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Lazer e CulturaLiteratura da solidão de Ana Martins Marques se amplia e arrebata onda de leitores

Literatura da solidão de Ana Martins Marques se amplia e arrebata onda de leitores

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Escrever poemas é, antes, minha forma de prestar atenção nas coisas”, afirma Ana Martins Marques ao responder quando decidiu fazer da poesia seu métier. Lembrando Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, diz que antes de ser uma profissão, a poesia é sua “maneira de estar sozinha”.

Num desses paradoxos naturais às artes, essa literatura da solidão tem congregado um número cada vez mais plural de adeptos. Reconhecida como voz de destaque na poesia brasileira por prêmios como o da Biblioteca Nacional, Marques publica o novo “Risque Esta Palavra” exibindo ainda a perspicácia de quem descobre de repente as coisas do dia a dia.

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Por seu escrutínio lírico passam o mar, o próprio corpo, as viagens de férias, os idiomas. “É uma alegria haver línguas/ que não entendo/ nelas as palavras de amor/ ainda crepitam/ como madeira nova.”

É uma lucidez que, além disso, pensa as grandes questões que atormentam o mundo com a materialidade do cotidiano. “Você será então só aquilo de que eles se lembram/ uma pessoa muito diferente da que você foi/ uma mulher com um casaco verde/ ou era azul/ que sempre passeava por aqui com um cão/ da raça qual”, diz um poema sobre a morte.

Há dez anos, quando lançava seu segundo livro, “Da Arte das Armadilhas”, a mineira de Belo Horizonte já contou a este jornal que pensava em poemas desde que aprendera a escrever. E, assim que passou a jogar sua literatura no mundo, deixou claro que pensava muito sobre pensar em poemas.

“E o que encontrei/ um dia após o outro/ não foi uma palavra/ mas uma canoa em chamas/ não foi uma palavra/ mas um acidente doméstico/ envolvendo um barco de brinquedo/ e uma máquina de costura/ não foi uma palavra/ (embora em torno das coisas/ sempre se ajuntem palavras/ como cracas no casco/ de uma embarcação antiga).”

A metalinguagem domina boa parte de “Risque Esta Palavra” –se reparar, está no título– e já se fazia presente no primeiro volume, o agora reeditado “A Vida Submarina”, e de forma mais flagrante em “O Livro das Semelhanças”, destacado no prêmio Oceanos.

“Sinto que uma questão crucial para a poesia tem a ver com uma espécie de indagação sobre o intervalo, a fratura, entre as coisas e as palavras”, afirma. “A poesia é o lugar em que se expõe e em que se joga a questão básica da linguagem, o fato de que ela nos afasta do mundo no mesmo gesto em que pretende aproximá-lo de nós.”

Mas a pergunta original do repórter tinha sido outra –se causava angústia a ideia de que a palavra, sua maior ferramenta, podia ser uma arma inútil. Veja afinal o que diz outro trecho do livro. “Às vezes sim me ocorre encontrar uma palavra/ apenas quando a encontro/ ela se parece com um buraco/ cheio de silêncio.”

Marques termina respondendo que sim, “como angustia muitos poetas, em várias épocas, em especial em momentos de grande turbulência política, em que a percepção de uma certa impotência da palavra se impõe”.

A entrevista toda foi concedida por email, algo em que a poeta insistiu com delicadeza, se dizendo mais engessada na fala que na escrita. “Lidar com a timidez implica uma negociação complexa”, afirma ela. “Inclui tanto munir-se de coragem para fazer as coisas que se deseja quanto, às vezes, aprender a não se forçar a fazer coisas só porque seria socialmente desejável.”

Marques lembra um ensaio de Jorge Luis Borges em que o argentino relata ter se dado conta de que “ser muito tímido não é importante, como tantas coisas a que conferimos importância exagerada”. “Ler isso foi muito libertador para mim”, diz.

E certamente a timidez não impediu que suas palavras circulassem. É provável que o leitor tenha topado, em alguma rede social, com o poema “História”, escrito há cinco anos e incluído na coletânea que sai agora. “Tenho 39 anos/ meus dentes têm cerca de sete anos a menos./ Meus seios têm cerca de 12 anos a menos/ bem mais recentes são meus cabelos/ e minhas unhas”, começa o texto.

Originalmente feito para agradecer votos de aniversário no Facebook, o poema se tornou o de maior repercussão da carreira da autora. Se é “uma alegria e uma surpresa” quando seus textos alcançam um número grande de pessoas, Marques diz que esse não é um fator que move sua escrita.

“Um livro, ou um poema, não vale mais ou menos pelo número de pessoas que o leram. Na leitura, de toda forma, é sempre, ou quase sempre, um de cada vez.”

“História” encapsula, de todo modo, um motivo essencial da literatura de Marques -a observação ativa que tira da morosidade os elementos cotidianos, passando a enxergar moto próprio nas figuras mais prosaicas.

Numa coluna recente sobre “Risque Esta Palavra”, o escritor Bernardo Carvalho apontou que a literatura, e a poesia em particular, opera pela “desnaturalização das palavras e das coisas, para voltar ao confronto com a confusão do real”.

Não é certo esperar da poesia a descrição de um ato, mas ver nela a inauguração de algo novo, segue o romancista. E de fato, na boa literatura, é difícil definir quem veio antes –a poesia ou a poeta.

“A intensidade do meu envolvimento com a poesia varia de uma época para outra sem que eu tenha total controle sobre isso”, reconhece Marques, depois de traçar uma breve linha do tempo de sua atividade literária. “Mas ler e escrever poemas são atividades que estão entrelaçadas à minha vida há tanto tempo que quase não consigo me pensar sem elas.”

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