- Publicidade -
Lazer e CulturaHistoriador processa Fundação Palmares por citação em relatório que baniu livros

Historiador processa Fundação Palmares por citação em relatório que baniu livros

Historiador processa Fundação Palmares por citação em relatório que baniu livros

- Publicidade -

O historiador, jornalista e professor universitário Deivison Campos decidiu processar a Fundação Palmares depois que um trecho de sua dissertação de mestrado foi usado no relatório redigido para justificar a remoção de mais de 300 livros do acervo da entidade.

Obras escritas por Aldo Rebelo, Antonio Gramsci, Caio Prado Jr., Celso Furtado, Eric Hobsbawm, Karl Marx, Max Weber e Marilena Chauí, entre muitas outras, foram banidas da biblioteca. Uma decisão da Justiça Federal, no entanto, proibiu que os livros sejam doados – o que levou o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, a segregar os volumes em um espaço batizado de “acervo da vergonha”.

- Publicidade -

A referência ao trabalho do pesquisador consta no relatório “Retrato do Acervo: A Doutrinação Marxista”, divulgado pela Fundação Palmares em junho do ano passado para justificar a limpa nas estantes. O documento classifica 54% do acervo, cerca de 5,3 mil livros, como “inadequados” por, segundo o levantamento, abordarem temas como “sexualização de crianças, ideologia de gênero, pornografia e erotismo, manuais de guerrilha, manuais de greve, manuais de revolução, bandidolatria e bizarrias”.

A dissertação de mestrado de Campos fala sobre o papel do Grupo Palmares de Porto Alegre na constituição da data de 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, como alternativa ao dia 13 de maio, quando é celebrada a abolição da escravidão no Brasil. A ideia defendida pelo autor é que a nova data nasce como um marco político para contrapor a noção de uma abolição “conquistada” ao imaginário anterior, de um benefício “concedido”.

O trecho citado no relatório foi retirado do resumo da dissertação. Nele, Campos afirma que o Grupo Palmares adota uma “postura e um discurso subversivo que coloca em cheque conceitos estruturantes da sociedade brasileira como democracia racial, identidade e cultura nacional”. O parágrafo é usado para atribuir ao movimento a pecha de “datado, de mentalidade revolucionária e marxista”.

“Há uma distorção de algo que eu não disse e que está sendo dito a partir de um terceiro lugar que não tem nenhuma relação com meu estudo”, afirma o autor ao Estadão. “No momento em que se utiliza o texto para se opor ao movimento negro, à ideia do 20 de novembro, às políticas afirmativas, de maneira nenhuma eu entendo e autorização essa vinculação”, acrescenta.

Militante do movimento negro, Campos reivindica a retirada do trecho do relatório e a publicação de uma nota de esclarecimento escrita por ele no site da Fundação Palmares, além de uma indenização de R$ 50 mil por danos morais.

“É uma disputa de narrativas. Eles tiraram um excerto insignificante do meu texto e usaram de forma distorcida um conceito importante do meu estudo, que é o conceito de subversão, de transformação”, critica.

De acordo com o pesquisador, a palavra “subversão” é usada no trabalho no sentido de “transformação”. “O movimento negro e a disputa por política tinham um caráter que é transformado a partir da ideia do 20 de novembro. O relatório usa subversivo no sentido usado no período da ditadura, o que vai totalmente contra o meu texto, porque eu mostro que o grupo do movimento negro em Porto Alegre agiu dentro da esfera legal possível, dialogando inclusive com os órgãos da ditadura”, explica o autor.

Deivison Campos é membro da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), que chegou a redigir uma nota técnica contra a investida da Fundação Palmares ao próprio acervo. Além disso, conviveu e trabalhou com o poeta militante negro Oliveira Silveira (1941-2009), que dá nome à biblioteca da Palmares e é atacado no relatório da entidade.

“De maneira nenhuma eu quero estar ligado à história dessa administração da Fundação Palmares e mesmo desse governo. Meu posicionamento político é de oposição, de resistência ao que tem acontecido, como um pesquisador e como um integrante do movimento social negro. A minha ação é no sentido de desconstruir essa narrativa”, defende.

O historiador deu entrada na ação em julho do ano passado, com pedido de urgência, mas nesta semana a desembargadora Vânia Hack de Almeida, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, decidiu que o caso deve seguir os prazos e trâmites regulares. Enquanto aguarda a conclusão do processo, o trecho da dissertação segue no relatório.

Os advogados Luana Pereira e Paulo Petri, que defendem o pesquisador, afirmam que houve dano à imagem dele e, por isso, a Fundação Palmares deve reparação.

“O mais importante aqui é não deixar dúvidas para as gerações atuais e posteriores o real contexto e sentido da obra do autor, que jamais visou estigmatizar ou criminalizar o Grupo Palmares; que sua pesquisa, ao contrário, visava enaltecer e demonstrar a genialidade do ativismo de Oliveira Silveira e seus/suas parceiros/as de luta. Somente dessa maneira a honra, a imagem e a integridade da obra intelectual e científica do Autor – e, em última análise, a própria memória do Grupo Palmares e de Oliveira Silveira”, afirmam.

Defesa

A reportagem entrou em contato com a assessoria da Fundação Palmares e aguarda resposta. O espaço está aberto para manifestação. Em sua defesa prévia, a Fundação Palmares afirmou que a menção foi “respeitosa” e que todas as normas exigidas para a citação foram seguidas. A entidade também classificou a motivação do pesquisador como “mero desconforto ideológico”. “Diante de tal lisura e absoluto respeito ao autor, este exigir reparação por supostos danos morais configura-se em uma inversão da realidade e das bases legais, além de uma franca agressão aos fatos”, diz um trecho do documento.

- Publicidade -
Mídias Digitais
Mídias Digitaishttps://www.acidadeon.com/
A nossa equipe de mídias digitais leva aos usuários uma gama de perspectivas, experiências e habilidades únicas para criar conteúdo impactante., com criatividade, empatia e um compromisso com a ética e credibilidade.
- Publicidade -
- Publicidade -
Notícias Relacionadas
- Publicidade -
plugins premium WordPress