FOLHAPRESS – Dando sequência ao lento e intermitente retorno do teatro presencial em São Paulo, “Brás: Memórias e (Des)Memórias de Uma São Paulo Precária” é uma caminhada pelas ruas atemorizantemente lotadas do bairro paulistano, em plena tarde comercial.
Foi na semana passada, dia 21, na segunda de duas únicas apresentações ou “intervenções”. Muita gente sem máscara, nas calçadas, o que fez pensar sem parar na variante delta.
O grupo de espectadores se reuniu na Casa Restaura-me, uma antiga fábrica colada à linha do trem, gerida por um organização católica para atender pessoas em situação de rua, na qual a Cia O Grito tem sua sede. Na parede da entrada, uma foto do papa João Paulo 2º, que foi ator e dramaturgo.
Mesclando espectadores e atores -que conduzem o grupo, sem propriamente representar- a caminhada avança pela rua Barão de Ladário e outras, começando por um shopping popular, de pequenas lojas de confecção. Manequins, que remetem ao comércio predominante do bairro, são a primeira e depois outras paradas do trajeto. Eles são a imagem de referência abraçada pelo projeto.
“Brás: Memórias e (Des)Memórias” lembra, inclusive pelo shopping como primeira “estação”, aquilo que se assistiu em “Bom Retiro 958 Metros” há uma década, no bairro próximo. Mas agora é a população o espetáculo, até por acontecer de dia, mais do que as construções históricas, o cenário iluminado do Bom Retiro.
Muito se passa no áudio, que o público baixa no celular, para ouvir ao longo de cerca de uma hora. É ele que orienta diante de qual loja parar ou qual viela explorar. “Descobri o Brás em 1933, o bairro era grande, e eu, pequeno”, começa a contar uma voz de morador, com sotaque italiano. “Mas, se a gente vai começar por aí, fingindo que o Brás era o melhor lugar do mundo, é melhor largar mão.”
O bairro que surge então, seguindo uma cabeça de manequim, é um aglomerado ainda mais diverso de estrangeiros e línguas. Africanos como vendedores ambulantes, chineses nas portas de restaurantes, sem falar português, muçulmanas, xiitas e sunitas, de hijab, com crianças. Muitos coreanos e alguns bolivianos, como antes.
No meio do caminho, o grupo para diante de uma loja com uma série de manequins, de diversas cores, dispostos em arquibancada. O espectador é instruído a se identificar com um deles e, em seguida, a propor uma nova postura para ele, um novo gesto, com seu próprio corpo.
Já perto do fim da caminhada, um dos narradores pergunta, pelo áudio, “alguma coisa mudou?”. Do Brás ao Pari, em comparação ao que se via antes da pandemia, cresceu a miséria.
BRÁS: MEMÓRIAS E (DES)MEMÓRIAS DE UMA SÃO PAULO PRECÁRIA
Avaliação: bom
Elenco: Companhia O Grito
Direção: Beatriz Cruz