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Lazer e CulturaComo uma dancinha no TikTok fez a seresta, o brega maranhense, voltar às paradas

Como uma dancinha no TikTok fez a seresta, o brega maranhense, voltar às paradas

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BILBAO, ESPANHA (FOLHAPRESS) – O sítio onde vive o maranhense Elias Monkbel, de 35 anos, não tem boa cobertura de internet móvel. Às vezes, ele encontra sinal de conexão e responde mensagens no WhatsApp. Essa instabilidade nas redes não é rara para ele e seus vizinhos dos entornos de Bom Lugar, município situado 300 km ao sul de São Luís.

Embora a terra de Monkbel não pareça terreno fértil para um fenômeno da internet, é exatamente esse seu caso. Em abril, o artista ganhou fama nas redes sociais com a canção “Carpinteiro” e levou a seresta, espécie de brega maranhense, a figurar entre os gêneros mais ouvidos do Brasil.

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Essa é a primeira vez que Monkbel se vê em meio ao estrelato, mas não é a primeira vez que a seresta marca presença no topo do cancioneiro popular nacional.

Em 2000, o também maranhense Lairton estourou com a faixa “Morango do Nordeste”. A música, cujo refrão diz tão simplesmente “ai, é amor”, levou Lairton ao topo das paradas, a programas de TV e apresentações Brasil adentro.

A história não é tão diferente da que tem vivido Monkbel, que, assim como o conterrâneo, deve muito de sua música ao teclado: o instrumento é central nesse misto de bolero, samba-canção, forró adocicado e clássicos românticos que dá forma à seresta.

“Eu gravei ‘Carpinteiro’ em 2017, durante uma festa de um amigo”, diz Monkbel. “Em 2018 eu gravei de novo essa música e ela entrou em outro CD meu.”

A insistência deu frutos. À medida que se tornava artista requisitado para shows no interior do Maranhão, Monkbel viu sua música ganhando espaço em plataformas digitais que alimentam as caixas de som de bares, biroscas, choperias, restaurantes, festas e paredões do Centro-Oeste e do Nordeste do Brasil.

O empurrão para o sucesso veio em forma de meme. Em março deste ano, o pernambucano conhecido como Orlandinho do Piseiro postou no TikTok um vídeo em que dançava com amigos ao som de “Carpinteiro” —já numa versão bem mais próxima da pisadinha, vertente do forró. De ares caricatos, os gestos de Orlandinho passaram a ser reproduzidos por anônimos e famosos na rede social.

O vídeo original da coreografia bem humorada acumula até o fim de maio cerca de 8 milhões de visualizações apenas no TikTok. Somam-se os acessos aos mais de meio milhão de vídeos que, segundo a plataforma Soundcharts, replicam o meme com a música de Monkbel como trilha.

Nas últimas semanas, o artista maranhense chegou às principais playlists do serviços de streaming, passou a protagonizar campanhas publicitárias e virou convidado de talk-shows. Monkbel chegou até mesmo a conhecer o primeiro intérprete da canção, Ronnie Von, cuja voz embala a versão brasileira de “If I Were a Carpenter” —composta em 1967 pelo americano Tim Hardin.

“O Ronnie Von me agradeceu demais, ele disse que eu estou renovando a música”, diz Monkbel.

Outro feito recente é o clipe de “Carpinteiro”, em que Monkbel, ao lado do forrozeiro Nattan, canta e toca teclado. “Eu ralei muito pra conseguir comprar um instrumento desses”, lembra ele. O artista perde a conta ao falar de todas as bandas e conjuntos que integrou em quase 20 anos de carreira.

No começo, ganhava dez reais por noite. Pouco a pouco foi aumentando o cachê e, quando decidiu se lançar solo, juntou R$ 4.000 para comprar seu primeiro teclado. Foi durante uma de suas apresentações, em 2018, que um apresentador lhe deu o epíteto: “Eu ia subir no palco e ele disse, ‘Elia Monkbel, o Imperador da Seresta’.”

Mário de Andrade, em seu “Dicionário Musical Brasileiro”, define a seresta como um tipo de serenata. Até se converter na seresta de Monkbel, essa forma de executar canções à brasileira atravessou o século 20 aglutinando diversas tradições de música romântica —aquilo que, desprezado pelos círculos intelectuais, seria chamado de brega em várias partes do país. No Maranhão, a palavra se transformou sem deixar o amor de lado.

“A seresta é um modelo de festa que tem uma característica tradicional, não se toca música nova. Como qualquer festa, ela começa com a música mais lenta e depois esquenta, e toca bolero, um forró, até um bumba-meu-boi”, explica Bruno Azevêdo, professor do Centro Universitário UNDB (Unidade de Ensino Superior Dom Bosco) e autor do livro “Em Ritmo de Seresta – Música Brega e Choperias no Maranhão”.

Azevêdo remonta a origem da seresta maranhense aos anos de 1960 e 1970, quando bailes da elite maranhense se espraiam para as camadas populares das cidades.

Já nos anos de 1980, fatores socioeconômicos contribuem para uma queda no número de bandas do estado. A chegada do teclado também é fundamental nesse processo. Os conjuntos de dança de salão ficam mais enxutos, com poucos músicos ou apenas um artista sobre o palco.

“Quando o teclado começou a surgir, outros mercados não encararam aquilo como uma ferramenta, mas os músicos do Maranhão, sim, viram que ali havia vários instrumentos em um só”, explica Azevêdo.

“O teclado virou um tesouro quando caiu na mão desses artistas, que viram ali uma oportunidade nova entre desemprego e precariedade técnica.”,

Somente ao fim da década de 1980, lembra Azevêdo, a seresta começa a ganhar registros que vão além das memórias dos apaixonados. Sediado em São Paulo, o selo Gema passa a gravar nomes de peso da música popular maranhense como José Oniton, Anjinho e Júlio Nascimento. Esses artistas foram criados no mundo dos bailes populares e fizeram música com os sons da tecnologia barata dos teclados. Elevado ao status de protagonista, o instrumento sempre aparece nas capas de seus discos.

É no final dos anos de 1990 que estreia o álbum “Lairton e Seus Teclados”, pela Gema, com a faixa de abertura “Morango do Nordeste”.

Composta pelos pernambucanos Walter de Afogados e Fernando Alves em 1987, a canção entra no repertório de seresteiros maranhenses e emplaca na versão de Lairton. No sudeste, ela é erroneamente etiquetada por imprensa e programas de entretenimento como forró. “Pra quem não é socializado na seresta, essa música se pulveriza como forró — que também é um modelo de festa”, diz Azevêdo.

“Uma seresta tem que ter música pra agradar todo mundo, de 15 a 70 anos”, diz Monkbel. Em uma live feita durante a pandemia, ele canta “Arritmia”, da banda Forró Boys, faz uma versão de “Sweet Child O’ Mine”, do grupo Guns N’Roses, além de tocar o clássico conto de fadas do hit “Carpinteiro”.

Muitas músicas no repertório de Monkbel vem dos seus tempos de menino, época em que as difusoras ainda eram as donas das playlists do interior do país.

“Quando saía pra roça, meu pai ligava a rádio, e eu ia cantando no caminho com o facão embaixo do braço”, rememora ele. À tarde, encarava pouco mais de dez quilômetros para chegar à escola e ainda tinha fôlego para mais cantoria. “A professora pedia e eu puxava o hino.”

Foi também quando criança que Monkbel viveu por alguns meses debaixo de uma árvore junto da família. “Teve uma reintegração de posse onde a gente morava, entrou a polícia lá e tacaram fogo nas casas.” Hoje, com sítio, sucesso e teclado no seu nome, Monkbel quer fazer um estúdio próprio na sua casa para manter o ritmo de gravações e ensaios.

“A seresta hoje é um gênero cyber punk”, explica Bruno Azevêdo. “Ela quebrou a relevância das instâncias de legitimação que impediam muita gente a ter acesso a ser artista.”

No caso de Monkbel, essa quebra veio com solos de teclado, doses cavalares de TikTok e canções de amor.

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