo não for aceito em um lugar, tentarei outro lugar. Ou, outra forma de expressar isso, é que tentarei usar outro meio. Eu tenho 77 anos e os piquetes são perigosos e tem todo aquele déjà vu. Mas tenho usado a internet e meu blog alicewalkersgarden.com, e isso tem me dado espaço para oferecer aos outros o que acho que pode ser útil.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.