SPRING GREEN, EUA (FOLHAPRESS) – Na mesa larga de carvalho e madeira compensada, iluminada por janelas que cobrem toda a parede, Frank Lloyd Wright recebeu clientes importantes e esboçou centenas de projetos, como dois de seus trabalhos mais populares, o museu Guggenheim, em Nova York, e a residência Fallingwater, construída parcialmente em cima de uma cachoeira, no estado americano da Pensilvânia.
A mesa fica em seu estúdio e residência no interior do estado de Wisconsin, num terreno de 800 acres chamado Taliesin. A propriedade chegou a ser apelidada de castelo de amor, funcionou como laboratório de inovações e foi cenário de um dos crimes mais horrendos do início do século 20.
Mas, principalmente, foi refúgio do mais influente, prolífico e polêmico arquiteto americano. Wright passou a vida construindo, reformando e modificando os prédios da propriedade, deixando marcas de sua genialidade e também seus pontos fracos. Para muitos, Taliesin é como sua autobiografia gravada em pedra e madeira.
“Taliesin foi e continua sendo um trabalho de amor. O trabalho aqui nunca parou, apenas mudou de foco. Agora é preservar e manter, e não mais aumentar”, disse à repórter Ryan Hewson, diretor de preservação da Frank Lloyd Wright Foundation. “Taliesin sempre precisará de cuidados. E sempre nos recompensará com sua beleza. São incontáveis horas de dedicação de artesãos e milhões de dólares ao longo de muitos anos.”
Foram nestas colinas verdejantes de Wisconsin que Wright encontrou inspirações para uma arquitetura que mudaria o estilo de vida americano, até então voltado às modas europeias. Ele frequentou a região desde pequeno. Sua mãe o obrigava a passar os verões ajudando nas fazendas de sua família, uma forma de endurecer o rapaz que já mostrava propensão às sensibilidades das artes.
Aos 19 anos, ele voltou para desenhar o prédio de uma escola para suas tias, seu primeiro trabalho independente, que acabou destruído em 1950. Ele também fez um moinho de vento em 1896, batizado Romeu e Julieta e que funciona até hoje, e construiu um segundo prédio para a escola, em 1901.
Este é o primeiro edifício que o visitante de Taliesin é convidado a conhecer. E, de cara, já percebe as marcas do movimento liderado por Wright voltado a criações de linhas horizontais, inspiradas justamente nas paisagens planas das pradarias do meio-oeste americano.
A entrada parece escondida, e a escadinha até o cômodo principal é apertada, algo proposital para exarcebar a sensação que vem na sequência -uma sala ampla de teto altíssimo, com enormes janelas de vidro que convidam para dentro a natureza lá fora.
Exemplo de sua arquitetura orgânica, a escola traz colunas de rochas de arenito trazido de uma pedreira local, com ajuda de familiares e amigos. E as madeiras das vigas aparentes são de carvalho de árvores da propriedade.
Em 1932, o prédio virou centro de sua Taliesin Fellowship. Dezenas de aprendizes pagavam mais que escolas tradicionais para poder estudar e morar no espaço, ajudando o arquiteto em projetos e em muitas tarefas braçais. Era um laboratório de design e práticas educacionais alternativas, além de uma experimentação em vida coletiva.
A escola funcionou até junho do ano passado, quando fechou após anos de dificuldades financeiras e desavenças com a fundação que cuida do legado de Wright. Em maio, visitantes puderam circular pelo estúdio da escola pela primeira vez.
O espaço não tem janelas na altura dos olhos, talvez para evitar distrações. Treliças triangulares baixas seguram o telhado, como troncos de árvores numa floresta abstrata. Alguns banquinhos de madeira originais parecem desconfortáveis. “Wright não queria seus estudantes sentados por muito tempo”, imagina o guia de um tour de quatro horas por Taliesin.
O nome Taliesin vem de um poeta galês do século 6º, uma homenagem à origem da família de sua mãe. Em 1937, ele construiu Taliesin West, no deserto do Arizona, e passou a dividir seu tempo entre as duas propriedades.
De longe, a residência em Wisconsin parece escondida no alto da colina. De perto, parece um bunker, com telhados pretos baixos que escondem seu interior. Wright construiu a casa em 1911 para morar com sua amante, Martha “Mamah” Borthwick, mulher de um cliente. O arquiteto havia abandonado sua mulher e seis filhos, mas o romance acabaria em tragédia.
Três anos após a mudança do novo casal, um empregado que havia sido demitido dias antes toca fogo na casa e assassina Borthwick e suas duas crianças a machadadas. Outros quatro funcionários morreram no ataque. Em meio ao luto, Wright ressuscita Taliesin numa série de reformas, algo que voltaria a fazer depois de um segundo incêndio em 1923, desta vez por causa de problemas na fiação.
Os incêndios deixaram seu estúdio intacto, o que levaria Wright a dizer que era prova de que Deus aprovava seu trabalho, mas não sua vida pessoal.
Porém, as diversas extensões, reformas e a passagem do tempo pesaram nas fundações de Taliesin. Numa das alas da residência, é possível notar uma das varandas bem inclinada, num puxadinho que ele havia construído para Svetlana, filha de sua terceira mulher.
A casa e a escola de 1910 passaram por reformas de estabilização em anos recentes, um problema que assombra outras de suas construções famosas, como Fallingwater, de 1939. Segundo o diretor de preservação Ryan Hewson, é um engano achar que o arquiteto dava pouca atenção às fundações.
“Ele pensava isso de uma forma diferente”, disse, comentando o que Wright chamava de “Welsh footings”, um sistema de vala inclinada para drenagem, preenchida com rochas e a pouco mais de um metro abaixo da terra, para evitar congelamento e geada. “Depois, você começava a colocar a alvenaria em cima. Ele estava analisando o problema e resolvendo, em vez de apenas usar a solução padrão.”
E como será que Wright reagiria às novas reformas de Taliesin? “Depois de estudar por tantos anos, não tenho ideia”, disse. “Meu desejo é que ele pudesse ver como os edifícios e o estilo de vida permanecem fiéis à sua visão. Aos seus aprendizes ele chamava Taliesin de ‘nosso pequeno experimento’.”