A temporada é curta – apenas duas semanas de apresentações no Sesc Pinheiros -, mas será possível confirmar a qualidade do trabalho do grupo Barca dos Corações Partidos no musical Jacksons do Pandeiro, espetáculo criado a partir do universo rítmico do cantor Jackson do Pandeiro (1919-1982), considerado por muitos críticos como um dos grandes musicistas brasileiros (comparável a João Gilberto na genialidade).
“Ele aprimorou o conceito de síncope na música, ou seja, quando a nota subverte a expectativa”, observa Eduardo Rios, que assina a dramaturgia do espetáculo ao lado de Braulio Tavares. De fato, Jackson sempre provocava surpresa ao brincar com o ritmo e as palavras. Basta observar Sebastiana, um dos clássicos de Jackson.
O solista dá o início: “Convidei a comadre Sebastiana / Pra cantar e xaxar na Paraíba / Ela veio com uma dança diferente / E pulava que só uma guariba / E gritava…”. Nesse instante, o coro assume: “A, e, i, o, u, ipsilone…”.
“Esse universo rítmico do Jackson, marcado pelas quebras – quando se espera uma coisa do canto e vem outra -, acabou por também inspirar a concepção do espetáculo”, conta a diretora Duda Maia. “Há uma relação direta com os desvios propostos pelo Jackson.”
PESQUISA. Duda aplicou no musical o que já descobriu em sua interessante pesquisa sobre a ideia de “corpo rítmico” dos atores. O que favoreceu foi tratar de um compositor cuja obra é marcada pelo suingue, ginga e síncope, aquele tempo musical presente no samba e em outros gêneros, quando o ritmo sai do tempo esperado. “É um coco acelerado”, diverte-se ela, referindo-se ao gênero musical do qual Jackson era um expert e cuja “uniformidade está na ausência de uniformidade”, na exata definição de Mário de Andrade.
Para atingir a necessária intimidade com a obra de Jackson, o grupo fez uma profunda investigação, capitaneada por Alfredo Del-Penho que, há quase 20 anos, pesquisa cocos, toadas, rojões, frevos, baiões e sambas deixados pelo artista paraibano.
Nesse empenho, que consistiu em ouvir e selecionar 435 canções interpretadas por Jackson, Del-Penho desvendou características importantes da personalidade do músico como a religiosidade e a pluralidade de personagens criadas por ele. “Jackson também citava vários lugares e diversos animais.”
Além de clássicos como O Canto da Ema, Chiclete com Banana e Cantiga do Sapo, o musical traz canções novas, que transformam a obra do homenageado ao dar novos arranjos, acrescentar letras e introduzir trabalhos criados no processo. “É um ‘pedir licença’ à obra dele, mas sem deixar de homenageá-lo com todo respeito, carinho e toda admiração”, conta Eduardo Rios.
É esse estilo de trabalho que consolida a trajetória da Barca dos Corações Partidos, companhia criada em 2012 a partir do entrosamento espontâneo em torno dos atores que encenaram, naquele ano, Gonzagão – A Lenda. Ao grupo, juntou-se a produtora Andréa Alves, entrosamento que logo resultou em um caminho original, quebrando as regras tradicionais do teatro musical ao fugir das imposições do canto desse gênero e ao abrir mão de encenações carregadas de detalhes suntuosos, apostando na originalidade.
E uma de suas principais características se repete em Jacksons do Pandeiro: todos os instrumentos são tocados pelos atores. “Trazemos a forma sincopada do canto para o jogo de cena o tempo todo. Em nosso título, Jacksons aparece no plural porque são várias histórias que se cruzam e se confundem com a de Jackson”, conta Duda.
Não se trata, porém, de uma biografia tradicional. “Distribuímos a ação em brincantes que contam pedaços de suas histórias pessoais que, em muitos pontos, coincidem com a de Jackson”, observa o autor Braulio Tavares.
Jacksons do Pandeiro
Teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros
Rua Paes Leme, 195. 5ª a sáb.,
20h. Dom., 18h. R$ 40. Até 29/5
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.