Era uma garagem com certeza. Não só por sua localização no imóvel, atracada à calçada; outros vestígios denunciam a sua antiga função, como o portão basculante verde-água, que foi mantido. Ocorre que, desde setembro, mesas e cadeiras impedem a entrada de carros. Só pedestres, agora, estacionam ali, clientes do novo Agustín, que é “um bar de se comer” ou um “restaurante de coquetéis”, como queira.
Aberto no Itaim Bibi, ele se junta a uma leva de novos negócios gastronômicos que também ocuparam garagens durante a pandemia – e não fizeram questão de esconder esse traço de sua personalidade. Saída para driblar aluguéis muito altos, além de outros investimentos necessários em uma grande reforma.
O revestimento descascado, com diferentes tons de tinta, foi preservado no cenário do Agustín. Para ampliar o espaço, paredes caíram para anexar outros cômodos da casa à garagem – a escada da antiga sala está ali, inclusive, e hoje leva para o estoque do bar. E assim como os móveis, garimpados em antiquários, pratos, louças e talheres são propositalmente desemparelhados.
Um modelo de negócio charmoso e descomplicado, que custou algo em torno de R$ 150 mil (incluindo reforma, documentação e equipamentos) aos sócios, o chef Julián Rigo e o casal formado pela chef Nora Brass e o bartender Juglio Ortiz, ambos do extinto A Barra.
A cozinha do Agustín expede ostras frescas com mignonette de manga, crudo de prejereba com caju e abacate, e mexilhões cozidos em caldos apurados, como o de tamarindo com capim-limão e o de moqueca (peça uma fatia de pão de fermentação natural para chuchar). Entre os pratos da semana, chances de encontrar gaspachos variados, tostadas, costelinha suína com molho de café, berinjela ao vinho tinto com grão-de-bico e cogumelos.
Para beber, o destaque são os vermutes, feitos na casa, que podem ser degustados puro ou com tônica. A versão rossa, aliás, é base para o drinque que leva o nome do bar e combina sucos de abacaxi e de limão, xarope de flor de laranjeira (feito ali também), aquafaba e água com gás. O Bloody Mary, com suco de tomate caseiro, é servido em jarra de um litro – bom para compartilhar sentado numa das cadeiras de praia dispostas em frente ao bar no fim de semana.
Assim como no Agustín, que opera somente de quarta a domingo, o horário de funcionamento reduzido também é marca de outras ex-garagens. O novo Lardo Bar e Sebo, por exemplo, suspende o seu portão ao público três vezes na semana, às quintas, sextas e sábados. “Nossa cozinha é tão pequena, que precisamos ocupar parte do salão, às terças e quartas, para dar conta dos pré-preparos. Por isso ficamos fechados”, conta Ricardo Sukys, que abriu o bar junto de dois amigos de infância, Diogo Bardal e João Próspero. Quase tudo do que é servido ali é feito do zero.
O ponto, numa rua larga de paralelepípedos na Pompeia, foi escolhido por conta do preço. “Era uma garagem bem tosca, com vaga para dois carros. Foi o aluguel mais barato que encontramos”, conta Sukys. A ideia era fazer uma grande reforma, fechar a entrada para ter um bar mais intimista, mas a pandemia levou os sócios a mudar os planos: “Deixar a entrada aberta e ter um salão arejado, naquele momento, nos pareceu mais interessante”.
BALCÃO. O salão pequenino, contando com balcão e mesas, acomoda 20 pessoas por vez – mas a clientela é bem maior. Quem chega mais tarde, sem cerimônias, vai se ajeitando como dá nos bancos improvisados em canteiros do lado de fora. A calçada fica lotada de gente com seus Lardo Martini (fatwash de lardo, gim, vermute e bitter de laranja) e Spiced Negroni (spiced rum, Porto dry, Campari, Cynar e salmoura de picles) nas mãos. A carta sugere outros 12 drinques, autorais e clássicos.
Para petiscar, são boas pedidas as bruschettas de lula, que incluem lardo, tomates assados e manjericão, e as cremosas croquetas de cogumelos com queijo da Serra da Canastra. A porção de frango frito, crocante e suculento, é feita com sobrecoxas marinadas e empanadas no fubá e na cachaça. Se a fome for maior, vá de nhoque de abóbora com molho de castanha-do-pará e funghi, cogumelos, espinafre e avelãs.
VINHO NA CALÇADA. Sem carro para ocupar a garagem de casa, a sommelière Lua Sampaio decidiu mudar a vocação daquele espaço. Em janeiro de 2021, instalou ali o Flua, bar de vinhos da Vila Ipojuca, ao lado da companheira Renata Figo, que também reside no imóvel. A ex-garagem, inclusive, já estava habituada aos vinhos: durante a pandemia, passou a abrigar garrafas e mais garrafas que Lua usava em suas aulas online, atraindo a atenção da vizinhança. “Todo mundo queria saber o que ia abrir aqui.”
Eureka! Uma pequena reforma deu conta das adaptações necessárias para abrir o bar, como a troca do piso da garagem por cimento queimado. A dupla fabricou todos os móveis, “de madeira clara, para dar um ar mais despojado”. Já o portão de grades pretas, que deixa o Flua à vista de qualquer um que passa na rua, foi mantido.
A dupla investiu R$ 45 mil na concepção do Flua. Algo bem longe dos R$ 500 mil empregados por sócios-investidores num bar do Itaim, em que Lua iria trabalhar em 2020, não fosse a pandemia – o bar mal abriu e já teve de fechar as portas com o primeiro lockdown. “Há males que vêm para bem. Hoje, tenho a liberdade de montar a carta de vinhos do jeito que eu quero”, pondera. A seleção mutante de Lua dá preferência aos produzidos em pequena escala, “sejam eles naturais, orgânicos, biodinâmicos ou tradicionais”. Há boas opções em taças, “ao menos uma de cada tipo”.
Tábuas de charcutaria e queijos artesanais, a caponata defumada e as empanadas feitas por Renata, como a de queijo da Serra da Canastra e a de pancetta com queijo pesto, fazem tabela com os vinhos.
PONTO DE REFERÊNCIA. Quando alugou o imóvel na Rua Girassol, a padeira Olivia Maita não tinha planos para a garagem. “Precisei de um lugar para colocar o meu forno novo, que não cabia em casa. Daí aproveitei o espaço para fazer pizzadas às sextas, que pararam por conta da pandemia.”
Para se adaptar à nova realidade, Olivia viu que era hora de abrir um ponto para vender seus pães, que até então só eram feitos sob encomenda. Assim, a bendita garagem virou a Oli Pães. Por lá, dá para comprar diferentes pães de fermentação natural ou longa, antepastos, embutidos e geleias caseiras. “Além de ampliar minha carteira de clientes, a padaria aberta para a rua, colada à calçada, ajuda a chamar a atenção para a pizzaria (hoje aberta de terça e domingo), que fica escondida no andar superior da casa.”
As garagens dos Predinhos da Hípica
Como esquecer das garagens dos icônicos Predinhos da Hípica (aqueles de dois andares, construídos na década de 1950 e tombados como patrimônio histórico da cidade, no quadrilátero formado pelas ruas Pedroso de Moraes, Teodoro Sampaio, Mourato Coelho e Artur de Azevedo)?
Elas abrigam ao menos três pontos gastronômicos badalados, como a veterana Na Garagem, que desde 2013 serve seu clássico cheese salada, o mais famoso, em banquetas no balcão, além de pedidas mais inventivas, como “burger” à base de aligot de queijo da Serra da Canastra e cogumelos, empanado e frito, lançado este ano.
Em 2018, foi a vez de Daniela Bravin e Cássia Campos estrearem o Sede 261 numa dessas garagens. Trata-se de um bar de vinhos descomplicado, com rótulos garimpados pelas sommelières e boa oferta de taças. Fique à vontade para pedir comida por delivery quando bater a fome (não há cardápio de comes no bar) e, quando o pedido chegar, peça ajuda para harmonizar com o melhor vinho. Exceção ocorre aos sábados, quando a chef Yukie Kabashima instala uma estação de ostras no local.
A 200 metros dali, na Rua Sebastião Velho, outra garagem abriga o Jarro, um bar que faz espetinhos à moda dos estádios, mas com carnes (e vegetais!) de primeira, com direito a farofa, vinagrete e molho de alho feito na casa. Tem o tradicional de carne, de coração de galinha, de abobrinha, queijo de coalho, linguiça, cogumelos… Para acompanhar, peça uma cerveja ou um gim-tônica.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.